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Colômbia e a 'onda rosa': como a América Latina está cada vez mais distante dos EUA e da OTAN
Colômbia e a 'onda rosa': como a América Latina está cada vez mais distante dos EUA e da OTAN
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Uma das mais antigas alianças dos Estados Unidos na América Latina está sob ameaça. A vitória de Gustavo Petro e Francia Márquez testará o relacionamento... 30.06.2022, Sputnik Brasil
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Bogotá e Washington cultivam uma parceria de décadas, construída em torno do combate aos cartéis de drogas, desde pelo menos 1999, quando houve o lançamento do Plano Colômbia, uma estratégia de cooperação bilateral criada para desarticular quadrilhas do narcotráfico na América Latina. Desde então, sucessivos governos republicanos e democratas forneceram mais de US$ 13 bilhões (R$ 68,1 bilhões) em assistência militar e econômica à Colômbia.O fato, entretanto, é que a eleição de Gustavo Petro e sua vice, Francia Márquez, pode mudar as características dessa aliança, com repercussões importantes sobre a política externa dos EUA para a região. Em seu discurso da vitória, no dia 19, o líder colombiano não mencionou a guerra às drogas nem uma vez. Sua única referência aos EUA foi um apelo ao diálogo para abordar conjuntamente as mudanças climáticas.Para entender como a eleição de Gustavo Petro pode afetar a relação EUA–Colômbia, a Sputink Brasil conversou com Ana Maria Prestes Rabelo, cientista política e analista internacional graduada em ciências sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e mestre e doutora em ciência política pela mesma instituição, e com o pesquisador João Victor Motta, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (PPGRI San Tiago Dantas).Motta apontou que a eleição tem um impacto de ineditismo. Segundo ele, "os EUA de fato perderão um parceiro estratégico na região, embora seja difícil ter certeza da dimensão disso".EUA e OTAN na berlinda?Além do Plano Colômbia (que hoje conta com 250 soldados americanos), instituído em 1999, Washington e Bogotá firmaram um tratado em 2009 que teve grande repercussão pela América Latina. O acordo previa operações de 800 soldados em até cinco bases militares e investimentos dos EUA de US$ 5 bilhões (R$ 9,18 bilhões). Pelas diretrizes, os Estados Unidos puderam utilizar bases colombianas para patrulhar rotas aéreas e marítimas.Como explicou João Victor Motta, "a relação Colômbia e EUA, sobretudo nos últimos 20 anos, tornou Bogotá o principal parceiro dos EUA na região em questões estratégico-militares. Isso gera laços e projetos e um legado que vai além de um processo natural de relações entre dois Estados". Ele apontou que a proximidade entre os países "é muito vinculada à guerra às drogas e ao combate ao narcotráfico. Por essa justificativa, os EUA colocaram diversos postos militares na região nos últimos anos".Analogamente, a presença militar de Washington na América Latina produziu impactos na geopolítica dos EUA, sobretudo nos âmbitos de defesa territorial, expansão ao sul e controle da região. Para João Victor Motta, "a eleição colombiana traz essa novidade, esse rearranjo. É a chamada 'onda rosa', que pode configurar um realinhamento das relações dos países latinos com os EUA". Ele entende que essa reorganização impacta a relação de diversos países, incluindo os EUA, com a Venezuela. Além disso, "restabelece relações comerciais e pode gerar autonomia para a região", apontou.Ana Prestes, por sua vez, afirma que as estratégias de combate ao narcotráfico na Colômbia deram aos EUA um argumento para expandir a presença militar norte-americana na América do Sul e "para a instalação de bases militares, armamentos, radares e contingente humano de militares estadunidenses na região". Ela refuta a ideia de que o combate ao narcotráfico seria o único objetivo americano.Relação com Cuba, Venezuela e NicaráguaPrestes também destaca que haverá mudanças na relação da Colômbia com três países latino-americanos considerados párias por Washington: Cuba, Venezuela e Nicarágua. Ela lembra que "em 2019 a Colômbia serviu de base para os EUA realizarem investidas contra a Venezuela" e destaca que ações desse tipo são improváveis de tornar a ocorrer."Coisas desse tipo não ocorrerão com Petro no poder, daí é preciso ver como os americanos vão se comportar para garantirem a preservação de seus interesses na região. Felizmente Petro não estará isolado, pois há governos demais na América do Sul, como da própria Venezuela, Bolívia, Chile, Argentina, Peru e possivelmente Brasil, após outubro, que lhe darão apoio para as profundas mudanças que precisará promover para retirar a Colômbia desse lugar de linha de transmissão dos EUA na região", disse Prestes.Os chineses estão vindo...Embora não se saiba ainda até que ponto a eleição colombiana pode transformar a política externa norte-americana para o continente, João Victor Motta entende que "isso muda a lógica dos EUA sobre as Américas. Pensando a médio prazo, com a própria frente dos EUA de ajuda para a Ucrânia, isso pode afastar Washington da região"."Dependendo de como os EUA vão se organizar nesse sentido, podemos repetir o que aconteceu no início da última década, quando os EUA estavam muito preocupados com a questão do Oriente Médio e a caçada ao Osama bin Laden e houve um distanciamento entre as relações da América Latina com os EUA. Na época, a América Latina conseguiu se reorganizar de forma mais autônoma, com a CELAC [Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos] e outras frentes políticas", relembrou.Entretanto ele avalia que os EUA, "com essas mudanças, devem buscar exercer uma influência econômica na região, porque a questão militar está ficando para trás. E como os EUA não conseguem fazer isso, a China pode assumir o seu lugar como principal parceiro econômico da América Latina". De fato, em termos comerciais o governo chinês ampliou a diferença em relação aos Estados Unidos em grandes áreas da América Latina.Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que, fora o México, principal parceiro comercial dos Estados Unidos na América Latina, os fluxos comerciais totais — importações e exportações — entre a América Latina e a China atingiram quase US$ 247 bilhões (R$ 1,29 trilhão) no ano passado, bem acima dos US$ 174 bilhões (R$ 911,7 bilhões) com os Estados Unidos.É notório também que os países do sul global estão se recusando a ser ditados em suas alianças e parcerias de desenvolvimento, sendo que sanções e ataques às reservas de moeda russa estão levando mais países a buscar alternativas ao comércio de dólares. Além disso, a recente Cúpula das Américas expôs a perda de influência dos EUA na região, pois o evento foi marcado por críticas e compromissos insuficientes.Esse cenário, inclusive, é alvo de preocupação do presidente Joe Biden. Nesta semana, ele revelou detalhes a respeito de um plano de infraestrutura global de US$ 600 bilhões (R$ 3,14 trilhões) para conter a influência da economia chinesa no Ocidente. Denominada de Parceria para Infraestrutura e Investimento Globais (PGII, na sigla em inglês), a estratégia, anunciada durante a cúpula do G7 na Alemanha, pretende combater a iniciativa Um Cinturão, Uma Rota, programa de financiamento de infraestruturas mundial chinês.O futuro da Colômbia é latinoQuestionado sobre o futuro da política na Colômbia, João Victor Motta explicou que o país provavelmente "viverá um processo de desmilitarização em sua vida política, sobretudo no âmbito civil". Ele entende que o poder que as Forças Armadas da Colômbia ganharam com a aproximação histórica com os EUA "deve ser reorganizado, abrindo caminho para uma maior democratização da vida política, principalmente reorganizando a vida partidária do país, calcada em projetos neoliberais".Antes da Colômbia, nos últimos anos, diversos governos de esquerda estiveram determinados a traçar um caminho independente de Washington na região, como na Argentina, México, Peru e Chile. Além disso, houve a vitória do povo boliviano sobre os responsáveis pelo golpe de 2019.A questão sobre a Venezuela também merece atenção. Para além da fracassada tentativa de Washington de colocar no governo da Venezuela um deputado de oposição, Petro também pode entrar em "conflito" com os EUA no esteio das recentes tensões com Caracas. Ele manifestou interesse em restabelecer relações com o governo de Nicolás Maduro, medida que provavelmente irritará republicanos e democratas e seus esforços para isolar o governo venezuelano.Já Ana Prestes ressalta que a eleição de Petro é mais uma peça no recrudescimento de governos progressistas na América Latina. Ela duvida que haja alguma mudança na relação de Bogotá com Brasília, especialmente do ponto de vista econômico, pois a Colômbia tem importantes relações comerciais com o Brasil. Mas ela acredita que "as relações podem melhorar a partir de 2023, caso Lula seja eleito em outubro e se caminhe para uma maior integração sul-americana".
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Bogotá e Washington cultivam uma parceria de décadas, construída em torno do combate aos cartéis de drogas, desde pelo menos 1999, quando houve o lançamento do Plano Colômbia, uma estratégia de cooperação bilateral criada para desarticular quadrilhas do narcotráfico na América Latina. Desde então, sucessivos governos republicanos e democratas forneceram mais de US$ 13 bilhões (R$ 68,1 bilhões) em assistência militar e econômica à Colômbia.
O fato, entretanto, é que a eleição de Gustavo Petro e sua vice, Francia Márquez, pode mudar as características dessa aliança, com repercussões importantes sobre a política externa dos EUA para a região. Em seu discurso da vitória, no dia 19, o líder colombiano não mencionou a guerra às drogas nem uma vez. Sua única referência aos EUA foi um apelo ao diálogo para abordar conjuntamente as mudanças climáticas.
Para entender como a eleição de Gustavo Petro pode afetar a relação EUA–Colômbia, a Sputink Brasil conversou com Ana Maria Prestes Rabelo, cientista política e analista internacional graduada em ciências sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e mestre e doutora em ciência política pela mesma instituição, e com o pesquisador João Victor Motta, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (PPGRI San Tiago Dantas).
Motta apontou que a eleição tem um impacto de ineditismo. Segundo ele, "os EUA de fato perderão um parceiro estratégico na região, embora seja difícil ter certeza da dimensão disso".
Além do Plano Colômbia (que hoje conta com 250 soldados americanos), instituído em 1999, Washington e Bogotá firmaram um tratado em 2009 que teve grande repercussão pela América Latina. O acordo previa operações de 800 soldados em até cinco bases militares e investimentos dos EUA de US$ 5 bilhões (R$ 9,18 bilhões). Pelas diretrizes, os Estados Unidos puderam utilizar bases colombianas para patrulhar rotas aéreas e marítimas.
Citando exemplos da proximidade entre os dois países, o especialista relembrou a recente declaração do presidente dos EUA, Joe Biden, de que a Colômbia seria o principal parceiro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Para ele, a partir da chegada de Petro, "há uma quebra de expectativa, e isso certamente prejudica as relações".
Como explicou João Victor Motta, "a relação Colômbia e EUA, sobretudo nos últimos 20 anos, tornou Bogotá o principal parceiro dos EUA na região em questões estratégico-militares. Isso gera laços e projetos e um legado que vai além de um processo natural de relações entre dois Estados". Ele apontou que a proximidade entre os países "é muito vinculada à guerra às drogas e ao combate ao narcotráfico. Por essa justificativa, os EUA colocaram diversos postos militares na região nos últimos anos".
Analogamente, a presença militar de Washington na América Latina produziu impactos na geopolítica dos EUA, sobretudo nos âmbitos de defesa territorial, expansão ao sul e controle da região. Para João Victor Motta, "a eleição colombiana traz essa novidade, esse rearranjo. É a chamada 'onda rosa', que pode configurar um realinhamento das relações dos países latinos com os EUA". Ele entende que essa reorganização impacta a relação de diversos países, incluindo os EUA, com a Venezuela. Além disso, "restabelece relações comerciais e pode gerar autonomia para a região", apontou.
Ana Prestes, por sua vez, afirma que as estratégias de combate ao narcotráfico na Colômbia deram aos EUA um argumento para expandir a presença militar norte-americana na América do Sul e "para a instalação de bases militares, armamentos, radares e contingente humano de militares estadunidenses na região". Ela refuta a ideia de que o combate ao narcotráfico seria o único objetivo americano.
"Os EUA possuem cerca de sete bases militares na Colômbia, uma rede imensa de radares que captam sinais de toda a região (fronteiras com Venezuela, Equador, Panamá), um sistema de vigilância impressionante, pelotões especializados... E ainda assim o narcotráfico segue forte na Colômbia. Essa conta não fecha", disse.
Relação com Cuba, Venezuela e Nicarágua
Prestes também destaca que haverá mudanças na relação da Colômbia com três países latino-americanos considerados párias por Washington: Cuba, Venezuela e Nicarágua. Ela lembra que "em 2019 a Colômbia serviu de base para os EUA realizarem investidas contra a Venezuela"
e destaca que ações desse tipo são improváveis de tornar a ocorrer.
"Coisas desse tipo não ocorrerão com Petro no poder, daí é preciso ver como os americanos vão se comportar para garantirem a preservação de seus interesses na região. Felizmente Petro não estará isolado, pois há governos demais na América do Sul, como da própria Venezuela, Bolívia, Chile, Argentina, Peru e possivelmente Brasil, após outubro, que lhe darão apoio para as profundas mudanças que precisará promover para retirar a Colômbia desse lugar de linha de transmissão dos EUA na região", disse Prestes.
Os chineses estão vindo...
Embora não se saiba ainda até que ponto a eleição colombiana pode transformar a política externa norte-americana para o continente, João Victor Motta entende que "isso muda a lógica dos EUA sobre as Américas. Pensando a médio prazo, com a própria frente dos EUA de ajuda para a Ucrânia, isso pode afastar Washington da região".
"Dependendo de como os EUA vão se organizar nesse sentido, podemos repetir o que aconteceu no início da última década, quando os EUA estavam muito preocupados com a questão do Oriente Médio e a caçada ao Osama bin Laden e houve um distanciamento entre as relações da América Latina com os EUA. Na época, a América Latina conseguiu se reorganizar de forma mais autônoma, com a CELAC [Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos] e outras frentes políticas", relembrou.
Entretanto ele avalia que os EUA, "com essas mudanças, devem buscar exercer uma influência econômica na região, porque a questão militar está ficando para trás. E como os EUA não conseguem fazer isso, a China pode assumir o seu lugar como principal parceiro econômico da América Latina". De fato, em termos comerciais o governo chinês ampliou a diferença em relação aos Estados Unidos em grandes áreas da América Latina.
Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que, fora o México, principal parceiro comercial dos Estados Unidos na América Latina, os fluxos comerciais totais — importações e exportações — entre a América Latina e a China atingiram quase US$ 247 bilhões (R$ 1,29 trilhão) no ano passado, bem acima dos US$ 174 bilhões (R$ 911,7 bilhões) com os Estados Unidos.
É notório também que os países do sul global estão se recusando a ser ditados em suas alianças e parcerias de desenvolvimento, sendo que sanções e ataques às reservas de moeda russa estão levando mais países a buscar alternativas ao comércio de dólares. Além disso, a recente Cúpula das Américas expôs a perda de influência dos EUA na região, pois o evento foi marcado por críticas e compromissos insuficientes.
Esse cenário, inclusive, é alvo de preocupação do presidente Joe Biden. Nesta semana, ele revelou detalhes a respeito de um
plano de infraestrutura global de US$ 600 bilhões (R$ 3,14 trilhões) para conter a influência da economia chinesa no Ocidente. Denominada de Parceria para Infraestrutura e Investimento Globais (PGII, na sigla em inglês), a estratégia,
anunciada durante a cúpula do G7 na Alemanha, pretende combater a iniciativa
Um Cinturão, Uma Rota, programa de financiamento de infraestruturas mundial chinês.
O futuro da Colômbia é latino
Questionado sobre o futuro da política na Colômbia, João Victor Motta explicou que o país provavelmente "viverá um processo de desmilitarização em sua vida política, sobretudo no âmbito civil". Ele entende que o poder que as Forças Armadas da Colômbia ganharam com a aproximação histórica com os EUA "deve ser reorganizado, abrindo caminho para uma maior democratização da vida política, principalmente reorganizando a vida partidária do país, calcada em projetos neoliberais".
Antes da Colômbia, nos últimos anos, diversos governos de esquerda estiveram determinados a traçar um caminho independente de Washington na região, como na Argentina, México, Peru e Chile. Além disso, houve a vitória do povo boliviano sobre os responsáveis pelo golpe de 2019.
A questão sobre a Venezuela também merece atenção. Para além da fracassada tentativa de Washington de colocar no governo da Venezuela um deputado de oposição, Petro também pode entrar em "conflito" com os EUA no esteio das recentes tensões com Caracas. Ele manifestou interesse em restabelecer relações com o governo de Nicolás Maduro, medida que provavelmente irritará republicanos e democratas e seus esforços para isolar o governo venezuelano.
Já Ana Prestes ressalta que a eleição de Petro é mais uma peça
no recrudescimento de governos progressistas na América Latina. Ela duvida que haja alguma mudança na relação de Bogotá com Brasília, especialmente do ponto de vista econômico, pois a Colômbia tem importantes relações comerciais com o Brasil. Mas ela acredita que "
as relações podem melhorar a partir de 2023, caso Lula seja eleito em outubro e se caminhe para uma maior integração sul-americana".