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Brasileiros na Rússia revelam como é morar no país depois do início da operação militar na Ucrânia

© REUTERS / Evgenia NovozheninaPessoas caminham perto da Catedral de São Basílio e da Praça Vermelha, depois que novas medidas foram impostas pelas autoridades locais para conter a propagação da doença por coronavírus (COVID-19), no centro de Moscou, Rússia, em 1º de novembro de 2021
Pessoas caminham perto da Catedral de São Basílio e da Praça Vermelha, depois que novas medidas foram impostas pelas autoridades locais para conter a propagação da doença por coronavírus (COVID-19), no centro de Moscou, Rússia, em 1º de novembro de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 10.03.2022
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A imposição de sanções ocidentais, a cobertura extensiva da mídia sobre a crise e a diminuição dos voos internacionais colocaram um dilema aos brasileiros que moram na Rússia: ficar no país ou voltar para casa?
A operação militar russa na Ucrânia divide opiniões, mas uma coisa parece ser consensual: o mundo mudou de forma irreversível em 24 de fevereiro de 2022 e não será mais o mesmo.
Algumas notícias falsas propagadas pelas redes sociais – como a de que contas bancárias de estrangeiros seriam confiscadas pelo governo russo – levaram alguns cidadãos estrangeiros em Moscou e São Petersburgo a optar por deixar a Rússia.
A pressão de parentes e amigos bombardeados com informações contraditórias no país de origem também contribui para que estrangeiros – principalmente europeus e norte-americanos – considerem sair da Rússia, ainda que temporariamente, conforme revelou o Washington Post.
A Sputnik Brasil conversou com diversos membros da comunidade brasileira na Rússia para saber como eles receberam a notícia do início da operação militar russa na Ucrânia e se há vontade generalizada de voltar para casa.
© Foto / Wikipedia/LimongiEmbaixada do Brasil em Moscou
Embaixada do Brasil em Moscou - Sputnik Brasil, 1920, 10.03.2022
Embaixada do Brasil em Moscou
De acordo com estatísticas de 2020 compiladas pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil, a comunidade brasileira na Rússia conta com cerca de 1.100 cidadãos brasileiros.
Parte deles são estudantes agraciados com bolsas de estudos concedidas pela agência de cooperação russa Rossotrudnichestvo. Os estudantes encontram-se sobretudo em cidades como Moscou, Kazan, Belgorod, São Petersburgo, Tomsk e Vladivostok, frequentando cursos como medicina, física e engenharia.
Adonis, que veio estudar para a cidade siberiana de Tomsk, a cerca de 3.600 quilômetros de Moscou, optou por permanecer na Rússia.
"Eu vim estudar aqui para viver uma nova aventura, e saber se os estereótipos negativos sobre a Rússia são verdadeiros", relata o estudante da Universidade Politécnica de Tomsk.
Ele conta que soube do início da operação militar russa na Ucrânia em 24 de fevereiro de manhã, logo após acordar.
"Estava no dormitório e fiquei surpreso. Eu sabia que havia problemas entre a Rússia e Ucrânia, mas eu não esperava que fosse chegar a isso", revela o estudante.
© Sputnik / Evgueny Epanchintsev / Acessar o banco de imagensCidade de Tomsk
Cidade de Tomsk - Sputnik Brasil, 1920, 10.03.2022
Cidade de Tomsk
Passado o choque dos primeiros dias, Adonis revela que o cotidiano dessa cidade siberiana segue praticamente inalterado.
"Pessoalmente, a vida aqui em Tomsk segue muito bem. Está quase a mesma coisa, não dá para sentir nada", relatou. "O único problema que estou tendo, e acredito que muitos brasileiros também estão, é a transferência de dinheiro do Brasil para cá."
De fato, todos os brasileiros que conversaram com a reportagem da Sputnik Brasil revelaram ansiedade em relação às transferências bancárias. Bancos russos que são alvo de sanções norte-americanas e europeias podem demorar mais para receber recursos enviados do Brasil.
Para Giovanni Ferreira, estudante de mestrado em São Petersburgo, a dificuldade de realizar transferências internacionais é um dos motivos para fazer as malas e voltar para o Brasil.
"Inicialmente […] eu vi que tinha tudo para atender minhas necessidades básicas, a rotina estava normal e não senti mudanças nos preços no mercado", revelou. "Mas quando as transações bancárias pararam e as empresas internacionais começaram a sair, esse foi o limite para mim."
Ferreira planeja deixar São Petersburgo ainda nesta semana. Ele diz não estar preocupado com a escalada do conflito, "mas não sei como vai ficar a minha questão financeira e a economia russa. É uma situação muito incerta".
© AFP 2023 / ALEXANDER NEMENOVMoeda russa, rublo, fotografada de frente para a Catedral de São Basílio, no centro de Moscou
Moeda russa, rublo, fotografada de frente para a Catedral de São Basílio, no centro de Moscou - Sputnik Brasil, 1920, 10.03.2022
Moeda russa, rublo, fotografada de frente para a Catedral de São Basílio, no centro de Moscou
Um estudante brasileiro em Moscou, que preferiu manter o anonimato, revelou que colegas brasileiros consideraram sair do país nos primeiros dias da operação militar, mas agora "uma boa parte das pessoas está observando a situação para decidir o que fazer".
"As aulas continuam normalmente. Por enquanto não vejo motivo para entrar em pânico e trancar a universidade", revelou o brasileiro.
Ele revela, no entanto, que cientistas russos da sua universidade foram afetados pelo cancelamento da participação da Rússia em projetos com a Europa e Estados Unidos na área espacial.
© Sputnik / Aeksei KudenkoDiretor-geral da Roscosmos, Dmitry Rogozin (à esquerda), durante coletiva de imprensa em Moscou, 31 de julho de 2020
Diretor-geral da Roscosmos, Dmitry Rogozin (à esquerda), durante coletiva de imprensa em Moscou, 31 de julho de 2020 - Sputnik Brasil, 1920, 10.03.2022
Diretor-geral da Roscosmos, Dmitry Rogozin (à esquerda), durante coletiva de imprensa em Moscou, 31 de julho de 2020
Um projeto de especial interesse do estudante, que uniria Rússia e EUA para o envio de uma missão espacial para o planeta Vênus, também está em compasso de espera. "Fiquei bem triste com essa notícia", revela.

Cultura e cancelamento

Estudantes brasileiros da área de humanas ouvidos pela Sputnik Brasil também revelaram a intenção de, por ora, ficar na Rússia.
Gabriel Iglesias, artista e estudante da Academia de Artes Repin da Rússia, diz que fica no país, caso o conflito não se estenda para o território russo.
"Sempre foi meu sonho estudar na Repin e adoro. É o motivo de eu estar na Rússia e não querer sair daqui", disse Iglesias. "Na Repin tem muito aluno estrangeiro, da Austrália, Japão, Argentina, até dos EUA. E todo mundo ficou."
Ele não esconde que seus parentes e amigos no Brasil se preocupam com a sua decisão de permanecer na Rússia. O estudante de cinema e professor de russo Kevin D'arc também lida com familiares "desesperados".
© Sputnik / Aleksei DanichevMuseu Hermitage, às margens do rio Neva, em São Petersburgo, na Rússia
Museu Hermitage, às margens do rio Neva, em São Petersburgo, na Rússia  - Sputnik Brasil, 1920, 10.03.2022
Museu Hermitage, às margens do rio Neva, em São Petersburgo, na Rússia
"Minha mãe me liga todos os dias e já tentou me convencer a ir embora de várias formas. Familiares e amigos pedem para eu voltar, porque a mídia ocidental tem uma posição, e a russa outra", contou Kevin, que reside na cidade de Kazan. "Mas a informação daqui não chega lá. A primeira guerra é uma guerra de informação. Precisamos ter sensibilidade crítica."
Apesar de ter ficado surpreso com o início das hostilidades, ele acredita que, até agora, não há "nada que ameace a minha segurança".
"Existe a questão da destruição mútua garantida: a Rússia tem um arsenal atômico gigantesco, assim como os países europeus, e eu acho que um ataque direto não vai acontecer", ponderou Kevin. "Se economicamente está tudo bem, e em questão de segurança está tudo bem, não vejo sentido em voltar [para o Brasil]."
Kevin dá aulas on-line de russo para brasileiros, por isso recebe uma parte de seus rendimentos em real. Ele revela que um estudante decidiu cancelar as aulas por considerar que seus pagamentos financiariam indiretamente o conflito na Ucrânia.
"Fiquei impressionado porque ele poderia entender que estava financiando um brasileiro que entende as duas culturas e pode ajudar os brasileiros a entender os russos e os russos a entender os brasileiros", disse Kevin. "A aproximação diplomática e as trocas interculturais é o que faz com que conflitos como esses não aconteçam."
© Sputnik / Aleksandr KryajevEstudantes seguram cartazes com letras do alfabeto russo, em Novossibirsk, Rússia (foto de arquivo)
Estudantes seguram cartazes com letras do alfabeto russo, em Novossibirsk, Rússia (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 10.03.2022
Estudantes seguram cartazes com letras do alfabeto russo, em Novossibirsk, Rússia (foto de arquivo)
"Esse conflito que vemos na Ucrânia poderia ter sido evitado diplomaticamente", acredita Kevin. "Por isso eu incentivo que as pessoas procurem entender os dois lados."
Ele ainda lamenta a emergência de uma "cultura de cancelamento" do povo e da cultura russa nos países ocidentais.
"O povo russo não é o seu governo, da mesma maneira que o Brasil não é Bolsonaro ou Lula", considerou Kevin. "A política não é como um filme da Disney. Não é dividida entre mocinho e malvadão. Precisamos entender os atores e seus interesses."
Apesar do incidente, ele não acredita que a procura por aulas de russo entre os brasileiros deva diminuir em função da operação especial russa na Ucrânia.
"O importante é entender que a tolerância e o entendimento histórico-cultural são essenciais para evitar novos conflitos. Eles fazem parte da paz", concluiu o brasileiro.
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