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Nova lei europeia colocaria Brasil em situação de 'pré-sanções'? Especialistas debatem

© REUTERS / Adriano MachadoJair Bolsonaro durante uma cerimônia de despedida de seus ministros no Palácio do Planalto, em Brasília, Brasil 31 de março de 2022
Jair Bolsonaro durante uma cerimônia de despedida de seus ministros no Palácio do Planalto, em Brasília, Brasil 31 de março de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 13.04.2022
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Projeto de lei europeu proíbe importação de produtos oriundos de terras desmatadas. Mas inconsistências no texto levam especialistas a questionar se o Brasil está em situação de "pré-sanções".
A União Europeia debate um novo projeto de lei que poderá impactar as exportações brasileiras para o bloco, reportou o jornalista Jamil Chade no portal UOL. Com o intuito de evitar o que chamam de "desmatamento importado", a nova lei coloca em risco os ganhos obtidos pelo Brasil no acordo de livre comércio assinado entre Mercosul e União Europeia.
A lei, proposta pela Comissão Europeia em 2021, mas que deve ser debatida e votada ainda neste ano, estabelece que o mercado europeu ficará fechado para produtos oriundos de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2021.
© Wilson dias/Agência Brasil/Fotos PúblicasDesmatamento voltou a crescer na Amazônia nos dois últimos anos
Desmatamento voltou a crescer na Amazônia nos dois últimos anos - Sputnik Brasil, 1920, 13.04.2022
Desmatamento voltou a crescer na Amazônia nos dois últimos anos
O governo brasileiro estima que os países em desenvolvimento serão os mais afetados, principalmente aqueles que exportam óleo de palma, soja, café, cacau, madeira e produtos agropecuários, entre outros.
"A União Europeia é um dos principais parceiros comerciais do Mercosul, que exporta produtos essencialmente agrícolas, como soja, azeite de soja e café", explicou a economista e atuária Natalie Verndl à Sputnik Brasil.
Caso aprovada, a lei poderá colocar mais de US$ 10 bilhões (cerca de R$46 bilhões) anuais em exportações brasileiras sob a vigilância de empresas privadas, convocadas a fiscalizar a ocorrência de desmatamento nas terras de seus fornecedores.
Segundo Verndl, a União Europeia "cria mecanismos para estabelecer protecionismo no mercado interno, visando principalmente a entrada de produtos agrícolas".
Apesar da bem-vinda preocupação com o desmatamento, a lei pode acabar permitindo a prática de protecionismo comercial, sob a justificativa de proteção do meio ambiente.
As fontes ouvidas pelo portal UOL ainda revelaram preocupação com o fato de que o projeto de lei europeu não considera o desmatamento considerado legal pelas leis do país de origem. Para a professora especialista em Economia Ambiental da Faculdade de Economia da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap) Nadja Heiderich, a proposta europeia deve ser vista com ressalva.
"No Brasil, temos o Código Florestal, segundo o qual é permitido um certo percentual de desmatamento em territórios privados. Mas como a lei europeia vai contemplar [a fiscalização] do desmatamento ilegal?", questionou Heiderich durante entrevista à Sputnik Brasil. "Acho que os mecanismos deveriam ser mais claros e específicos."
Segundo ela, parte significativa do desmatamento ilegal ocorre pela extração de madeira ilegal, que tem como destino mercados desenvolvidos, como EUA ou União Europeia.
© Folhapress / Ayrton Vignola Restos de floresta desmatada são queimados perto de plantações de soja, no município de Querência (Mato Grosso). As fronteiras da devastação na Amazônia estão se ampliando para além do arco do desmatamento (foto de arquivo)
Restos de floresta desmatada são queimados perto de plantações de soja, no município de Querência (Mato Grosso). As fronteiras da devastação na Amazônia estão se ampliando para além do arco do desmatamento (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 13.04.2022
Restos de floresta desmatada são queimados perto de plantações de soja, no município de Querência (Mato Grosso). As fronteiras da devastação na Amazônia estão se ampliando para além do arco do desmatamento (foto de arquivo)
"Esses países recebem [a madeira ilegal] e não há controle da chegada desse tipo de material nos seus portos", notou Heiderich. "Acho que a questão de desmatamento ilegal é bem mais complexa para que a imposição de barreiras comerciais consiga resolver o problema."

Pré-sanções?

Fontes do governo brasileiro ouvidas pelo jornalista Jamil Chade afirmam que o projeto de lei estaria colocando o país em uma situação de "pré-sanções".
Para Verndl, sanções poderiam, de fato, ser impostas não só no âmbito europeu, mas também em instituições multilaterais como a Organização Mundial do Comércio (OMC).
"É possível que essas 'pré-sanções' se concretizem, principalmente com a gradual abertura da OMC no sentido de abraçar a questão do meio ambiente, os objetivos do desenvolvimento sustentável, da redução da poluição e do efeito estufa", disse a economista.
O alerta de sanções econômicas parece soar com cada vez maior frequência em Brasília desde que o atual presidente dos EUA, Joe Biden, afirmou considerar a possibilidade de sancionar Brasília durante sua campanha presidencial.
© REUTERS / KEVIN LAMARQUEPresidente norte-americano, Joe Biden, anuncia projeto de orçamento para 2023 na Casa Branca, Washington, 28 de março de 2022
Presidente norte-americano, Joe Biden, anuncia projeto de orçamento para 2023 na Casa Branca, Washington, 28 de março de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 13.04.2022
Presidente norte-americano, Joe Biden, anuncia projeto de orçamento para 2023 na Casa Branca, Washington, 28 de março de 2022
Heiderich, no entanto, acha cedo para falar em sanções e lembra que a União Europeia depende de países como o Brasil para alimentar a sua população.
"Os países da União Europeia passaram por momentos difíceis de desabastecimento durante a pandemia. Vemos a inflação subir a níveis não vistos há mais de 30 anos, e agora a nova situação com a Rússia", notou Heiderich. "Os negociadores [europeus] vão ter que considerar a segurança alimentar de seus cidadãos."

Acordo Mercosul-União Europeia

Ao atingir os principais produtos de exportação brasileiros, a nova lei europeia poderia anular vantagens obtidas pelo país durante as negociações do acordo Mercosul-União Europeia, assinado em 2019.
Os legisladores europeus poderiam recorrer às suspeitas de desmatamento para embargar as exportações de produtos brasileiros que obtiveram vantagens durante as negociações do acordo. Isso poderia agravar ainda mais as "explícitas assimetrias" do acordo, conforme explicou Natalie Verndl.
"Se analisarmos o que estamos exportando nesse acordo, são essencialmente produtos de caráter agrícola de baixo valor agregado, o que vai conferir na ordem do dia resultados deficitários", alertou a economista. "Quando colocamos na ponta do lápis, o Mercosul sai em desvantagem."
Por outro lado, a adoção de uma pauta ambiental no tratado contribuiria para que o "Brasil não fique pra trás nem seja excluído dessa nova agenda".
© REUTERS / Adriano MachadoIndígenas brasileiros de diferentes etnias participam de protesto contra demarcação de terras, junto do Supremo Tribunal Federal do Brasil em Brasília, Brasil, 24 de junho de 2021
Indígenas brasileiros de diferentes etnias participam de protesto contra demarcação de terras, junto do Supremo Tribunal Federal do Brasil em Brasília, Brasil, 24 de junho de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 13.04.2022
Indígenas brasileiros de diferentes etnias participam de protesto contra demarcação de terras, junto do Supremo Tribunal Federal do Brasil em Brasília, Brasil, 24 de junho de 2021
"É importante pontuar que [a agenda ambiental] não se resume a uma faceta ideológica", alertou Verndl. "Precisamos estabelecer uma agenda verde e retomar o mercado de crédito de carbono [...] afinal passamos de uma bandeira ideológica para uma questão de fato de sobrevivência."
De acordo com Heiderich, existe uma demanda por parte dos europeus de incluir mais cláusulas ambientais ao tratado Mercosul-União Europeia.
"O Acordo Mercosul-União Europeia já está paralisado por questões ambientais [...] existe uma pressão para que seja realizada uma nova rodada de discussões a respeito disso", revelou Heiderich.
O acordo, porém, já prevê um mecanismo que pode ser acionado em caso de suspeita de que produtos exportados para o bloco europeu estejam favorecendo o desmatamento brasileiro. Nesse caso, o texto estabelece a criação de um comitê de especialistas para avaliar o caso específico. Caso seja comprovado o desmatamento, a União Europeia teria o direito de congelar as preferências tarifárias e os aumentos de cotas concedidos ao Brasil durante as negociações.
"Na minha opinião o Brasil deveria chamar a UE para a conversa novamente, mostrar que nossa agricultura é intensiva em tecnologia e responsável", disse Heiderich. "Precisamos promover uma conscientização [...] e contar com a boa-fé da União Europeia para promover uma solução conjunta de combate ao desmatamento", concluiu a especialista.
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