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Por que a cooperação com os EUA na 2ª Guerra atrasou o desenvolvimento da Marinha do Brasil?

© Marcos Corrêa / Palácio do Planalto / CC BY 2.0Solenidade comemorativa ao Dia do Exército Brasileiro no Comando Militar do Sudeste, em 18 de abril de 2019
Solenidade comemorativa ao Dia do Exército Brasileiro no Comando Militar do Sudeste, em 18 de abril de 2019 - Sputnik Brasil, 1920, 09.05.2022
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"A aliança deu errado". Essa é a avaliação de Vagner Camilo Alves, especialista em história militar, sobre a cooperação entre a Marinha brasileira e os EUA a partir da Segunda Guerra Mundial. No Dia da Vitória, celebrado hoje (9), a Sputnik Brasil conta a história da aliança das forças brasileiras com Washington e porque deu tudo errado.
Dentre as muitas histórias sobre a heroica participação dos pracinhas brasileiros na luta contra o nazismo que varreu o continente europeu ao longo da Segunda Guerra Mundial, talvez a mais esquecida seja a promessa, jamais cumprida, que os EUA fizeram à Marinha do Brasil.
A participação brasileira no conflito, ao declarar guerra contra o Eixo, não foi uma imposição norte-americana. Pelo contrário. A aliança firmada pelo então presidente Getúlio Vargas (1930–1945), em 1942, com Washington foi construída com base em bons acordos para o Brasil e "deveria ter gerado a supremacia naval brasileira".
© Foto / WikipediaSoldados brasileiros cumprimentam civis italianos na cidade de Massarosa, setembro de 1944
Soldados brasileiros cumprimentam civis italianos na cidade de Massarosa, em setembro de 1944 - Sputnik Brasil, 1920, 09.05.2022
Soldados brasileiros cumprimentam civis italianos na cidade de Massarosa, setembro de 1944
Para o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e sócio titular do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB) Vagner Camilo Alves, Getúlio Vargas soube barganhar a adesão brasileira ao bloco norte-americano de poder, conseguindo, ainda em 1940, o compromisso do governo de Franklin Roosevelt (1933–1945) de auxiliar na construção da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).
A gigante estatal de aço foi um símbolo do processo da industrialização nacional, que clamava por avanços, principalmente no âmbito militar, dado que as estratégias de combate marítimo mudaram muito a partir do uso de submarinos e de embarcações que apresentavam, para a época, novas tecnologias bélicas, como torpedos.
Para se ter uma ideia do atraso brasileiro no início dos anos 1940, ao fim da Guerra do Paraguai (1864–1870) a Marinha brasileira era a maior da América Latina e a quinta do mundo, superada apenas pelas esquadras da Inglaterra, Rússia, Estados Unidos e Itália. Pouco antes da Segunda Guerra Mundial, as embarcações de guerra do Brasil eram, segundo Vagner Camilo, em sua ampla maioria, completamente obsoletas.
© Foto / Domínio Público/ Arquivo Histórico do Exército BrasileiroHomens da Força Expedicionária Brasileira (FEB) seguram placa com provocação a Adolph Hitler
Homens da Força Expedicionária Brasileira (FEB) seguram placa com provocação a Adolph Hitler. - Sputnik Brasil, 1920, 09.05.2022
Homens da Força Expedicionária Brasileira (FEB) seguram placa com provocação a Adolph Hitler
Como resultado, ante a incapacidade da força naval nacional de lidar com ameaças nazistas que chegavam ao Brasil, a solução, aponta o especialista, parecia ser justamente uma aliança com os Estados Unidos. O problema é que o apoio norte-americano, com as mudanças geopolíticas no pós-guerra, esfriou-se, e a Marinha brasileira mais uma vez se viu condenada ao atraso.

Quando começa a aliança

O início da guerra na Europa obrigou o governo de Getúlio Vargas a alterar a política externa brasileira em direção a um alinhamento mais estreito com os Estados Unidos. Há várias razões para isso, como aponta Vagner Camilo Alves.
Segundo ele, como o Reino Unido tinha uma grande força naval e bloqueou o comércio latino-americano com os países do Eixo, o Brasil viu-se diante de um impasse: escolher um lado na guerra. Como o país era fundamental para a defesa hemisférica do Atlântico Sul e, posteriormente, para a própria projeção de poder norte-americana na região, o alinhamento com Washington poderia render bons frutos.
© Foto / Acervo Fiocruz Tenente Virgínia Portocarrero (à direita) e colega durante a campanha da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália
Tenente Virgínia Portocarrero (à direita) e colega, durante a campanha da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália - Sputnik Brasil, 1920, 09.05.2022
Tenente Virgínia Portocarrero (à direita) e colega durante a campanha da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália
Em janeiro de 1942, o rompimento de relações diplomáticas do Brasil com o Eixo, anunciado pelo chanceler Oswaldo Aranha no Rio de Janeiro, foi recompensado pelos EUA com créditos suplementares, "além da concessão de um fundo de US$ 200 milhões [que valeria cerca de R$ 18,13 bilhões, quantia atualmente inflada por conta do câmbio desvalorizado, salienta o especialista] para as Forças Armadas nacionais adquirirem armas nos Estados Unidos", disse.

"Em relação aos acordos para a transferência de equipamentos bélicos, firmados por Vargas na segunda metade de 1944, surgiram dúvidas sobre a seriedade dos norte-americanos em cumprir o negociado. Na ausência de uma orientação presidencial sobre o assunto, a questão dependia, para sua implementação, da vontade das organizações estatais norte-americanas, que tinham poder decisório para isso", afirmou.

Ele explica que a posição dentro do Estado norte-americano era divergente. "Os militares, em geral, queriam cumprir o acordado. Suas razões eram basicamente duas: agradar seus pares latino-americanos, atores políticos de importância em seus respectivos países; e padronizar o equipamento militar em toda a região, de modo a garantir mercado e influência para os Estados Unidos, dificultando qualquer infiltração europeia no continente."
© Foto / Domínio Público / Arquivo Histórico do Exército BrasileiroForça Expedicionária Brasileira (FEB) durante a Batalha de Monte Castello
Força Expedicionária Brasileira (FEB) durante a Batalha de Monte Castello - Sputnik Brasil, 1920, 09.05.2022
Força Expedicionária Brasileira (FEB) durante a Batalha de Monte Castello
O Departamento de Estado dos EUA, entretanto, não entendia as circunstâncias da mesma maneira. "Diplomatas norte-americanos enfatizavam os possíveis custos que a transferência de armas poderia ter no continente. Havia preocupações sobre o uso que os militares latino-americanos podiam fazer do equipamento, principalmente em golpes militares", comentou.

"Face a essa divisão, não se cumpriram as tratativas dos tempos de guerra. Em última instância, o Departamento de Estado acabou exercendo um poder de veto sobre a questão naquele momento", explicou o especialista.

'Brasil virou cliente dos EUA'

A aliança com os EUA provocou a ira de Adolf Hitler, e os alemães "retaliaram a posição tomada pelo governo brasileiro, passando a atacar as embarcações de países latinos, como o Brasil". O pesquisador da UFF lembra que "várias embarcações foram afundadas" e os números desses ataques em Pernambuco e na Bahia superam até mesmo as mortes dos pracinhas no continente europeu.
© Foto / Domínio Público/ Arquivo Histórico do Exército BrasileiroHomens da Força Expedicionária Brasileira (FEB)
Homens da Força Expedicionária Brasileira (FEB). - Sputnik Brasil, 1920, 09.05.2022
Homens da Força Expedicionária Brasileira (FEB)
A reação alemã ao rompimento de relações diplomáticas entre Brasil e Berlim se deu em agosto de 1942. Submarinos alemães torpedearam e afundaram cinco navios mercantes brasileiros. Os ataques indignaram a opinião pública, e Getúlio Vargas declarou guerra à Alemanha naquele mesmo mês.
A declaração de guerra contra o Eixo fez com que o Brasil mobilizasse soldados para que fossem enviados à frente de batalha. Em novembro de 1943, foi criada a Força Expedicionária Brasileira (FEB), e soldados de diferentes partes do país foram convocados para formar um corpo de aproximadamente 25 mil militares, comandados pelo general Mascarenhas de Morais.
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"O Brasil declarou guerra, e a relação com os EUA, que já era muito próxima, ficou ainda maior. Porém as distâncias econômicas também eram muito grandes. Então o Brasil se tornou um cliente dos EUA. A modernização das Forças Armadas do Brasil (FA) foi feita a partir dessa aliança, com cursos coordenados por Washington e o envio de armas", disse o especialista.
Para o professor, isso fez com que os brasileiros acreditassem nessa "relação especial, mas isso era só de um lado. Os EUA nunca pensaram no Brasil como um aliado, principalmente no pós-guerra", comentou.
Para ele, a falta de interesse americano se manifestou porque o desafio da época passou a ser a União Soviética. Ao fim da guerra, quando o mundo estava destruído e a Rússia era o único real competidor com os EUA, "as prioridades norte-americanas mudam completamente e passam a ser as regiões do leste da Europa, o Japão, assim como a Coreia", afirmou.
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Ele avalia que no hemisfério ocidental a presença dos EUA era consolidada. Desse modo, "o entendimento do Departamento de Estado norte-americano é que a América Latina deve estar desarmada, limitando-se a um papel policial. A ideia sempre foi que a América Latina dispusesse de forças militares pequenas".

A cisão da aliança

O pesquisador reconhece que a aliança militar com os Estados Unidos foi a maior garantia para a continuidade do comércio naval brasileiro, inclusive de cabotagem (navegação entre portos marítimos sem perder a costa de vista), em face dos ataques desferidos pelos submarinos do Eixo aos navios mercantes do Brasil. "A incapacidade de meios e conhecimento da Marinha de Guerra brasileira para lidar com essa ameaça aparecia a olhos vistos", relembrou.
Entretanto, embora a aliança, na época, fosse essencial para o Brasil, "o que houve foi uma ilusão", apontou. Para ele, "o Brasil conseguiu se desenvolver, mas ficou claro que uma aliança com os EUA era mais limitador do que benéfico". Ele entende que, durante um longo período, "há uma decepção com os acordos, assim como uma falta de opções no cenário internacional".
© Foto / Leandro Esteves Grupo de pracinhas da FEB durante a campanha da Itália, 1945
Grupo de pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB) durante a campanha da Itália, 1945 - Sputnik Brasil, 1920, 09.05.2022
Grupo de pracinhas da FEB durante a campanha da Itália, 1945

"O mundo capitalista [no pós-guerra], além dos EUA, está em frangalhos, então há uma grande decepção quando se busca parceiros militares. Quando você se torna um cliente de alguém, você tem menor capacidade de desenvolvimento autônomo. As FA estiveram em uma relação em que se acostumou a ser cliente dos EUA", disse o especialista.

Para ele, esse foi um grande problema: "Quando acaba a Segunda Guerra Mundial, não interessa mais aos EUA que a Marinha brasileira seja uma potência militar. Eles entendem o Brasil como um Exército auxiliar". Para ele, isso só mudou em 1977, com a quebra dos acordos e uma espécie de declaração de independência militar do Brasil.

Prejuízos que duram até hoje

O governo brasileiro recusou a ajuda militar dos EUA de US$ 50 milhões (cerca de R$ 1,2 bilhão em valores atuais) para o ano fiscal de 1º de outubro de 1977 em protesto à vinculação dessa ajuda à averiguação da situação do Brasil no tocante aos direitos humanos.
A resposta brasileira, publicada na íntegra pelo Jornal do Brasil, dizia: "O governo brasileiro recusa de antemão qualquer assistência no campo militar que dependa, direta ou indiretamente, de exame prévio, por órgãos de governo estrangeiro, de matérias, que, por sua natureza, são da exclusiva competência do governo brasileiro".
Dias depois, em 11 de março de 1977, o governo brasileiro denunciou o Acordo Militar de 1952. A denúncia não implicou no rompimento das relações militares entre Brasil e Estados Unidos e se limitou a garantir o treinamento de oficiais brasileiros das três forças em escolas militares nos EUA e na Zona do Canal do Panamá.
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Após a exclusão do Brasil do programa de assistência militar norte-americana, foram mantidos os programas especiais dos exércitos dos dois países, como os de intercâmbio de alunos de escolas militares e de adestramento de oficiais.
Vagner Camilo explicou que o fim da demanda de guerra, o elevado preço de navios modernos e a oferta gratuita pelos Estados Unidos, a partir dos anos 1950, interrompeu o programa de construção naval militar brasileiro do fim dos anos 1930, que havia contado com auxílio norte-americano.
"Quase trinta anos se passaram até que um grande navio de guerra fosse novamente lançado no Arsenal de Marinha, em meados dos anos 1970", afirmou. A dependência teve também consequências prejudiciais "para o pensamento estratégico da força naval brasileira", que se acostumou a pensar em termos de ações "em conjunto com a Marinha dos Estados Unidos".
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O prejuízo à soberania nacional seria uma cicatriz eterna na Marinha. "Nos últimos 30, 40 anos tivemos avanços e conquistas importantes, sendo que atualmente há projetos militares de alta tecnologia gestados no século 21: os caças Gripen e, especialmente, o [...] Prosub [Programa de Desenvolvimento de Submarinos]", aponta Vagner Camilo.
O professor entende que ambos representam um salto soberano, e histórico no que tange ao Prosub. "A tecnologia dele é muito avançada, e somente seis países [...] podem operar um submarino desse tipo [com propulsão nuclear]. O Brasil está desenvolvendo o seu projeto, um submarino convencional de propulsão nuclear; um salto tecnológico muito grande".
Entretanto, aponta Vagner Camilo, "sua construção enfrenta muitos solavancos, além de falta de recursos, principalmente porque as grandes potências não colaboram quando o assunto é tecnologia de ponta. A França nos auxilia com relação ao casco, mas o motor é inteiramente brasileiro. O fato é que a Marinha brasileira mostra que no alto comando de decisões das FA há uma visão de soberania".
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