'Regina Duarte é quase senil; Mário Frias tem método para desmontar cultura', diz Porchat à Sputnik
05:35 09.12.2021 (atualizado: 06:15 09.12.2021)
© Foto / Divulgação/Ivan DiasFabio Porchat nos bastidores das gravações de série para a TV portuguesa em homenagem ao centenário de Saramago
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Na segunda parte da entrevista exclusiva que Fabio Porchat concedeu à Sputnik, ele fala como a morte do ator Paulo Gustavo poderia ter sido evitada se tivesse havido uma política de vacinação no Brasil desde o início. O humorista também critica os secretários especiais da Cultura de Jair Bolsonaro.
A longa entrevista foi concedida ao correspondente da Sputnik Brasil em Lisboa após o lançamento de uma série documental em que Porchat reconstituirá os passos de José Saramago em "Viagem a Portugal", livro escrito pelo autor português há 40 anos. (Leia a primeira parte da entrevista)
Durante um almoço em um tradicional restaurante lisboeta, o clima foi predominantemente de risadas. Sobretudo quando um garçom perguntou a Antonio Tabet (Kibe Loco) o que ele gostaria de sobremesa, e o também humorista brincou que "queria polvo à lagareiro". O funcionário levou a sério e trouxe o prato junto com as demais sobremesas. Incrédulo, Tabet disse que era uma piada. Ao que, o garçom, ainda mais sério, reagiu:
"Desculpe, mas não trabalhamos com piada", respondeu o garçom.
Mas a segunda parte dessa entrevista não tem a mínima graça. Pelo contrário, é triste. A começar pela morte do ator Paulo Gustavo, por COVID-19, assunto que veio à tona na mesa de almoço. Depois, Porchat fala sobre as eleições de 2022 e o desmonte da cultura no Brasil.
Leia a seguir:
Sputnik: Fabio, a gente estava conversando sobre a perda do Paulo Gustavo na mesa do almoço. Eu também perdi um amigo da minha idade na pandemia e até hoje não acredito que nunca mais vou encontrar o cara. Como é essa sensação para você? Também não caiu a ficha ainda?
Fabio Porchat: É muito muito forte, foi uma porrada muito grande para o Brasil inteiro. Digo que o Brasil perdeu a sua mãe. Uma das poucas unanimidades que ainda existiam no Brasil era o Paulo Gustavo. E ele se foi pela COVID-19, uma pessoa que tinha acesso a tudo, tinha dinheiro, possibilidades, informação... Essa doença é uma doença que não escolhe ninguém. Ela não tem cara, quando te pega... Agora, se tivéssemos sido vacinados antes, se tivéssemos cuidado da população com mais carinho, mais ternura, talvez o Paulo estivesse entre nós.
© Folhapress / Mathilde MissioneiroAtor Paulo Gustavo (arquivo)
Ator Paulo Gustavo (arquivo)
© Folhapress / Mathilde Missioneiro
S: Você falou que essa doença não escolhe ninguém. Mas o Brasil fez uma escolha?
FP: Não. O presidente do Brasil fez uma escolha, que foi de ir contra a vacina, de lutar contra a ciência, de lutar contra a imunização, contra o lockdown, a máscara. Tudo que todo mundo disse que era o melhor ele foi contra. E é por isso que o Brasil hoje é o segundo país com mais mortes do mundo todo. É por isso que o Brasil hoje enfrenta todas as consequências e sequelas dessa luta equivocada contra a COVID-19.
S: Vamos ter eleições no ano que vem. Você vê alguma luz no fim do túnel?
FP: Vejo, as pesquisas agora são muito positivas, Bolsonaro derretendo completamente. As pessoas já estão entendendo que o Bolsonaro é um mal, que não sabe o que faz, não sabe o que está acontecendo, não sabe o que fazer. Muito pelo contrário, tudo em que ele acredita é aquilo que faz mal ao povo, faz mal ao país. Foi uma fatalidade o que aconteceu. A verdade é que [com] a conjunção dos fatores, o brasileiro votou em 2018 com o fígado. E acho que em 2022 vai votar com o estômago infelizmente.
S: E o que é votar com o estômago?
FP: É votar com fome.
S: E você diz "infelizmente" no sentido de que cresceu absurdamente o número de pessoas passando fome ou também pela solução em quem essas pessoas vão votar?
FP: As pessoas vão votar com fome, sem nenhum tipo de perspectiva nem ânimo. Em 2018, votaram com fígado em vários sentidos, não só para presidente, para governador, senador, deputado... Aí a gente vê essas pessoas envolvidas com as mesmas e velhas questões. Acho que, no fim, o brasileiro está aprendendo a votar, tentando descobrir como fazer uma democracia, muito jovem no país. As pessoas não sabem, estão entendendo que não existe só o presidente, que não adianta votar numa pessoa que acha que seja o salvador da pátria. É uma pena que tem que aprender à força.
S: Para 2022, quem lidera as pesquisas presidenciais é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Você acha que votar com o estômago nele é uma solução?
FP: Tem muitas pessoas. Não tem só o Lula. Tem o Bolsonaro, o Ciro Gomes, o [Sergio] Moro, não sei se a Marina [Silva] vai se candidatar...
S: Você acredita numa terceira via?
FP: Já está uma terceira via apontada, que é o Sergio Moro, que está acontecendo. Agora é esperar, não tem como prever. Um ano antes da eleição [de 2018], Bolsonaro tinha 3% e foi eleito presidente. Então, o que será que vai acontecer? Não tem como saber.
S: Mas para você, Fabio, o que vai acontecer na urna?
FP: Não faço a menor ideia. Eu sei que a gente tem que lutar com todas as nossas forças para que esse presidente que está hoje em exercício vá e que seja banido de qualquer tipo de cargo público. Para ele ser preso, inclusive, porque assim que ele sair da presidência ele vai ser preso.
S: Em um eventual segundo turno com Bolsonaro, você votaria em qualquer outra pessoa?
FP: Em qualquer outra pessoa, contra a barbárie. O momento agora é de tirar a barbárie do poder, voltar a deixar a democracia tranquila. O pensamento agora é: como é que vamos fazer para o Bolsonaro não ir nem para o segundo turno? Não podemos correr mais riscos. Não dá mais, por tudo que o Brasil está passando econômica e culturalmente falando. O país está desmoronando e já desabando. O que tem que ser falado agora é: como vamos fazer uma eleição democrática em que consigamos tirar o Bolsonaro.
© Folhapress / Alice VergueiroManifestantes foram às ruas neste sábado (2) em protestos pelo impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Na foto, manifestação na Avenida Paulista, 2 de outubro de 2021
Manifestantes foram às ruas neste sábado (2) em protestos pelo impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Na foto, manifestação na Avenida Paulista, 2 de outubro de 2021
© Folhapress / Alice Vergueiro
S: Você acha que havia um projeto político de poder por trás da Lava Jato, com as eventuais candidaturas do ex-juiz Sergio Moro e do ex-procurador Deltan Dallagnol?
FP: A entrevista virou política, né? Você desistiu do Saramago... A verdade é que a manchete vai ser "Fora, Bolsonaro", e Saramago vai entrar no finalzinho. [risos]
S: Você disse que eu ia fazer as mesmas perguntas que todo jornalista faz. Eu disse que ia fazer perguntas menos estúpidas. Mas, se você não quiser responder, tudo bem [risos]. Vamos voltar a falar de Saramago, que era também um ator político, do Partido Comunista Português (PCP), que completou 100 anos recentemente...
FP: O importante é ver como o Saramago, que era do Partido Comunista, conversava e tinha diálogos com o Mario Vargas Llosa, por exemplo. Acho que a grande questão é essa confusão toda da polarização, que fez as pessoas serem inimigas umas das outras. A gente pode não concordar com a política do outro. Mas as pessoas conversam, trocam informações, discordam. E é bom que haja discordância, que cada um ache uma coisa. Mas o que se vê hoje, não. Como, por exemplo, o que houve num grupo do WhatsApp em que estavam o Kim Kataguiri e o [Marcelo] Freixo. Os bolsonaristas acharam isso uma vergonha. Só que isto é fazer política: conversar com o diferente, com a oposição. Isso é ser político. É o que o Bolsonaro não consegue ser. Ele não é [político]. Ele tentou governar para os seus, mas isso está desmoronando. Você precisa conversar com todo mundo. Metade da população não votou no Bolsonaro. Então, ele precisava falar com essas pessoas. Um intelectual como o Saramago era de esquerda, do Partido Comunista, mas conversava com quem era de direita.
S: Há pouco você falou que o Brasil está desmoronando culturalmente também. O Brasil vive um momento em que houve pessoas da própria classe artística assumindo essa seara. Primeiro, a namoradinha do Brasil (Regina Duarte) e, agora, o namoradinho do Brasil (Mário Frias) à frente da secretaria especial de Cultura. Como você vê a atuação dos dois?
FB: Existem duas coisas. Eu acho a Regina equivocada. E acho que no Mário Frias há método. É uma pessoa que pensa no desmonte da cultura. A Regina, não. A Regina foi uma coitada, com intenções equivocadas. O Mário Frias é uma pessoa que quer o desmonte da cultura. Todos eles com o frágil argumento de mamata, fazendo do artista um inimigo da população, quando, na verdade, o artista é a voz da população. A cultura é a voz de um povo, dizendo o que acontece e o que ainda não acontece.
S: Do Mário Frias, será que não existe um certo recalque porque a última coisa que ele fez foi "Malhação" [novela]?
FP: [risos] Eu acho que esse tipo de gente que o Bolsonaro traz à tona é uma gente que nunca teve nenhuma relevância, nenhuma importância, nenhum tipo de representatividade. É uma gente que estava relegada ao submundo e que, quando o Bolsonaro é eleito, ele traz à tona uma gente recalcada e com raiva. Essa gente toda não governa, ela se vinga. O Bolsonaro é um governo que se vinga. Tanto que o Bolsonaro nunca teve um propósito. Ele sempre foi o contrário: "Eu não vou ser assim, eu não vou fazer isso". Ele nunca disse o que ele ia fazer. Na economia? "Eu não entendo nada de economia". E na cultura? "Não vai ser como eles!". Ele nunca aponta o que vai ser, só aponta o que não vai ser. É um governo que não tem a menor ideia do que vai fazer.
S: Mas, no caso da Regina Duarte, ela ainda tinha contrato com a Globo...
FP: Ela cancelou o contrato com a Globo...
S: Você acha que ela permanece enganada então?
FP: Ela é uma iludida. Acho que ela se equivocou, ela se engana. Ela caminha numa direção de alguém que não tem diálogo, que não conversa. Aquela entrevista dela, clássica, que ela fala "não vamos arrastar correntes"...
S: Aquela para a CNN, em que ela cantou "Pra frente, Brasil"?
FP: É uma pessoa completamente perdida e desconectada da realidade, que não entende mais o que está acontecendo. É quase senil, né?
© Folhapress / Pedro Ladeira Atriz Regina Duarte, secretária de Culltura do governo Bolsonaro
Atriz Regina Duarte, secretária de Culltura do governo Bolsonaro
© Folhapress / Pedro Ladeira
S: Falando ainda de cultura, o Grupo Severiano Ribeiro quer o imóvel do Cinema Estação de volta para transformar em mais um condomínio em Botafogo. Qual é a importância para você da rede Estação e, especificamente, daquele cinema de rua, um dos poucos a resistir ainda no Rio de Janeiro?
FP: Todo espaço de cultura que se fecha e se perde é ruim para a população. Agora, ao mesmo tempo, tenho certeza de que se estivesse lotado, se as pessoas estivessem indo, não se fechava. Não é que o cinema estava um sucesso retumbante, lotando todas as sessões... É uma pena.
S: Mas não é um pouco reflexo da pandemia também?
FP: Mas isso já vem acontecendo há muito tempo. Com o Odeon era a mesma coisa: "Vamos fechar o Odeon". Mas, claro, a cultura está vivendo cada vez mais um outro momento de transformação. Então, todo espaço cultural que se fecha é uma péssima notícia para a população.