Ex-embaixador afegão revela o que o Talibã deve fazer para obter reconhecimento internacional
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Ex-embaixador afegão pontua relação da comunidade internacional com o atual Afeganistão do Talibã, e em que medida o futuro do país depende da seriedade de seus atuais líderes no atendimento das demandas da ONU.
Em recente entrevista à Associated Press, o atual responsável pela diplomacia do Afeganistão, Amir Khan Muttaqi, falou sobre os compromissos e objetivos do Talibã em garantir boas relações com todos os países. Falando em Cabul, Muttaqi afirmou que tornar o Afeganistão "instável" ou ter um governo fraco não é do interesse de ninguém.
De acordo com Muttaqi, o Talibã (organização sob sanções na ONU por atividades terroristas) está pronto para fazer mudanças que vão beneficiar a nação e encorajar os EUA e outros países a "mudarem lentamente sua política em relação ao Afeganistão".
A Spunitk convidou o ex-embaixador afegão na França, Canadá, UE e OTAN, Omar Samad, para comentar sobre a nova mensagem vinda do Afeganistão e fez considerações relevantes sobre o que se pode esperar desta nova fase da nação.
AFGHAN NEWS RECAP N042
— Omar Samad (@OmSamad) December 14, 2021
*5 benchmarks set by EU for further engagement.
*TB DPM Kabir: Practical steps to be taken to keep academic cadres. Opening universities soon.
*IEA Dep PM Hanafi: recruiting ex govt technical+professional personnel.
*80 IS-K members surrender in Nangarhar.
Recapitulando notícias do Afeganistão nº 042
* 5 pontos de referência definidos pela UE para um maior envolvimento.
* Vice-primeiro-ministro do Talibã, Abdul Kabir: passos práticos a serem dados para manter os quadros acadêmicos. Abrindo universidades em breve.
* Vice-primeiro-ministro do Emirado Islâmico do Afeganistão Abdul Salam Hanafi: recrutamento de pessoal técnico + profissional ex-governamental.
* 80 membros Estado Islâmico–Khorasan se rendem em Nangarhar.
* 5 pontos de referência definidos pela UE para um maior envolvimento.
* Vice-primeiro-ministro do Talibã, Abdul Kabir: passos práticos a serem dados para manter os quadros acadêmicos. Abrindo universidades em breve.
* Vice-primeiro-ministro do Emirado Islâmico do Afeganistão Abdul Salam Hanafi: recrutamento de pessoal técnico + profissional ex-governamental.
* 80 membros Estado Islâmico–Khorasan se rendem em Nangarhar.
Segundo Samad, o vácuo que foi preenchido pelo Talibã após a controversa saída de Ashraf Ghani de Cabul, trouxe pressões internas e externas para o governo interino. Com uma economia em colapso, aumento da pobreza e busca de validação internacional, os países que financiavam o Afeganistão, neste momento, recuaram, na expectativa de compreender que momento vive o país.
A comunidade internacional continua pedindo para que o Talibã mostre mais flexibilidade em termos de criação de um governo de base ampla e de atendimento às necessidades dos direitos das mulheres e da educação das meninas. Este é um requisito básico que precisa ser resolvido pelo Talibã para obter o reconhecimento da comunidade internacional. Mas a mudança de comportamento não será imediata.
"Não espero uma mudança repentina em termos de reconhecimento oficial [internacional]. Acho que o engajamento será gradual e seletivo. Por um lado, a comunidade internacional tem a responsabilidade, especialmente aqueles que forneciam a maior parte do financiamento antes de 15 de agosto, de garantir que a população afegã não sofra em resultado das políticas e governação inadequadas no passado e, ao mesmo tempo, garantir que o povo afegão não pague o preço pela inflexibilidade e intransigência do Talibã em certas áreas", afirmou o ex-embaixador.
Os Estados Unidos e alguns outros países usaram o Conselho de Segurança da ONU para apresentar demandas de flexibilização de algumas diretrizes políticas do Talibã na implementação de seu governo. O efeito direto parece ser um debate interno sobre quanta flexibilidade mostrar, que grau de abertura o sistema deve ter e quantas dessas demandas e expectativas devem ser atendidas.
O processo de reconciliação intra-afegão que ocorria em Doha, Qatar, antes da queda de Cabul, já apresentava evidências de que em um possível governo provisório, que substituísse Ghani, o Talibã se comprometeria em acomodar novos grupos políticos e sociais e étnicos em um governo de coalizão. Outro ponto abordado nessas reuniões para a paz é que certas conquistas em matéria de direitos humanos, direitos das mulheres, educação e liberdade de expressão deveriam ser mantidas.
Mas apesar dessas "garantias aparentes", o reconhecimento do Talibã, política ou diplomaticamente, pela União Europeia (UE) ou qualquer um de seus membros, não parece estar num horizonte próximo.
"Não vejo a UE ou qualquer outro país da UE reconhecendo o Talibã política e diplomaticamente em um futuro próximo. O que estamos ouvindo é que alguns países da UE, bem como a própria UE, estão avaliando a possibilidade de abrir uma missão que se ocupará principalmente de questões humanitárias e consulares. Portanto, esse é um passo em direção ao engajamento, mas não ao reconhecimento total", afirmou Samad.
É importante notar, no entanto, que diferentes nações na ONU, incluindo Rússia e China, já se manifestaram favoráveis em avançar com o reconhecimento do Afeganistão do Talibã, e com certa unidade. O movimento ficaria condicionado às flexibilizações já solicitadas. O que parece estar descartado desta mesa de negociações é ignorar o Talibã.
"A comunidade internacional está dividida em relação ao Afeganistão em diferentes campos [...] é uma situação complexa, mas acho que, por enquanto, como eu disse, o consenso geral é seguir as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas pedindo ao Talibã para criar um governo de base ampla, que respeite os direitos de gênero e também os direitos das minorias, e permita que as mulheres trabalhem e as meninas frequentem a escola, e também desempenhe um papel no contraterrorismo, um papel construtivo no contraterrorismo", pontuou o ex-embaixador.
Resta saber se, ao serem atendidas as solicitações da comunidade internacional, a ONU retirará o rótulo de terrorismo do Talibã.
Atualmente o esforço internacional de ajuda humanitária ao Afeganistão tem por objetivo auxiliar a população e em última análise, a economia do país. Na análise de Samad, se a ajuda parasse "levaria a uma catástrofe".
O sistema bancário afegão está impactando a vida das pessoas. A comunidade internacional já denunciou o processo e está disposta a colaborar, mas para isso o Talibã precisa compreender o que está em jogo.
"Se o Talibã, em minha opinião, não entender seriamente as consequências, então, obviamente, a comunidade internacional continuará exercendo pressão, o que levará a um maior isolamento do Afeganistão e a um maior empobrecimento do país, e ainda mais alienação, tanto dentro quanto fora, o que é uma posição de 'perde-perde'", contou.
Quanto mais instável a situação, maiores dificuldades o Afeganistão terá em se livrar de grupos criminosos que queiram se valer da situação de caos atual para proliferar, até mesmo, de dentro do futuro governo.
Para além de todos os pontos abordados, a importância geopolítica do país desperta o interesse de Washington, Bruxelas, bem como Moscou e Pequim. A expectativa é que essas lideranças, que até alguns meses financiavam cerca de 75% dos gastos e hoje não financiam mais nada, voltem a compreender que esta lacuna de investimentos precisa ser preenchida.
"Portanto, a questão é: como preencher a lacuna e qual é o papel dessas partes interessadas? Como eu disse, por um lado, para ter certeza de que não provocaremos uma catástrofe humanitária, por outro, a fim de pressionar o Talibã, de forma construtiva, a resolver as questões que se colocam a eles. E terceiro, para evitar uma nova desestabilização do país que poderia beneficiar grupos terroristas, por exemplo. Esta é uma responsabilidade coletiva, não apenas de um país ou de outro. Sim, alguns países têm mais responsabilidades, os Estados Unidos e os países ocidentais em geral, por causa de sua história no Afeganistão, mas não exclui outros países também, especialmente os vizinhos do Afeganistão que sentirão o impacto do colapso e da desestabilização."