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'A maioria dos meus votos vem do Brasil', diz 1º e único deputado luso-brasileiro em Portugal

© Foto / DivulgaçãoPaulo Porto Fernandes, primeiro e único deputado luso-brasileiro da Assembleia da República de Portugal
Paulo Porto Fernandes, primeiro e único deputado luso-brasileiro da Assembleia da República de Portugal - Sputnik Brasil, 1920, 25.01.2022
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Na quarta sabatina da série sobre as eleições legislativas de Portugal antecipadas para este domingo (30), Paulo Porto Fernandes, que tenta reeleição pelo Partido Socialista (PS) diz, em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, que foi eleito em 2019 com 20 mil votos, que poderiam ter sido 55 mil.
A conversa com o advogado natural de São Paulo, que mora no Porto há quatro anos, durou mais de uma hora e será dividida em duas partes. Nesta primeira, ele nega que o primeiro-ministro António Costa, do seu partido, tenha forçado a rejeição do Orçamento de Estado (OE) para tentar maioria nas eleições antecipadas, convocadas pelo presidente Marcelo Rebelo de Sousa, após a dissolução do Parlamento.

"Ainda mais no momento pandêmico, é totalmente absurda essa afirmação. Até o último momento, estávamos abertos ao diálogo. Posso dizer isso, porque testemunhei", afirma Porto Fernandes.

O deputado, que se recandidata pelo círculo da emigração, fora da Europa, também traça uma comparação entre as campanhas eleitorais de Portugal e do Brasil, em entrevista por Zoom, direto de São Paulo. Ele ainda faz um balanço dos dois anos da sua primeira legislatura, apontando as conquistas e as iniciativas que podem ser complementadas caso seja eleito novamente.
Leia a primeira parte da entrevista a seguir.
Sputnik: O senhor acha que a dissolução do Parlamento português é comparável, em alguma medida, ao processo de impeachment no Brasil, guardadas as devidas proporções? Não há um trauma similar?
Paulo Porto Fernandes: Existe uma previsão constitucional de que o presidente da República pode dissolver o Parlamento se ele achar por bem, e uma das hipóteses é no caso de não aprovação do Orçamento do Estado. Foi o que ocorreu. Particularmente, acho que deveria ter sido dada mais uma oportunidade, porque estamos no meio de uma pandemia. Realmente, não é o momento mais oportuno para essa medida. É uma prerrogativa do presidente, mas respeitamos. Não se compara com o impeachment no Brasil, porque é uma medida constitucional. Até parece ser uma medida arbitrária, mas não é. É comum. Já não é a primeira vez que ocorre isso. Já ocorreu em outras ocasiões, outros governos. Mas agora realmente não esperávamos. O PS tinha um bom orçamento e, infelizmente, por uma coligação negativa, os partidos acabaram rejeitando o orçamento. E aí, no dia 1º de dezembro, o presidente da República dissolveu o Parlamento e convocou essas eleições antecipadas. Então, o processo é totalmente democrático e faz parte das regras democráticas de Portugal.
S: O impeachment também é um dispositivo constitucional previsto na Constituição do Brasil. No caso de Portugal, a dissolução também é prevista, mas não fica nenhum trauma político ou eleitoral, principalmente para quem está no meio de uma legislatura? Como é para o senhor disputar de novo eleições em dois anos sob o risco de não ser eleito?
PPF: Realmente é uma situação difícil. Estamos num momento pandêmico e, na minha opinião, é inoportuno. Em muitas medidas que tínhamos já dado entrada, algumas iniciativas legislativas caíram e têm que ser representadas numa próxima legislatura. Nesse ponto, sim, houve interrupção do mandato dos deputados, e eu acho que isso é extremamente prejudicial neste momento pandêmico. Não sabemos como é que vai estar no dia 30 de janeiro. Estamos próximos, mas a pandemia tem uma outra característica agora pela rapidez dos contágios. O presidente poderia ter dado uma oportunidade para que o governo apresentasse orçamento novamente e que os partidos conversassem e tentassem chegar a um consenso. Nesse ponto, sim, considero que foi uma medida totalmente exagerada, mas respeitamos a decisão do presidente. E realmente tivemos que começar do zero a nossa campanha. Tivemos que percorrer o país e outras iniciativas em termos digitais.
S: As eleições em Portugal são muito menos intensas do que no Brasil. Gasta-se menos dinheiro e o tempo de campanha é muito mais curto comparado ao Brasil?
PPF: O tempo é muito curto para campanha em Portugal, inclusive as campanhas oficiais se iniciam 14 dias antes da data que a pessoa vai manifestar seu voto na urna. É lógico que a pré-campanha existe, mas, como ela foi marcada no dia 1º de dezembro, tivemos pouquíssimo tempo para isso e pouquíssimas oportunidades para chegar até o eleitorado. É muito diferente do Brasil, que tem uma campanha muito intensa, um marketing político que é muito ativo. Em Portugal, não reparamos nisso. Existe, sim, essa divulgação via meios digitais, mas não se compara ao Brasil. Em termos de campanha eleitoral, o Brasil é muito mais intenso. Em Portugal, existem os debates, o tempo de antena, mas não temos essa verba de fundo eleitoral do Brasil. Não temos essa condição financeira que têm os partidos no Brasil. Aqui é muito mais contido, muito mais enxuto e existe um controle muito grande, até para evitar qualquer tipo de desvio de finalidade nas campanhas eleitorais. E, nesse ponto, encaro de uma forma positiva, embora seja restrito o acesso que temos à divulgação da campanha, por conta do tempo que temos para trabalhar nela.
S: E as doações como são feitas em Portugal? São doações para o partido ou podem ser para sua campanha também?
PPF: Em Portugal, não existem doações. O partido, dentro do que arrecada com a sua militância, disponibiliza, para cada candidato, uma verba para que possa trabalhar na sua campanha, que vai custear as suas passagens aéreas, algumas despesas que ele tenha durante os seus deslocamentos. Mas não existe a figura da doação. O partido não pode receber doações em Portugal, principalmente de pessoa jurídica. Pode ser que alguns candidatos recebam material gráfico, algum de cortesia de algum militante. Mas não existe a doação e não existe também o benefício fiscal para quem faz doação para campanha. Não existe essa figura da doação em campanha política aqui em Portugal.
S: O Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP) acusam António Costa de ter forçado o chumbo do orçamento para tentar a maioria nas eleições antecipadas. Qual leitura o senhor faz disso?
PPF: Posso dizer que seguramente não foi forçado pelo António Costa, porque estávamos na reunião política que antecedeu o chumbo e ficamos até quase meia-noite e meia esperando que houvesse alguém do PCP ou do Bloco de Esquerda com alguma sinalização de que a última proposta que fizemos fosse aceita, para que houvesse aprovação do orçamento. Ainda mais no momento pandêmico, é totalmente absurda essa afirmação. Até o último momento, estávamos abertos ao diálogo. Posso dizer isso, porque testemunhei. Estivemos ali no Largo do Rato [sede do PS] até altas horas esperando a manifestação, mas não houve nenhuma abertura por parte do BE, do PCP ou de qualquer outro partido para que houvesse alguma negociação. Estávamos aguardando. Então, realmente essa informação é falsa e não procede.
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S: A maior parte dos seus votos vem da comunidade brasileira ou ainda são poucos os brasileiros que votam, sobretudo nas eleições legislativas?
PPF: A maioria dos votos que recebemos nas últimas legislativas foram do Brasil. Tivemos uma boa votação do Brasil, mas também tivemos muita participação de Macau, onde a participação política da comunidade portuguesa é muito grande. Outros países também, como Canadá, Estados Unidos e Austrália. Mas a maior parte mesmo dos votos veio do Brasil. Considero que, pelo [fato de o] Brasil ser o maior colégio eleitoral fora da Europa: temos cerca de 255 mil recenseados no Brasil. No último recenseamento, em que o PS acabou alargando-o, tínhamos 300 mil eleitores fora de Portugal recenseados e passamos para 1,4 milhão, sendo que cerca de 850 mil ou mais são da Europa, e o restante de fora. Entendo que essa votação deveria ser muito mais expressiva. Por isso que pedimos que as pessoas participem, embora não seja obrigatório o voto, mas é um direito e um dever cívico. As pessoas devem participar até para que o deputado tenha legitimidade na Assembleia da República e que nossa comunidade também se faça presente nessas eleições para demonstrar que realmente é uma comunidade muito importante. Temos muitos estudantes brasileiros em Portugal com dupla nacionalidade, muitos investidores brasileiros que vivem lá. Temos que ter essa legitimidade para que os direitos sejam garantidos lá em Portugal.
S: Com quantos votos o senhor foi eleito na última legislatura?
PPF: Nas últimas eleições, tivemos a participação, em todo do mundo, de 155 mil eleitores desse universo de [quase] 1,5 milhão, ou seja, pouco mais de 10%. A abstenção é grande. Fomos eleitos com cerca de 20 mil votos. Tivemos impugnação de 35 mil votos por um partido de oposição da direita, porque não possuíam o documento de identificação dos eleitores. A comissão eleitoral decidiu que os partidos teriam esse poder de decisão caso houvesse um consenso de que seriam aceitos esses votos. Infelizmente, eles não aceitaram. É lamentável. Se a pessoa teve o trabalho de levar seu voto até uma agência de Correio, é porque queria realmente manifestar sua vontade de votar. Fomos eleitos com cerca de 20 e poucos mil votos, sendo que a maioria foi do Brasil. No Rio de Janeiro, temos cerca de 155 mil recenseados, em São Paulo, cerca de 130 mil. O resto é distribuído pelo Brasil.
S: Agora, o que fazer para que esse cenário não se repita e não se percam mais 35 mil votos, sobretudo num momento de pandemia e de voto antecipado de eleições antecipadas, levando em conta que, no ano passado, nas próprias presidenciais, houve uma abstenção histórica?
PPF: A campanha de esclarecimento foi intensa, junto aos consulados houve ampla divulgação. Utilizamos também os órgãos de comunicação da diáspora de forma muito intensa. Eles tiveram uma participação fundamental nesses esclarecimentos do voto e o que é necessário, as instruções para o voto postal. Acreditamos que vai ter um resultado muito bom nessas próximas legislativas. A divulgação por parte do governo foi feita, inclusive das associações do movimento associativo espalhado pela diáspora. Foi muito intenso esse trabalho. É só assim que a gente consegue combater a abstenção: com esclarecimento e pedindo para que as pessoas realmente participem para que se façam presentes no Parlamento português.
S: Quais são as suas principais bandeiras e propostas para essas eleições?
PPF: A primeira iniciativa que dei entrada no Parlamento foi em relação à Lei da Nacionalidade na parte dos netos, na qual havia um critério subjetivo e passou a ser um critério objetivo, ou seja, o conhecimento suficiente da língua portuguesa. Isso foi uma grande conquista porque a gente sabia que não funcionava esse critério subjetivo, essa avaliação subjetiva. Muitas pessoas das conservatórias indeferiam os processos porque havia necessidade de que as pessoas viajassem frequentemente a Portugal, quatro ou cinco vezes nos últimos cinco anos, que tivessem imóveis em Portugal, que participassem há mais de cinco anos de uma associação portuguesa. Muitas pessoas não cumpriam esses requisitos. Com o requisito objetivo, logicamente com um vínculo sanguíneo, conseguimos ultrapassar esse obstáculo. O conhecimento da língua portuguesa acabou por tornar mais simplificado e juridicamente mais seguro esse critério. Agora, inclusive, foi considerado que esse critério seja utilizado também nos processos que estão em andamento. Muitas pessoas que estavam com uma espada sobre a cabeça, pensando se seria deferido ou não, acabaram tendo esse alento e realmente conseguiram [a nacionalidade portuguesa].
S: Mas e para a próxima legislatura?
PPF: Depois, tivemos outras iniciativas também, como a questão do ensino público em Portugal, na qual existe uma reserva de 7% das vagas para emigração. Conseguimos que dentro dos 7% fossem incluídos os luso-descendentes, que não eram incluídos. Conseguimos essa inclusão. Também foi uma grande vitória. Agora, estávamos avançado também com a parte fiscal. O português que não é residente dentro do território continental português é obrigado a nomear um representante fiscal, e isso gera um ônus para essa pessoa. Fizemos requerimento de assuntos fiscais, foi aceito, e se comprometeram agora a implantar o sistema de notificação eletrônica, que deve ocorrer em 2022.
S: E o que mais para 2022 caso seja eleito?
PPF: Também entramos com outra medida, mas foi agora no final, temos que propor alteração legislativa na parte fiscal, onde haverá tratamento igual entre os residentes e não residentes. Por exemplo, um cidadão que recebeu uma herança em Portugal dos seus avós e pretende vender o imóvel. Se ele reside em Portugal e for apurado o lucro imobiliário (em Portugal a mais-valia), se essa diferença for 100 mil euros, quem mora no continente vai pagar cerca de € 14 mil (R$ 86,2 mil) de lucro imobiliário. Quem mora fora de Portugal, pagaria € 28 mil (R$ 172,5 mil), ou seja, o dobro. Então, temos que avançar com esta alteração legislativa na parte fiscal para que isso não mais ocorra. Embora nosso requerimento esteja sendo aplicado já de forma a trazer essa igualdade, não é decorrente de uma iniciativa legislativa, que nós temos que agora apresentar.
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S: Há alguma outra iniciativa que precise ser reapresentada em função do chumbo do orçamento e da dissolução do Parlamento?
PPF: Por último, apresentamos um projeto de resolução que inclui o cidadão da diáspora no regime público de capitalização, que é facultativo para as pessoas que quiserem reforço na sua aposentadoria, o que não era possível antes. Nosso projeto de resolução recomenda ao governo que crie essa possibilidade. É também uma iniciativa que temos que avançar para que haja previsão também no próximo orçamento.
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