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'Casamento de conveniências'? Entenda 'cúpula' de Biden e Bolsonaro e futuro dos EUA nas Américas

© AP Photo / Evan VucciA partir da esquerda: o presidente argentino, Alberto Fernández; o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (no centro, à frente); e o presidente colombiano, Iván Duque. Eles conversam com o presidente americano, Joe Biden, após uma foto entre chefes de delegações, na Cúpula das Américas, em Los Angeles, EUA, em 10 de junho de 2022
A partir da esquerda: o presidente argentino, Alberto Fernández; o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (no centro, à frente); e o presidente colombiano, Iván Duque. Eles conversam com o presidente americano, Joe Biden, após uma foto entre chefes de delegações, na Cúpula das Américas, em Los Angeles, EUA, em 10 de junho de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 11.06.2022
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Terminou na noite desta sexta-feira (10) a Cúpula das Américas, realizada em Los Angeles, nos Estados Unidos. Entre boicotes, pressão internacional e um anfitrião "sob críticas", especialista avalia quais lições o Brasil pode tirar do encontro.
O subsecretário do Departamento de Estado dos EUA Jose W. Fernandez descreveu a relação entre os EUA e a América Latina como um casamento, em que nem tudo é perfeito, mas as partes moram na mesma casa, compartilham interesses, problemas, e desfrutam de um "diálogo único", que não têm com mais ninguém no mundo.
O entendimento norte-americano acerca de seus parceiros na América Latina é historicamente enviesado. Enquanto Fernandez relativizou recentes embates com países do continente, a maioria dos chefes de Estado que foram à Cúpula das Américas de alguma forma criticou o evento organizado por Joe Biden.
As razões são inúmeras. O "diálogo único" citado pelo subsecretário, por exemplo, não existia até esta semana em se tratando de Biden e Jair Bolsonaro, os maiores líderes políticos e econômicos da região.
Para o professor de relações internacionais Marcos Cordeiro Pires, da Universidade Estadual Paulista em Marília (Unesp-Marília), em nenhuma das oito edições anteriores do encontro foram vistos avanços significativos que pudessem mudar a qualidade do relacionamento entre os EUA e os países latino-americanos e caribenhos.

"A Cúpula do Panamá, em 2015, parecia ser um alento para a superação do clima de guerra fria que continua a influenciar o relacionamento entre a América Latina e o governo de Washington", disse o especialista, lembrando da aproximação do ex-presidente norte-americano Barack Obama com Raúl Castro, ex-presidente de Cuba. "Mas isso durou pouco", lamentou.

© AP Photo / Marcio Jose SanchezPresidente Jair Bolsonaro discursa na Cúpula das Américas, em 10 de junho de 2022
Presidente Jair Bolsonaro discursa na Cúpula das Américas, em 10 de junho de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 11.06.2022
Presidente Jair Bolsonaro discursa na Cúpula das Américas, em 10 de junho de 2022. Foto de arquivo
Por isso, Pires é reticente ao avaliar o plano nomeado de Parceria das Américas para a Prosperidade Econômica, recém-anunciado por Joe Biden, na quinta-feira (9), durante a cúpula. Segundo ele, a iniciativa pode ser mais uma na lista de projetos que não saíram do papel, como a Aliança para o Progresso, a América Cresce e a Build Back Better World (B3W).
"Resta esperar para se saber sobre o futuro dessa proposta. O histórico de fracassos pesa muito", disse.
O especialista também levanta dúvidas com relação à eventual eficácia da política para imigração de Biden, chamada pelo presidente de Declaração de Los Angeles. Para o professor, a ausência no evento de líderes de países como Guatemala, El Salvador e Honduras, de onde parte o maior contingente de imigrantes ilegais, já não é um bom indício de que a proposta vá dar certo.

"Sem combater as causas da imigração, como o desemprego, a miséria e a violência armada, não se pode esperar que o desespero que angustia os imigrantes tenha um bom termo. Neste momento, uma nova caravana com milhares de pessoas cruza o México com destino à fronteira. Os Estados Unidos não têm nada a oferecer senão o aumento da repressão", apontou.

Biden x Bolsonaro

Os episódios de animosidades entre Joe Biden e Jair Bolsonaro foram recorrentes nos últimos anos, mas é inegável que o encontro bilateral ao longo da Cúpula das Américas foi fundamental para minimizar as diferenças entre os dois, principalmente em função do desgaste político do presidente norte-americano na América Latina.
© Foto / Alan Santos / Palácio do Planalto / CCBY 2.0Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, durante encontro com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em 9 de junho de 2022
O então presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, durante encontro com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Flórida, EUA, 9 de junho de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 11.06.2022
Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, durante encontro com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em 9 de junho de 2022. Foto de arquivo
Segundo Pires, o encontro foi conveniente para ambas as partes. De um lado, o presidente dos Estados Unidos "conseguiu salvar o encontro" frente ao esvaziamento provocado pela recusa do presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, em participar devido à ausência de Cuba, Venezuela e Nicarágua, que não foram convidadas. Do outro, o fato de Bolsonaro aparecer em uma foto ao lado do presidente dos Estados Unidos "o ajuda a superar o isolamento internacional em que se encontra".
Apesar disso, o especialista avalia que não há "resultado palpável" para nenhum dos dois. Pires ressalta que nem o governo Bolsonaro obteve concessões na área de comércio, nem Biden terá garantias reais de avanços na defesa da integridade da Floresta Amazônica e de seus habitantes.

"Fica a questão de se saber como essa reaproximação afetará a posição dos Estados Unidos frente às ameaças de Bolsonaro de não reconhecer os resultados das próximas eleições caso não seja reeleito. Ter ou não o aval do Departamento de Estado para eventuais rupturas institucionais é sempre um selo de grande utilidade, tal como vimos em Honduras, Paraguai e Bolívia", afirmou.

O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, à esquerda, se encontra com o presidente Joe Biden, dos EUA, durante a Cúpula das Américas, em 9 de junho de 2022, em Los Angeles - Sputnik Brasil, 1920, 09.06.2022
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'Estados democráticos'?

Foram muitas controvérsias ao longo do evento. O governo de Joe Biden quis convidar apenas "Estados democráticos", sendo que Nicarágua, Venezuela e Cuba ficaram de fora. Em resposta, López Obrador, do México, declarou que só viajaria para a Califórnia se todos os países do hemisfério sul fossem convocados. Bolívia, Honduras e algumas nações do Caribe aderiram, igualmente anunciando sua ausência.
A ofensiva diplomática norte-americana teve pouco sucesso com a realização da Cúpula das Américas. Jair Bolsonaro anunciou que só viajaria para os EUA mediante algumas benesses, como um encontro pessoal com Biden, no qual o presidente dos EUA não criticaria abertamente o chefe de Estado brasileiro e sua política ambiental.
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Em um dos discursos mais comentados do encontro em Los Angeles, Alberto Fernández não poupou o presidente Joe Biden e a política externa dos EUA de críticas. O presidente argentino fez uma das falas mais duras e defendeu Cuba, Venezuela e Nicarágua, dizendo ao americano que "o país anfitrião não tem direito de rejeitar países".
O fato é que os EUA têm pouco a oferecer ao continente, e seus acenos ao longo das reuniões da cúpula deixam isso evidente. Há pouca contribuição para os assuntos mais prementes da América Latina: migração, comércio e pobreza crescente. Dono de política migratória restritiva, Biden preferiu não desagradar seus eleitores a propor soluções para um continente em crise, ainda em processo de recuperação após dois anos de pandemia.
Enquanto os EUA fecham as portas, a China penetra cada vez mais na América Latina. A Argentina, por exemplo, acaba de se tornar a mais nova parceira dos chineses em sua Iniciativa da Nova Rota da Seda, passando a ser o 20º país da região vinculado ao acordo em troca de investimentos, créditos e acesso a mercados. Dos grandes da América Latina, agora só México, Brasil e Colômbia não estão comprometidos com a China.
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Ao mesmo tempo, o conflito na Ucrânia valoriza a América do Sul como fornecedora de matéria-prima e energia, com seus países pretendendo permanecer neutros entre os blocos de poder mundial.
No caso das relações com a Rússia, para o professor da Unesp, não seria palpável os EUA acreditarem ser capazes de afastar Brasília de Moscou, principalmente devido à dependência do fornecimento de fertilizantes russo e belarusso.

"Vale considerar que o interesse em apartar o Brasil da Rússia ficou evidente nos primeiros dias da operação especial na Ucrânia, quando o secretário de Estado Antony Blinken pressionou o ministro Carlos França com vistas a um alinhamento no Conselho de Segurança da ONU para condenar a Rússia", afirmou.

O especialista lembra que, apesar de o Brasil ter se posicionado contra o conflito, o governo brasileiro não tomou parte nas inúmeras sanções econômicas impostas a Moscou.

"Nesse aspecto, vale a pena prestar atenção na próxima cúpula do BRICS, pois se verifica uma maior integração entre os cinco países do bloco, algo que pode reverter o esvaziamento político dos últimos três anos", ressaltou.

Da esquerda para a direita: Xi Jinping, presidente da China; Vladimir Putin, presidente da Rússia; Jair Bolsonaro (sentado), presidente do Brasil; Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia; e Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul. Líderes do BRICS se reuniram no Palácio do Itamaraty, em Brasília, Brasil, 14 de novembro de 2019 - Sputnik Brasil, 1920, 10.06.2022
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Compromissos 'verdes' ou 'genéricos'?

Embora o presidente dos Estados Unidos tenha apresentado na quinta-feira (9) uma série de medidas para enfrentar a crise climática, criar empregos verdes e reforçar a segurança energética, a agenda foi descrita pelo jornal El País como "abundantes compromissos genéricos".
Outros tratados também foram apresentados, como o compromisso norte-americano na luta contra o desmatamento e o anúncio de uma contribuição de US$ 12 milhões (R$ 58,6 milhões) para Brasil, Colômbia e Peru em defesa da Amazônia. Uma iniciativa para reduzir o desmatamento associado à exploração madeireira e de matérias-primas e as emissões de gases de efeito estufa relacionadas às cadeias de suprimentos agrícolas.
Já Kamala Harris, vice de Biden, lançou uma aliança dos EUA com países do Caribe para enfrentar a crise climática. Washington coordenará esforços (estimados em R$ 239 bilhões) de diversos bancos regionais de desenvolvimento para fazer os investimentos necessários ao enfrentamento do desafio climático na região.
O acesso ao financiamento será facilitado para os países que enfrentam desastres climáticos, como furacões, enchentes e crises em geral que causam grandes ondas de migração. Um esforço considerado pequeno para o país que, em 2018, na Cúpula das Américas sediada no Peru, "esqueceu" de enviar o seu principal representante, o então presidente, Donald Trump.
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Os sinais de que o interesse de Washington na região está diminuindo acumularam-se ao longo dos anos, com cada vez mais líderes criticando abertamente a política externa norte-americana.
Por isso, para o professor de relações internacionais, o envio de um emissário americano para negociar a participação de Bolsonaro no encontro foi importante para preparar o terreno para o governante brasileiro na cúpula de Los Angeles.

"O relacionamento pessoal entre Biden e Bolsonaro estava desgastado por conta das posições do presidente brasileiro com relação às eleições de 2020 e seu declarado apoio a Donald Trump. Adicionalmente, as posições ideológicas de Bolsonaro o colocam no polo oposto das percepções políticas e ideológicas de amplos setores do Partido Democrata", pontuou o especialista.

Diferenças de discursos sobre direitos humanos, planejamento familiar, equidade étnica e de gênero e defesa do meio ambiente, por exemplo, "criaram uma brecha de 180 graus entre o dirigente brasileiro e a elite que está no poder em Washington", segundo Pires.
Pelo lado brasileiro, a diplomacia dos Estados Unidos cumpriu a promessa de não criar embaraços à comitiva de Bolsonaro, aponta o especialista. Já para os americanos, ele avalia que o encontro foi útil para gerar um "contraponto de direita" às visões de governos de centro-esquerda da Argentina, do México, do Chile, do Peru, entre outros.
"Os Estados Unidos têm o governo brasileiro como aliado para fustigar os governos de Cuba, Venezuela e Nicarágua. Utilizando a metáfora de Bolsonaro, o seu encontro com Biden foi um 'casamento de conveniências'", disse.
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