Analista: chanceler Scholz é porta de entrada para interesses político-econômicos da China na Europa
© AP Photo / Guglielmo MangiapaneO chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, fala durante uma entrevista coletiva conjunta com o primeiro-ministro da Itália, Mario Draghi, no gabinete do governo do Palácio de Chigi em Roma, segunda-feira, 20 de dezembro de 2021
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A Sputnik Brasil conversou com Paulo Niccoli Ramirez, cientista político e professor da ESPM-SP, para compreender como o novo chanceler alemão Olaf Scholz pode ajudar a estabilizar as relações entre China e União Europeia.
Na semana passada, o presidente chinês, Xi Jinping, pediu ao novo chanceler alemão, Olaf Scholz, para desempenhar um "papel positivo" na "estabilização" das relações entre a China e a União Europeia, com ambos os líderes concordando em manter a amizade e cooperação entre os dois países e em defender o multilateralismo nos assuntos internacionais.
Para Paulo Niccoli Ramirez, cientista político e professor da ESPM-SP, a Alemanha é o principal país do ponto de vista econômico dentro da UE, enquanto a China hoje é a principal parceira comercial dos alemães.
Sendo assim, a eleição do novo chanceler alemão é uma porta de entrada para os interesses político-econômicos chineses, como a economia verde, que envolve o desenvolvimento de novas tecnologias mais limpas, potentes e baratas.
Além disso, a China pretende incorporar a economia 4.0, cuja origem é a Alemanha, em termos de tecnologias mais avançadas de automação, inteligência artificial, fábrica do futuro, entre outros aspectos que giram em torno tanto do avanço exponencial de novas tecnologias computacionais como também das farmacêuticas.
O professor também ressaltou que, durante a pandemia de COVID-19, as relações entre os dois países também se perpetuaram, principalmente com relação às práticas de desenvolvimento da tecnologia de vacinas e até o controle sobre a população e práticas sanitárias.
"A aliança com a Alemanha vem a contribuir para a renovação do parque industrial chinês. Por isso, é uma aliança estrategicamente muito importante [...] do ponto de vista das tecnologias de saúde, da renovação do parque tecnológico-industrial chinês, e novas oportunidades de entrada de produtos chineses dentro da Europa", afirmou.
De acordo com o professor, o chanceler alemão, Scholz, proporcionará oportunidades de negócios para os chineses, desde a entrada de produtos até a transferência de tecnologia, tratando-se de novas estratégias comerciais e políticas entre os dois países.
Mudanças na amizade entre Alemanha e China com Scholz no comando
Comentando sobre o que poderia mudar na amizade e cooperação entre os dois países, o professor recorda que a China já é em cinco anos a principal parceira econômica da Alemanha e, sendo assim, os negócios tendem a se perpetuarem e fortalecerem.
"A China basicamente consolidou uma espécie de porta-voz de seus interesses dentro da própria Europa com a vitória da social-democracia", explicou.
O professor ainda ressaltou que, recentemente, o novo chanceler alemão também se encontrou com o ex-presidente brasileiro Lula, justamente para fortalecer novas práticas em defesa dos interesses dos trabalhadores, havendo a perspectiva de uma ideia de uma indústria 4.0 que não seja tão predatória contra os interesses trabalhistas.
Além das intenções do chanceler alemão, há a exigência da própria Alemanha de que interesses trabalhistas sejam difundidos na própria China.
Economia digital verde
Referindo-se à economia verde, o professor volta a ressaltar que isso envolve tecnologias mais limpas, baratas, mais potentes e menos poluentes.
De acordo com o especialista, a economia verde tem como objetivo não apenas preservar o meio ambiente e reduzir os males predatórios dos seres humanos sobre a natureza, como também abrir uma série de oportunidades de negócios para os investidores e indústria.
Cooperação entre UE e China reforça mercado automobilístico?
Sobre o mercado automobilístico, o professor explica que há um processo de renascimento da indústria europeia, o que não significa a volta dos empregos.
De acordo com o professor, atualmente é mais barato para os europeus manterem suas fábricas dentro dos países-sede do que nas periferias do capitalismo, como a China, apesar de o país asiático ser uma potência econômica.
Além disso, o professor explica que a China tem um grande interesse na automação dos veículos, uma tendência no mercado automobilístico, que cada vez mais está focado nos veículos sem motoristas, e com o novo chanceler alemão os chineses veem uma forma de obter sua adaptação para o novo formato da indústria.
A Alemanha, assim como os países que se destacam na indústria 4.0, tem uma marca prática de intercâmbio entre universidades, sindicatos, governos e empresas, com trocas de tecnologias, intercâmbio e treinamento de funcionários, para que trabalhem com linguagem de computação ou manutenção das novas máquinas, preparando-se para os possíveis impactos com relação à perda dos empregos.
"Esse tipo de aliança entre empresas, indústrias, universidades e sindicatos tende a se expandir à China com o objetivo de defender os direitos trabalhistas e da população", explicou o professor, ressaltando que a Alemanha dentro dos países 4.0 é a que mais se preocupa com o futuro dos trabalhadores, o que pode influenciar a China no que diz respeito ao desenvolvimento tecnológico e à proteção dos direitos trabalhistas.
Multilateralismo nos assuntos internacionais
Com relação ao multilateralismo, o professor explica que essa é uma tendência da China, que tenta retomar a Rota da Seda não para exportar seda, mas sim produtos industriais.
"A China precisa ampliar a quantidade de nações ou de mercadorias que chegam em diferentes nações, ainda mais em tecnologias voltadas à indústria 4.0", explicou.
Segundo o professor, Xi Jinping foi colocado como um líder político capaz de permitir a transição da China para uma nova indústria. Além disso, Xi deixou claro que a China não prosperaria sem parceiros, e por isso o país está procurando parceiros em torno do mundo, procurando expandir ferrovias e oleodutos.
"A China está em busca de ampliar suas relações comerciais, polos de consumo de produção, e isso favoreceria bastante os chineses, uma vez que sua indústria passa por uma fase de renovação apoiada pelo Estado", declarou o professor, referindo-se a entrada da China na indústria 4.0.
O professor também fez questão de destacar que foi muito importante a eleição do novo chanceler alemão pelo fato de ele ser social-democrata, tendo um caminho mais amplo de debates com os países considerados de esquerda, ou sociais-democratas, criando oportunidades de negócios e geração de empregos para os países que consigam consolidar alianças mais à esquerda.
"E o Brasil talvez entre nessa história caso o Lula vença as eleições do ano que vem", concluiu.