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Agro e reflorestamento em lados opostos? Iniciativa quer revolucionar os dilemas agrários no Brasil

© Wilson dias/Agência Brasil/Fotos PúblicasDesmatamento voltou a crescer na Amazônia nos dois últimos anos
Desmatamento voltou a crescer na Amazônia nos dois últimos anos - Sputnik Brasil, 1920, 14.12.2021
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A Sputnik Brasil entrevistou Miguel Calmon, responsável pelo estudo que correlacionou os benefícios ambientais do reflorestamento a partir de espécies nativas em larga escala com o uso de terras para plantio e agropecuária.
O PIB do agronegócio brasileiro avançou 24,31% em 2020, e alcançou participação de 26,6% no PIB do país. Em valores, o agronegócio nacional representou quase R$ 2 trilhões. Sua importância, embora inquestionável, é também a razão pela qual o Brasil é visto como um pária internacional quando o assunto é desmatamento.
A dicotomia entre desenvolvimento econômico e a preservação dos biomas norteia há muitos anos os debates acerca do futuro do país. Um empreendimento, contudo, quer ressignificar os rumos dessas discussões. O projeto Verena promete acelerar a restauração e o reflorestamento de áreas degradadas pelo agronegócio por meio da silvicultura de espécies nativas em larga escala.
A Sputnik Brasil entrevistou Miguel Calmon, líder da Força-Tarefa Silvicultura de Espécies Nativas da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Ele falou sobre os benefícios ambientais e econômicos desse tipo de cultivo, e comentou o estudo que revelou que o plantio de árvores nativas em quatro dos seis biomas no Brasil pode oferecer um retorno de investimento de 15,8% ao ano, podendo alcançar até 28,4%.
© AP Photo / Leo CorreaSeção da floresta amazônica ao lado de campos de soja no estado de Pará
Seção da floresta amazônica ao lado de campos de soja no estado de Pará - Sputnik Brasil, 1920, 14.12.2021
Seção da floresta amazônica ao lado de campos de soja no estado de Pará. Foto de arquivo
Miguel Calmon explicou que o estudo foi feito a partir do projeto Verena, que começou há cerca de cinco anos com o objetivo de acelerar a restauração e o reflorestamento de áreas degradadas. Em seu estudo, Calmon avaliou 40 casos implementados por 30 diferentes agentes econômicos (entre agricultores familiares e grandes empresários).
A análise se concentrou em três diferentes modelos que possibilitam o cultivo de árvores nativas brasileiras: a silvicultura de espécies nativas, os sistemas agroflorestais (SAF) e o sistema integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF). Ao todo, os 40 casos avaliados cultivam mais de 100 espécies florestais e agrícolas, entre nativas e exóticas.
Miguel Calmon disse que o objetivo da iniciativa "era identificar algumas espécies de sucesso no nosso país e demonstrar ao produtor que se ele plantasse espécies nativas, ele naturalmente teria um bom retorno econômico". A avaliação econômica apontou que as taxas internas de retorno (TIR) dos investimentos variam de 2,5% a 28,4% ao ano, com media de 15,8%.
© Folhapress / Dirceu Portugal Plantio de soja no Paraná. Na foto, plantadeiras e agricultores durante plantio de soja em propriedade rural, 20 de outubro de 2021
Plantio de soja no Paraná. Na foto, plantadeiras e agricultores durante plantio de soja em propriedade rural, 20 de outubro de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 14.12.2021
Plantio de soja no Paraná. Na foto, plantadeiras e agricultores durante plantio de soja em propriedade rural, 20 de outubro de 2021. Foto de arquivo
O especialista ainda explicou que a rentabilidade para o produtor é também um indicativo de que o Brasil tem uma grande oportunidade de gerar emprego e renda se aumentar e der escala a atividades de silvicultura de espécies nativas na produção de madeira, óleos vegetais, alimentos como castanhas, frutas e diversos outros produtos florestais.

Benefícios vão além da questão econômica

Ante a pressão internacional, sobretudo da União Europeia, o Brasil procura um arranjo econômico que abrigue a expansão de sua produção agrária dentro de um limite "razoável" de desmatamento. Por meio do projeto Verena, afirmou Miguel Calmon, o país receberá uma contribuição fundamental para cumprir seus compromissos ambientais e climáticos.
Ele destacou, como exemplo, a meta da NDC brasileira (compromissos assumidos no Acordo de Paris) de restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas até 2030. Miguel entende que o projeto possui imenso potencial para combater as mudanças climáticas.
"Ao plantar árvores, você remove carbono da atmosfera, e isso gera um impacto nas mudanças climáticas", comentou.
"Além da mitigação, elas [espécies nativas] ajudam na adaptação de outros ecossistemas. Ao colocar água em um sistema, por exemplo, isso ajuda a melhorar o composto térmico dos animais, gerando impacto em questões de agropecuária, do agronegócio, microclima, redução de vento e outros benefícios", comentou.
© Folhapress / Eduardo Anizelli Gados na fazenda Nossa Senhora do Carmo, em Cumaru do Norte, no interior do Pará
 Gados na fazenda Nossa Senhora do Carmo, em Cumaru do Norte, no interior do Pará (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 14.12.2021
Gados na fazenda Nossa Senhora do Carmo, em Cumaru do Norte, no interior do Pará. Foto de arquivo
O especialista ainda apontou que outro tema importante é a questão da biodiversidade. "Quando se tem uma paisagem degradada, ao incorporar árvores para aquele ecossistema, podemos aumentar a quantidade de polinizadores para várias culturas agrícolas, o que aumenta a produtividade", afirmou. Além disso, "a água que chega com o reflorestamento das espécies nativas também reduz a erosão do solo".

Madeira para exportação

Além dos benefícios de conservação da biodiversidade, redução do desmatamento, conservação e melhoria da qualidade do solo, remoção de milhões de toneladas de carbono da atmosfera, recuperação do solo e das nascentes de água, Miguel Calmon falou que a iniciativa também pretende alçar o Brasil ao posto de exportador de madeira reflorestada.
Ficou conhecido em maio deste ano, episódio inclusive que agravou a situação do ex-ministro Ricardo Salles no Ministério do Meio Ambiente, a denúncia da Justiça dos EUA sobre a exportação ilegal de madeira no Brasil. Deflagrada a crise, os Estados Unidos embargaram as vendas do material, expondo o governo brasileiro, mais uma vez, ao posto de pária internacional.
© REUTERS / Exército do BrasilMilitares do Exército Brasileiro patrulham Floresta Amazônica para combater o desmatamento ilegal na região
Militares do Exército Brasileiro patrulham Floresta Amazônica para combater o desmatamento ilegal na região - Sputnik Brasil, 1920, 14.12.2021
Militares do Exército Brasileiro patrulham Floresta Amazônica para combater o desmatamento ilegal na região. Foto de arquivo
Miguel Calmon acredita que é possível reverter essa posição. Segundo ele, a ideia é "colocar o Brasil como grande exportador de madeira natural, um grande ator na questão da bioeconomia". Ele explicou que, para isso, é preciso desmistificar algumas questões acerca do reflorestamento a partir das espécies nativas.
"Há um enorme potencial para os produtos florestais brasileiros nas cadeias produtivas nacionais e globais. No caso do mercado de madeira tropical, por exemplo, menos de 10% da produção mundial tem origem no Brasil", explicou.
"Até pouco tempo atrás, tínhamos aquele conceito de que espécies nativas levavam tempo para crescer. Isso não é verdade. Temos várias espécies que crescem muito rápido. Ao desmistificar isso, removemos aquela barreira ao produtor que pensa que reflorestar é uma prática que demorará para ter retorno", comentou.
O especialista disse que é importante esclarecer isso para os investidores que querem colocar dinheiro na produção de espécies nativas. "É preciso entender que o Brasil tem 90 milhões de hectares de pastagem com algum estágio de degradação", e uma parte considerável desses territórios pode se beneficiar com a cultura de espécies nativas.

Paisagens com degradação

Miguel Calmon reconhece que a impressionante quantidade de hectares degradados no Brasil é uma oportunidade para investidores que desejam revolucionar os dilemas agrários no Brasil. Dos 90 milhões de hectares de pastagem com algum nível de degradação, mais de 40 milhões encontram-se em estado severo. Essa imensa fronteira que exige restauração pode ser uma oportunidade rentável de investimento para o produtor.
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"Temos áreas degradadas e queremos recuperá-las. Ao oferecer um arranjo que recupera essas áreas abandonadas, isso engaja o produtor. Da mesma forma que o produtor pega um financiamento para auxiliar na sua produção de soja, ou milho, por que não investir em espécies nativas e recuperar uma área que estava degradada?", questionou.
O especialista defende que é importante monetizar os benefícios ambientais, para poder aumentar o retorno ao produtor, sobretudo no curto prazo. As possibilidades são muitas, mas, para ele, ainda é preciso aprimorar as políticas públicas que garantem mais segurança ao setor.
"É preciso de segurança para o produtor, combater a ilegalidade na exportação de madeira, que altera o preço do mercado, e aprimorar o efeito da plantação de espécies nativas por meio da pesquisa", comentou.

Benefícios ao produtor

Além da taxa de retorno do investimento, o produtor ainda se beneficia dos serviços ambientais oferecidos pelas espécies nativas, tais como melhora dos recursos hídricos e aumento da resiliência e produtividade de outras atividades que podem ser consorciadas com as árvores.
A remoção de carbono da atmosfera, por sua vez, é um benefício para todo o planeta, mas também pode contribuir com o fluxo de caixa do produtor, já que oportunidades no mercado de carbono vêm ganhando impulso mundialmente.
O estudo constatou ainda que modelos produtivos com espécies nativas podem retirar de 6,7 a 12,5 toneladas de dióxido de carbono equivalente da atmosfera por hectare ao ano, além de reduzir a erosão do solo e melhorar a qualidade da água que chega aos rios e reservatórios.
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