Rússia já elaborou contramedidas caso acesso ao exclave de Kaliningrado seja cortado, diz embaixador
11:16 10.08.2022 (atualizado: 13:03 12.08.2022)
© Sputnik / Aleksei FilippovBairro residencial às margens do rio Pregoli, na cidade de Kaliningrado
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Lituânia usa dificuldades bancárias para ameaçar interromper o tráfego entre a Rússia e seu exclave de Kaliningrado em 1º de setembro. Quais as consequências para os moradores dessa região russa? E como Moscou poderá responder a esse ato sem precedentes?
Decisão das autoridades da Lituânia coloca em risco o trânsito entre Moscou e a região russa de Kaliningrado, que pode ser interrompido completamente.
Após impor diversas restrições à comunicação terrestre entre a Rússia e seu enclave europeu, a Lituânia agora alega que seus bancos não têm como receber pagamentos russos pelo uso de suas ferrovias.
Quando questionado sobre uma possível solução para o problema, o chanceler lituano, Gabrielius Landsbergis, se limitou a dizer que "o pagamento pelo trânsito é de responsabilidade da Rússia, que deve ela própria encontrar uma forma de pagar".
Porto comercial de Kaliningrado
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/ De acordo com o governador da região de Kaliningrado, Anton Alikhanov, a Rússia pode utilizar a oportunidade para deixar de utilizar a via terrestre e se focar exclusivamente no uso de vias marítimas.
"Isso nos daria liberdade para nosso Estado adotar possíveis contramedidas em relação aos Estados Bálticos, em função da maneira como eles se portaram em relação à região de Kaliningrado", disse o governador nesta terça-feira (9) durante um encontro do clube de discussão Valdai, em Moscou.
De acordo com Alikhanov, a economia lituana tem muito a perder caso a Rússia deixe de utilizar as ferrovias do país báltico.
"A Lituânia se interessou por participar do trânsito entre Rússia e Kaliningrado porque ganha muito dinheiro com isso", notou o governador. "Mas, sem a economia russa, esses países não existem em termos de transporte."
© Foto / Valdai Discussion ClubO governador da região de Kaliningrado, Anton Alikhanov, durante seminário sobre Kaliningrado no clube de discussão Valdai, em Moscou, 9 de agosto de 2022
O governador da região de Kaliningrado, Anton Alikhanov, durante seminário sobre Kaliningrado no clube de discussão Valdai, em Moscou, 9 de agosto de 2022
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O governador aponta ainda que o eventual fechamento completo da conexão terrestre entre o exclave e o restante território russo impactaria não só o tráfego de cargas, mas também de pessoas.
"Se os lituanos descartam a possibilidade de pagamento, então temos dificuldades com o transporte de pessoas. Algumas pessoas não podem optar pelo transporte aéreo por questões de saúde", notou Alikhanov. "Esses são aspectos humanitários que vão além do escopo das sanções, é simplesmente eticamente incerto como os europeus, e os lituanos em particular, se justificarão."
O funcionário do Ministério das Relações Exteriores da Rússia Aleksei Isakov considerou a postura da Lituânia uma "grosseira intromissão nos assuntos internos da Rússia", uma vez que "não estamos falando de exportação e importação, mas sim de trânsito de carga dentro do território russo".
© Foto / Valdai Discussion ClubO embaixador russo Aleksei Isakov, durante seminário sobre Kaliningrado no clube de discussão Valdai, em Moscou, 9 de agosto de 2022
O embaixador russo Aleksei Isakov, durante seminário sobre Kaliningrado no clube de discussão Valdai, em Moscou, 9 de agosto de 2022
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Segundo Isakov, que já serviu como embaixador da Rússia na Lituânia, a chancelaria russa já sabe quais as contramedidas cabíveis, caso a Letônia feche totalmente o trânsito para e de Kaliningrado.
"Eu não gostaria de falar concretamente do que poderíamos fazer [...] mas posso assegurar que as contramedidas já foram elaboradas no nível interministerial e, caso seja necessário [...] nós as implementaremos", disse Isakov.
Apesar das autoridades russas não revelarem quais as retaliações possíveis contra Vilnius, especialistas notam que Moscou poderia retirar o reconhecimento das fronteiras da Lituânia, que permitiu a entrada do país báltico em organismos como a União Europeia e a OTAN. A Rússia assinou o acordo em 2003, sob a condição de que a conexão de seu território com Kaliningrado fosse garantida.
© Sputnik / HOST PHOTO AGENCY / Acessar o banco de imagensPelotão feminino marchando na Parada dos 75 anos da Vitória em Kaliningrado, Rússia
Pelotão feminino marchando na Parada dos 75 anos da Vitória em Kaliningrado, Rússia
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/ Outra possível contramedida seria a retirada da Lituânia do anel energético BRELL, que une Rússia, Belarus, Estônia, Letônia e Lituânia, informou o jornal Komsomolskaya Pravda. A transição energética dos países bálticos para o sistema europeu enfrenta diversos obstáculos, o que deixa esses países dependentes de Moscou no tocante à energia elétrica.
Exclave russo na Europa
Kaliningrado é uma região russa localizada na Europa entre a Lituânia, a Polônia e o mar Báltico. A região já fez parte da Polônia, da Prússia Oriental e do Império Alemão, mas passou à administração soviética após acordo entre as potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial, celebrado na Conferência de Potsdam, em 1945.
Durante o período soviético, a região se desenvolveu em parte por sua importância estratégica e geopolítica: a frota naval soviética do mar Báltico ficava estacionada na cidade, que era fechada para visitantes estrangeiros.
© Sputnik / Aleksei Danichev / Acessar o banco de imagensСomplexo histórico-etnográfico em Kaliningrado
Сomplexo histórico-etnográfico em Kaliningrado
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/ "Depois da queda da URSS, nós no Ministério das Relações Exteriores da Rússia passamos a dar atenção especial para a região de Kaliningrado", disse Isakov.
Segundo o diplomata, Moscou redobrou seu foco no exclave após 2007, quando a nova onda de expansão da União Europeia incluiu a Polônia e Lituânia no bloco, deixando Kaliningrado "cercada de fato" pelo bloco.
O ex-embaixador em Vilnius lembrou que, durante a década de 90, a Rússia encarava a integração de sua região mais a oeste com a Europa com bons olhos.
© AFP 2023 / PETRAS MALUKASSoldados da Primeira Brigada da Primeira Divisão de Infantaria atuando perto da base militar de Rukla, na Lituânia (foto de arquivo)
Soldados da Primeira Brigada da Primeira Divisão de Infantaria atuando perto da base militar de Rukla, na Lituânia (foto de arquivo)
© AFP 2023 / PETRAS MALUKAS
"Naquela época tínhamos projetos como a formação de um mercado único que se estenderia de Lisboa a Vladivostok", lembrou Isakov. "Ninguém achou que nossas relações se degradariam a esse nível."
Coordenação internacional
Em função da conjuntura internacional, Kaliningrado provavelmente modificará sua infraestrutura e logística de forma permanente. Este momento de crise, no entanto, pode se transformar em oportunidade de negócios.
De acordo com o governador de Kaliningrado, a região precisará desenvolver uma frota de navios mercantes de pequeno e médio porte nos próximos meses. Segundo ele, a região demanda mais de uma dezena de embarcações para atender às suas necessidades.
"Se nos basearmos no volume médio que transportamos nos últimos anos, podemos dizer que precisaremos de 22 embarcações", disse Alikhanov. "Serão navios similares ao Marshal Rokossovsky ou ao General Tchernyakhovsky."
Essas embarcações, construídas para garantir a conexão marítima de Kaliningrado com a Rússia, são capazes de transportar mais de 8 mil toneladas de carga e podem acomodar automóveis e veículos de carga.
© Sputnik / Mikhail Golenkov / Acessar o banco de imagensPátio ferroviário na região russa de Kaliningrado
Pátio ferroviário na região russa de Kaliningrado
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/ De acordo com o gerente da empresa InfraProjects Aleksei Bezborodov, diversas empresas russas já trabalham para suprir a demanda do enclave de Kaliningrado por navios mercantes.
O empresário, no entanto, mas não excluiu a possibilidade de comprar embarcações produzidas por parceiros internacionais para acelerar o processo.
"A possibilidade de negócios para países dispostos a negociar com a Rússia em geral e com Kaliningrado em particular é significativa", afirmou o diretor do clube Valdai, Ivan Timofeev, à Sputnik Brasil.
O especialista notou que "hoje, por causa do boicote corporativo, empresas europeias foram embora da região e deixaram, de fato, setores econômicos inteiros abertos. Nesse sentido, esses nichos econômicos podem ser ocupados por empresas de países amigos."
© Foto / Valdai Discussion ClubO diretor do clube de discussão Valdai, Ivan Timofeev, durante seminário sobre Kaliningrado no clube de discussão Valdai, em Moscou, 9 de agosto de 2022
O diretor do clube de discussão Valdai, Ivan Timofeev, durante seminário sobre Kaliningrado no clube de discussão Valdai, em Moscou, 9 de agosto de 2022
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Assim, existiriam oportunidades para empresas de países como o Brasil. "Mas é necessário acelerar, porque é uma janela que se fecha rapidamente", notou Timofeev.
Para o representante do Ministério das Relações Exteriores da Rússia Aleksei Isakov "a resposta da Rússia à cooperação internacional com países amigos é positiva".
"Sabemos que os contatos com muitos países, inclusive com o Brasil, continuam. E é possível encontrar espaço para a cooperação, inclusive entre os ministérios dos Transportes de países amigos", concluiu Isakov à Sputnik Brasil.
No dia 9 de agosto, autoridades e especialistas se reuniram no clube de discussão Valdai, em Moscou, para debater soluções para a manutenção do trânsito entre o enclave de Kaliningrado e o restante território russo. Autoridades da Lituânia informaram que seus bancos não receberão mais pagamentos russos para o uso de suas ferrovias, o que levaria à interrupção de fato do trânsito entre Kaliningrado e Rússia, em violação de acordos internacionais, inclusive do assinado entre a Rússia, União Europeia e Lituânia em 2003.