Fauzi prepara terreno para sua volta ao Brasil ao acenar para movimento neointegralista?
11:50 21.01.2022 (atualizado: 14:51 21.01.2022)
© Foto / DivulgaçãoEduardo Fauzi, suspeito do ataque com coquetéis molotov à produtora Porta dos Fundos, antes de ser preso, na Rússia
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Às vésperas de sua extradição para o Brasil, o acusado de terrorismo, Eduardo Fauzi, compartilha vídeo no qual saúda o Movimento Integralista Linearista Brasileiro e seu líder, Cássio Guilherme. Afinal, que movimento é esse e qual será sua atuação nas eleições de 2022?
No início de janeiro, a Procuradoria-Geral da Rússia emitiu decisão sobre o caso Eduardo Fauzi, suspeito de participar de ataque com coquetéis molotov na produtora Porta dos Fundos, no Rio de Janeiro, em dezembro de 2019.
O brasileiro detido na Rússia deve ser extraditado para o Brasil, onde é acusado pela Polícia Federal do Rio de Janeiro de crime de terrorismo e incêndio.
Pouco antes da decisão, em flagrante violação às leis russas, o prisioneiro gravou e compartilhou vídeos de sua cela em Moscou. Fauzi saudava Cássio Guilherme Reis Silveira, policial federal aposentado por invalidez e presidente do Movimento Integralista e Linearista Brasileiro (MIL-B).
A extradição de Fauzi para o Brasil será feita em pleno ano eleitoral e, apesar da repercussão limitada do vídeo, seu conteúdo se assemelha a uma declaração política.
Mas, afinal, o que é o Movimento Integralista e Linearista Brasileiro (MIL-B) e quais as suas relações com Eduardo Fauzi? Para responder a essas questões, a Sputnik Brasil conversou com Leandro Pereira Gonçalves e Odilon Caldeira Neto, autores do livro "O Fascismo em Camisas Verdes: do Integralismo ao Neointegralismo".
Os especialistas explicam que o MIL-B é um dos três movimentos neointegralistas que surgiram no início do século XXI, ao lado da Frente Integralista Brasileira (FIB) e da Associação Cívica e Cultural Arcy Lopes Estrella (ACCALE).
"O MIL-B tem como base a doutrina integralista, mas faz uma releitura para atualizar algumas perspectivas", explica Caldeira Neto. "A organização tem uma leitura mais afeiçoada ao antissemitismo e, por isso, ao conspiracionismo."
A questão antissemita seria "um ponto traumático e de esquecimento do movimento integralista", portanto, o seu resgate faz do MIL-B uma organização "integralista do ponto de vista doutrinário, mas ainda mais radical".
"Nessa tendência de radicalização, atualização e busca do integralismo para o século XXI, que eles chamam de 'linearismo', o MIL-B diverge de algumas percepções de outros agrupamentos neointegralistas", disse Caldeira Neto.
© Foto / VK / Eduardo FauziEduardo Fauzi, acusado de jogar coquetel molotov na produtora Porta dos Fundos e que viajou para Rússia após o ocorrido (foto de arquivo)
Eduardo Fauzi, acusado de jogar coquetel molotov na produtora Porta dos Fundos e que viajou para Rússia após o ocorrido (foto de arquivo)
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O grupo também é aberto ao diálogo com organizações de cunho monarquista e maçônico, o que destoa dos demais movimentos neointegralistas em atividade no Brasil.
"O MIL-B é mais radical, mais antissemita, mas é menos atuante, porque aparentemente tem menos militantes", notou o Caldeira Neto. "Nas movimentações de rua, ele é diminuto se comparado às outras organizações."
A identidade do grupo está intrinsecamente ligada ao seu líder, Cássio Guilherme, formado em física pela Universidade Federal de Juiz de Fora, chefe escoteiro e aposentado da Polícia Federal por invalidez em 2018, conforme apurou a redação da Sputnik Brasil.
"A trajetória de Cássio Guilherme vem desde a década de 1990, quando foi militante estudantil entre grupos conservadores dentro da universidade. A sua origem é conservadora e radical", relata Gonçalves. "Justamente por ser da área de física, ele faz a implementação de teorias físicas e matemáticas dentro da concessão política do integralismo, no que ele chama de 'filosofia linear'."
A organização liderada por Cássio Guilherme foi fundada em 2004, no mesmo ano do Congresso Integralista para o Século XXI, que tinha como objetivo unificar o movimento nacionalmente.
Eduardo Fauzi e o neointegralismo
Eduardo Fauzi foi presidente da Frente Integralista Brasileira no Rio de Janeiro e participava ativamente de encontros da Associação Cívica e Cultural Arcy Lopes Estrella. No entanto, após os ataques à produtora Porta dos Fundos, ambas as organizações se dissociaram desse polêmico membro.
"Do ponto de vista dos grupos integralistas, foi nítida a vontade de afastamento da imagem do Fauzi", lembra Caldeira Neto. As fotos com Fauzi foram deletadas das redes sociais dos movimentos, que emitiram declarações de repúdio às ações contra a produtora carioca.
Para Gonçalves, a aproximação de Fauzi com o MIL-B seria uma resposta a esse afastamento da FIB e da ACCALE, e funcionaria como uma "via de mão dupla: o grupo dá voz e palanque ao Fauzi", que, em troca, garante visibilidade à organização.
© Foto / Reprodução/Denúncia MPFEduardo Fauzi também é investigado pela Polícia Civil do Rio de Janeiro por organização criminosa
Eduardo Fauzi também é investigado pela Polícia Civil do Rio de Janeiro por organização criminosa
© Foto / Reprodução/Denúncia MPF
Existe forte rivalidade entre as organizações neointegralistas, logo, a adesão de Fauzi ao MIL-B pode se inserir na "disputa política e de poder dentro desse campo", acredita Caldeira Neto.
"A medida em que o Fauzi é esquecido por organizações que antes eram o seu suporte para a sua militância integralista [...] essa relação [com o MIL-B] é de busca de composição de uma alternativa a esses grupos majoritários na esfera integralista na atualidade", agrega o especialista.
Para Caldeira Neto, a aproximação entre Fauzi e o MIL-B, uma organização diminuta, seria "uma tentativa de aliança entre os marginalizados nessa pequena galáxia do campo neointegralista".
Eleições de 2022
Com a corrida presidencial no Brasil a pleno vapor, a organização neointegralista com maior capilaridade política, de acordo com os especialistas, é a FIB.
"O atual presidente da FIB estimulou alguns de seus militantes a buscar articulações políticas, inclusive por meio de filiação partidária", revela Caldeira Neto. "Isso veio a render frutos mais recentemente na aproximação da FIB com o PRTB de Levy Fidelix e, posteriormente, com o PTB de Roberto Jefferson."
Nas eleições de 2022, a FIB deve lançar pelo menos dois candidatos ao legislativo federal, pelos estados de São Paulo e Distrito Federal, conforme apontou a pesquisa de Gonçalves.
No entanto, O MIL-B pode ter mais dificuldades doutrinárias para seguir um caminho de articulação com partidos políticos.
© Folhapress / Bruno Escolástico/Photo PressRoberto Jefferson, presidente do PTB
Roberto Jefferson, presidente do PTB
© Folhapress / Bruno Escolástico/Photo Press
"O MIL-B, por definição, é profundamente contrário aos partidos políticos e à democracia liberal. Então ele vê de forma crítica essas interlocuções com partidos políticos legalmente instituídos", disse Caldeira Neto. "Claro que isso pode ser modificada no ano de 2022, mas, de acordo com o lastro histórico [...] é pouco provável que exista esforço nítido dessa pequena organização de procurar articulação com partidos políticos de maneira mais ampla."
No entanto, Eduardo Fauzi parece interessado em retomar sua integração com movimentos políticos em sua volta ao Brasil. Gonçalves ainda lembra que as articulações de Fauzi não se resumem ao movimento neointegralista.
"Ele age em várias frentes e sua articulação com Cássio Guilherme é somente um braço desses vários espaços de atuação que o Fauzi possui", disse Gonçalves. "Acredito que o MIL-B acaba sendo o principal braço político-ideológico, dentro dessa lógica conspiracionista, neofascista, conservadora e radical."
Apesar do MIL-B ser uma organização com atividades restritas à cidade de Campinas, onde Cássio Guilherme reside e atuou profissionalmente, "até alguns meses atrás tinha o ensaio de formação de um grupo carioca da organização", relata Caldeira Neto. "Mas isso nunca deu muito certo. Então, eventualmente, pode ser que Fauzi seja uma figura de liderança para esse processo."
Bolsonarismo neointegralista?
A despeito do cunho ideológico de direita radical, as organizações neointegralistas não necessariamente se alinham à candidatura do atual presidente Jair Bolsonaro (PL), também associado à direita.
"O MIL-B tem uma posição em certa medida independente, em relação às demais organizações da extrema direita brasileira", declarou Caldeira Neto.
Gonçalves lembra que, do ponto de vista econômico, Cássio Guilherme dificilmente aprovaria as políticas implementadas pelo ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes.
"Os integralistas não são bolsonaristas, até porque afirmar isso implicaria em um esvaziamento da condição integralista. O integralista está para além de lideranças e instituições, de acordo com os seus membros", disse Caldeira Neto.
Para o especialista, "o diálogo entre grupos integralistas e o bolsonarismo não é uma adesão, mas sim uma aproximação estratégica".
© REUTERS / AMANDA PEROBELLIO presidente brasileiro Jair Bolsonaro saúda seus apoiadores enquanto eles se reúnem para apoiar o líder da extrema direita em sua disputa com o Supremo Tribunal Federal, em São Paulo, Brasil, 7 de setembro de 2021
O presidente brasileiro Jair Bolsonaro saúda seus apoiadores enquanto eles se reúnem para apoiar o líder da extrema direita em sua disputa com o Supremo Tribunal Federal, em São Paulo, Brasil, 7 de setembro de 2021
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Nesse contexto, a aliança com Bolsonaro na corrida presidencial de 2022 pode ser uma oportunidade para a ascensão de candidaturas neointegralistas ligadas à FIB, acreditam os especialistas.
No caso de Eduardo Fauzi, a sua associação a movimentos neointegralistas pode não ser suficiente para garantir sua visibilidade. Muito vai depender das suas condições de encarceramento na capital fluminense e capacidade de continuar divulgando vídeos de dentro do cárcere, no qual está fadado a permanecer, por acusação de terrorismo.
No dia 12 de janeiro, a Procuradoria-Geral da Rússia anunciou a decisão de extraditar Eduardo Fauzi para o Brasil. De acordo com o portal G1, o prisioneiro deve ser entregue a policiais brasileiros no Aeroporto Internacional de Moscou, e mantido preso no Rio de Janeiro, no presídio José Frederico Marques, em Benfica, na Zona Norte da capital fluminense.