Qual é o impacto da defasagem na tabela do Imposto de Renda para os brasileiros?
© Folhapress / Eduardo ValenteImagem ilustrativa de 6 de março de 2019 mostra celular e notebook nos portais da Receita Federal
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Sem reajuste há seis anos e com distorções acumuladas em mais de duas décadas, a tabela do IR tem consumido cada vez mais o salário dos brasileiros com a alta da inflação. Para fazer as contas e entender as origens do problema, a Sputnik Brasil conversou com especialistas na área.
Ao fim de um mês de trabalho, muitos brasileiros imaginam como seria sua vida financeira se não sofressem o desconto do Imposto de Renda. Este sonho, na verdade, deveria ser realidade para boa parte dos contribuintes.
Isso porque a tabela do IR está congelada há seis anos e carrega defasagens desde 1996, levando milhões de pessoas que deveriam estar isentos da taxação a contribuir.
Mais precisamente, 24,2 milhões de descontados atualmente no Brasil não estariam na faixa de contribuição se o governo federal houvesse feito o correto reajuste da tabela pela inflação ao longo dos últimos 25 anos, segundo cálculos da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco).
A faixa salarial isenta hoje vai até R$ 1.903,98 mensais. Com a correção defendida pela entidade, quem recebe até R$ 4.469,02 não seria taxado. O limite atual abrange apenas 9,1 milhões de pessoas.
A Unafisco afirma que, devido à defasagem na tabela Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), a Receita Federal cobrará da população, no próximo ano, R$ 149 bilhões além do previsto quando o sistema foi estipulado.
De acordo com a associação, a atualização deixou de ser feita da maneira correta no segundo ano do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Os governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, ambos do PT, fizeram ajustes, mas de maneira inconstante, segundo a entidade.
Porém, a partir de 2016, nos governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), a tabela não mudou mais. A inflação, porém, continuou subindo. Apenas em 2021, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), que mede a prévia da inflação oficial, saltou 10,42%, maior valor acumulado em um ano desde 2015.
Assim, a defasagem total da tabela, desde a década de 1990, é de 134,7%.
© Folhapress / Sérgio LimaPrédio da Receita Federal, em Brasília, no dia 8 de março de 2012
Prédio da Receita Federal, em Brasília, no dia 8 de março de 2012
© Folhapress / Sérgio Lima
Para Richard Domingos, diretor-executivo da Confirp Consultoria Contábil, pelos índices atuais, a tabela promove um aumento indireto na carga tributária.
"O governo não precisa aumentar a alíquota. Basta não aumentar ou atualizar a tabela atual que acaba incluindo uma série de contribuintes para pagar imposto", afirmou Domingos em entrevista à Sputnik Brasil.
Ele destaca que, se o governo aumenta o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), as empresas repassam os custos para os clientes. Por isso, segundo o especialista, é fundamental o ajuste do IR para pessoa física para não haver perda do poder de compra pela inflação.
"Muitos passaram a pagar um imposto que não deveriam. Causa uma injustiça fiscal para grande parte dos contribuintes", criticou o diretor-executivo da Confirp Consultoria Contábil.
Em termos anuais, os números causam ainda mais impacto. Se a tabela tivesse sido corrigida pelos índices de inflação, só seria descontado quem recebesse anualmente acima de R$ 65.822. Hoje, fica isento quem recebe até R$ 28.559 por ano. "É mais que o dobro do índice atual", disse Domingos.
O economista Josilmar Cordenonsi, professor de Finanças da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ressalta que os mais prejudicados com a falta de correção são os que ganham próximo do mínimo atual de taxação.
Ele explica que os salários são reajustados exatatamente devido à alta da inflação. E se a tabela do IR não acompanhar os índices, na prática, para quem ganha um pouco abaixo do limite, não valeria a pena um aumento salarial que lhe cortasse a renda por entrar na primeira faixa do imposto.
"A pessoa continua com a mesma renda, com o mesmo poder de compra, e começa a pagar IR indevidamente", alertou.
Para se ter uma ideia do processo inflacionário, nos 25 anos do Plano Real, em 2019, a inflação sobre a moeda já era de 508%, de acordo com o Banco Central (BC). Ou seja, o que valia R$ 1,00 quando o programa foi anunciado passaria a custar R$ 6,08.
No mesmo período, a correção da tabela foi de 239%, com a faixa isenta subindo de R$ 561,80 para R$ 1.903,98.
Cordenonsi aponta que se ao menos a tabela não tivesse congelado nos últimos seis anos, seguindo os índices de inflação, hoje quem ganhasse até R$ 2.743 estaria isento.
"Quem ganha R$ 2.500 deixaria de pagar o IR. Já é alguma coisa. Nessa faixa, é mais palpável a perda", observou o economista.
Em sua campanha à presidência em 2018, Bolsonaro prometeu elevar a faixa de isenção para R$ 5.000. Pela proposta, quem hoje paga 7,5%, 15% ou 22,5% ficaria isento.
À época, Paulo Guedes, ministro da Economia, ainda propôs cobrar uma alíquota única de 20% para quem recebe acima de R$ 5.000.
Mais de três anos depois, porém, a tabela segue inalterada.
"Colocar a faixa de isenção a R$ 5.000 é populismo puro e simples. Isso não tem fundamento. O governo não está em posição de abrir mão de receita tributária agora", afirmou Cordenonsi.
Se o sonho do reajuste na tabela do IR vai virar pesadelo nos próximos meses, é difícil prever, ainda mais com eleições presidenciais à vista. Por enquanto, são os brasileiros achatados pela inflação e pelo imposto que precisam acordar dia após dia para se readequar à realidade.