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Queda do poder de compra ameaça travar a roda da economia brasileira em 2023, dizem especialistas
Queda do poder de compra ameaça travar a roda da economia brasileira em 2023, dizem especialistas
Sputnik Brasil
Especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil listam a queda no poder de compra e a redução no consumo das famílias como principais desafios econômicos para o... 19.07.2022, Sputnik Brasil
2022-07-19T18:08-0300
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A economia brasileira atravessa um período de turbulência e incerteza. Os impactos gerados pela pandemia, somados ao aumento nos preços dos combustíveis, geraram um efeito dominó, tornando os produtos mais caros para as famílias, que já vinham sofrendo com o esmagamento da renda mensal. Todos esses fatores levantam a questão: será que o próximo governo, seja um novo ou a continuação do atual, está prestes a pegar um rabo de foguete no que diz respeito à economia?Para analisar quais serão os desafios econômicos para 2023 e como o cenário atual pode influenciar o próximo governo, a Sputnik Brasil conversou com quatro especialistas: Maria Beatriz de Albuquerque David, economista e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); José Paulo Martins Júnior, professor e cientista político da Universidade Federal Fluminense (UFF); Marco Rocha, economista e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); e Fábio Sobral, economista e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC).Primeiro, os especialistas abordaram a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 1/22, apelidada de PEC Kamikaze ou PEC dos Benefícios. Aprovada pelo Congresso no dia 13 deste mês, com apoio tanto de parlamentares da situação quanto da oposição, ela cria um estado de emergência que permite ao governo federal furar o teto de despesas, autorizando o gasto de R$ 41,25 bilhões com pautas sociais, entre elas o aumento do Auxílio Brasil e do vale-gás e a concessão de benefícios a caminhoneiros e taxistas. A PEC tem validade até o fim deste ano.Os quatro especialistas concordam que a PEC tem viés eleitoreiro e que o apoio do atual governo à medida reflete a preocupação com as pesquisas de intenção de voto — que apontam que o presidente Jair Bolsonaro (PL) está atrás de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e vem perdendo apoio de bases cruciais, como caminhoneiros e motoristas de aplicativo.À parte disso, os quatro entrevistados têm visões diferentes sobre os impactos que ela pode gerar. Para Maria Beatriz de Albuquerque David, a PEC "fez o Brasil embarcar em uma canoa furada", que trará sérias consequências, inclusive para as camadas mais pobres. "Ela [a PEC] é de uma irresponsabilidade fiscal imensa. A situação fiscal do Brasil já era grave", diz a economista. Ela acrescenta que não haveria necessidade de criar a PEC se o governo tivesse se antecipado em criar medidas para conter a crise, como usar verbas obtidas com a privatização de empresas e a venda de ativos. A economista afirma que o atual governo deixou o país em uma situação pior do que quando o pegou.Já para José Paulo Martins, a PEC foi necessária e a privatização da Eletrobras e a venda de ativos da Petrobras criaram "caixa para fazer frente às despesas". "Mas, sim, a situação econômica não é das melhores. No mundo todo há inflação, crise na China, então é um problema. Seja lá qual for o governo, 2023 vai ser um ano difícil."Marco Rocha tem uma opinião similar. Ele considera que "há um certo terrorismo fiscal em anunciar ou alarmar que a PEC vai criar uma bomba fiscal para o ano que vem".Fábio Sobral também destaca a urgência da medida, citando o aumento da fome no Brasil. "A chamada PEC Kamikaze não apresenta um desafio fiscal, ou seja, o governo não ficará em situação complicada no seu orçamento por ter aprovado esses benefícios. É uma situação necessária, há muitas pessoas, mais de 30 milhões [segundo uma pesquisa recente da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional], que passam fome todos os dias, mais da metade da população brasileira em insegurança alimentar. Então é necessário um mecanismo de auxílio imediato", argumenta o economista.Sobral chama a atenção para a necessidade de fazer a roda da economia girar. Ele aponta que é preciso mudar a ideia de que "auxílios sociais são deletérios, porque eles não desequilibram as contas públicas".Ele acrescenta que "o desequilíbrio fiscal é provocado muito mais por taxas de juros altas". "O Banco Central mantém a taxa básica de juros em um percentual altíssimo, pagando cerca de R$ 500 bilhões em um ano. Isso desequilibra qualquer orçamento. É retirado de áreas sociais para promover o pagamento ao setor financeiro especulativo", diz Sobral.Para Marco Rocha e Fábio Sobral, um dos maiores desafios para o próximo ano será estimular a renda do trabalhador e o consumo das famílias. Recentemente, uma pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) apontou que o salário caiu na maioria das atividades profissionais. Outra pesquisa, feita pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras), apontou que a queda na demanda dos consumidores gerada pela inflação levou os supermercados a reduzirem os estoques, deixando as gôndolas mais vazias.Para Marco Rocha, a queda do rendimento do trabalho, que levou à redução no poder de compra, foi provocada pela inflação e pela redução do poder de barganha do trabalhador gerada pelo aumento do desemprego.Fábio Sobral alerta que "os salários são componentes fundamentais da fórmula do produto interno bruto [PIB]" e correspondem a 60% da economia. "Se as rendas caem, se os salários caem, o consumo é impactado diretamente em 60%, ou seja, o PIB é afetado. É uma cadeia de eventos", diz Sobral.Sobral destaca que os salários foram afetados por conta da pandemia, quando foram criados mecanismos de redução de salários, que acabaram por reduzir a renda básica. Porém ele afirma que essa tendência começou muito antes, ainda na reforma trabalhista promovida pelo governo Michel Temer (MDB), que "criou uma série de mecanismos de exceção para reduzir salários das camadas trabalhadoras"."A maior facilidade de demissão, a redução das multas, a criação de emprego intermitente, onde só se paga por aquilo que a pessoa efetivamente trabalha, fez desaparecer a renda salarial na mão das pessoas e, consequentemente, no consumo. Isso sim foi um kamikaze", diz Sobral, acrescentando que "o ano de 2023 tende a ser economicamente muito difícil se o governo continuar com a política de manutenção de salários baixos".Por fim, os quatro especialistas alertam que a crise observada nos EUA e na Europa deixará o próximo governo em uma situação complicada. Maria de Albuquerque e Marco Rocha alertam para a queda nos preços das commodities, puxada pela recessão que se desenha na Europa.Já Sobral afirma que "EUA e Europa entraram em uma contagem regressiva para uma grande recessão".Ele ressalta que "se a crise estourar nos EUA e na Europa, afetará diretamente os mercados financeiros no Brasil"."A moeda brasileira se desvalorizará acentuadamente, tornando todo produto importado mais caro. E nós importamos cada vez mais produtos. Basta ver que boa parte dos fertilizantes é comprada de outros países. Isso impactará a agricultura, os preços da agricultura, da pecuária, dos bens de consumo interno, sejam industriais ou alimentícios", diz o economista.
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Queda do poder de compra ameaça travar a roda da economia brasileira em 2023, dizem especialistas
18:08 19.07.2022 (atualizado: 18:09 19.07.2022) Especiais
Especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil listam a queda no poder de compra e a redução no consumo das famílias como principais desafios econômicos para o próximo governo.
A economia brasileira atravessa um período de turbulência e incerteza. Os impactos gerados pela pandemia, somados ao
aumento nos preços dos combustíveis, geraram um efeito dominó, tornando os produtos mais caros para as famílias, que já vinham sofrendo com o esmagamento da renda mensal. Todos esses fatores levantam a questão: será que o próximo governo, seja um novo ou a continuação do atual, está prestes a pegar um rabo de foguete no que diz respeito à economia?
Para analisar quais serão os desafios econômicos para 2023 e como o cenário atual pode influenciar o próximo governo, a Sputnik Brasil conversou com quatro especialistas: Maria Beatriz de Albuquerque David, economista e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); José Paulo Martins Júnior, professor e cientista político da Universidade Federal Fluminense (UFF); Marco Rocha, economista e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); e Fábio Sobral, economista e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Primeiro, os especialistas abordaram a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) 1/22, apelidada de PEC Kamikaze ou PEC dos Benefícios. Aprovada pelo Congresso no dia 13 deste mês, com apoio tanto de parlamentares da situação quanto da oposição,
ela cria um estado de emergência que permite ao governo federal furar o teto de despesas, autorizando o gasto de R$ 41,25 bilhões com pautas sociais, entre elas o aumento do Auxílio Brasil e do vale-gás e a concessão de benefícios a caminhoneiros e taxistas. A PEC tem validade até o fim deste ano.
Os quatro especialistas concordam que a PEC tem viés eleitoreiro e que o apoio do atual governo à medida reflete a preocupação com as pesquisas de intenção de voto — que apontam que o presidente Jair Bolsonaro (PL) está atrás de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e vem perdendo apoio de bases cruciais, como caminhoneiros e motoristas de aplicativo.
À parte disso, os quatro entrevistados têm visões diferentes sobre os impactos que ela pode gerar. Para Maria Beatriz de Albuquerque David, a PEC "fez o Brasil embarcar em uma canoa furada", que trará sérias consequências, inclusive para as camadas mais pobres. "Ela [a PEC] é de uma irresponsabilidade fiscal imensa. A situação fiscal do Brasil já era grave", diz a economista. Ela acrescenta que não haveria necessidade de criar a PEC se o governo tivesse se antecipado em criar medidas para conter a crise, como usar verbas obtidas com a privatização de empresas e a venda de ativos. A economista afirma que o atual governo deixou o país em uma situação pior do que quando o pegou.
"Empresas foram privatizadas simplesmente para subsidiar e gastar recursos, sem investimentos. Prometeram uma série de investimentos em infraestrutura que não aconteceram e deixaram um país pré-falido", diz a economista.
Já para José Paulo Martins, a PEC foi necessária e a privatização da Eletrobras e a venda de ativos da Petrobras criaram "caixa para fazer frente às despesas". "Mas, sim, a situação econômica não é das melhores.
No mundo todo há inflação, crise na China, então é um problema. Seja lá qual for o governo, 2023 vai ser um ano difícil."
Marco Rocha tem uma opinião similar. Ele considera que "há um certo terrorismo fiscal em anunciar ou alarmar que a PEC vai criar uma bomba fiscal para o ano que vem".
"A gente tem de desmistificar a ideia de que o gasto público vem de um dinheiro que pode acabar, existem limites de custo da dívida, de rolagem da dívida, mas está muito aquém disso para se criar esse tipo de terrorismo em relação à medida. Inclusive porque ela é muito tímida em relação às necessidades que a população brasileira está passando e ao tamanho da crise econômica que estamos vivendo", diz o economista.
Fábio Sobral também destaca a urgência da medida, citando o aumento da fome no Brasil. "A chamada PEC Kamikaze não apresenta um desafio fiscal, ou seja, o governo não ficará em situação complicada no seu orçamento por ter aprovado esses benefícios. É uma situação necessária, há muitas pessoas, mais de 30 milhões [segundo uma
pesquisa recente da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional], que passam fome todos os dias, mais da metade da população brasileira em insegurança alimentar. Então é necessário um mecanismo de auxílio imediato", argumenta o economista.
Sobral chama a atenção para a necessidade de fazer a roda da economia girar. Ele aponta que é preciso mudar a ideia de que "auxílios sociais são deletérios, porque eles não desequilibram as contas públicas".
"Os chamados gastos sociais acabam trazendo aumento de arrecadação de tributos aos governos. Você entrega um real à pessoa, e os governos acabam recebendo mais de um real de volta, porque a pessoa compra. Ela vai ao comércio, adquire bens alimentícios. Isso move uma cadeia produtiva, de transportes, de comércio que acaba sempre pagando tributos, e os governos ganham. Então os chamados gastos sociais no fundo são produtores de ganhos de lucros aos governos", explica Sobral.
Ele acrescenta que "o desequilíbrio fiscal é provocado muito mais por taxas de juros altas". "O Banco Central mantém a taxa básica de juros em um percentual altíssimo, pagando cerca de R$ 500 bilhões em um ano. Isso desequilibra qualquer orçamento. É retirado de áreas sociais para promover o pagamento ao setor financeiro especulativo", diz Sobral.
Para Marco Rocha e Fábio Sobral,
um dos maiores desafios para o próximo ano será estimular a renda do trabalhador e o consumo das famílias. Recentemente, uma pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) apontou que o salário caiu na maioria das atividades profissionais. Outra
pesquisa, feita pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras), apontou que a queda na demanda dos consumidores gerada pela inflação levou os
supermercados a reduzirem os estoques, deixando as gôndolas mais vazias.
Para Marco Rocha, a queda do rendimento do trabalho, que levou à redução no poder de compra, foi provocada pela inflação e pela redução do poder de barganha do trabalhador gerada pelo aumento do desemprego.
"Isso acaba criando um ciclo que tende a jogar a economia cada vez para um estado mais recessivo. Uma alta inflação que consome o poder de compra, diminui a capacidade de consumo das famílias, que não conseguem repor isso por conta da redução do poder de barganha gerado pela crise econômica, pelo desemprego, o que acaba deprimindo mais o mercado doméstico e dificultando ainda mais uma recuperação econômica", diz Rocha.
Fábio Sobral alerta que "os salários são componentes fundamentais da fórmula do produto interno bruto [PIB]" e correspondem a 60% da economia. "Se as rendas caem, se os salários caem, o consumo é impactado diretamente em 60%, ou seja, o PIB é afetado. É uma cadeia de eventos", diz Sobral.
Sobral destaca que os salários foram afetados por conta da pandemia, quando foram criados mecanismos de redução de salários, que acabaram por reduzir a renda básica. Porém ele afirma que essa tendência começou muito antes, ainda na reforma trabalhista promovida pelo governo Michel Temer (MDB), que "criou uma série de mecanismos de exceção para reduzir salários das camadas trabalhadoras".
"A maior facilidade de demissão, a redução das multas, a criação de emprego intermitente, onde só se paga por aquilo que a pessoa efetivamente trabalha, fez desaparecer a renda salarial na mão das pessoas e, consequentemente, no consumo. Isso sim foi um kamikaze", diz Sobral, acrescentando que "o ano de 2023 tende a ser economicamente muito difícil se o governo continuar com a política de manutenção de salários baixos".
Por fim, os quatro especialistas alertam que a crise observada nos EUA e na Europa deixará o próximo governo em uma situação complicada. Maria de Albuquerque e Marco Rocha alertam para a queda nos preços das commodities, puxada pela recessão que se desenha na Europa.
Já Sobral afirma que "EUA e Europa entraram em uma contagem regressiva para uma grande recessão".
"A tentativa de sufocar a Rússia economicamente produziu efeitos contrários. Há a possibilidade de parte da indústria europeia ver os custos com energia se tornarem insustentáveis, a vida das famílias se tornar muito degradada pela impossibilidade de consumir, de aquecer as casas, uma inflação alta", diz Sobral.
Ele ressalta que "se a crise estourar nos EUA e na Europa, afetará diretamente os mercados financeiros no Brasil".
"A moeda brasileira se desvalorizará acentuadamente, tornando todo produto importado mais caro. E nós importamos cada vez mais produtos. Basta ver que boa parte dos fertilizantes é comprada de outros países. Isso impactará a agricultura, os preços da agricultura, da pecuária, dos bens de consumo interno, sejam industriais ou alimentícios", diz o economista.