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Consignado no Auxílio Brasil é um paliativo ineficaz que estimula endividamento, dizem especialistas
Consignado no Auxílio Brasil é um paliativo ineficaz que estimula endividamento, dizem especialistas
Sputnik Brasil
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas alertam que juros cobrados pelos bancos podem fazer da medida uma armadilha para a população mais vulnerável. 22.08.2022, Sputnik Brasil
2022-08-22T18:09-0300
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No início deste mês, o presidente Jair Bolsonaro (PL) editou um decreto que regulamentou a Lei Nº 14.431, aprovada em julho pelo Congresso, que autorizou a concessão de crédito consignado a beneficiários de programas sociais do governo, como o Auxílio Brasil e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).Com a medida, o beneficiário poderá contrair empréstimos que comprometam até 40% do benefício. Até o momento, está estabelecido que os bancos serão responsáveis por definir a taxa de juros cobrada e que o empréstimo será fixado na parcela fixa do benefício de R$ 400, não considerando o aumento temporário para R$ 600. As regras, no entanto, podem mudar, já que a lei ainda carece de regulamentações complementares a serem feitas até o fim deste mês pelo Ministério da Cidadania.A pasta classifica a medida de "tomada de crédito responsável" e reforça a retórica do governo de que ela garante a autonomia das populações vulneráveis ao fornecer a opção de usufruir ou não dessa modalidade de empréstimo.Contudo críticos afirmam que a concessão do crédito consignado pode ter efeito contrário, gerando ou ampliando o endividamento justamente das camadas mais pobres. Entre os críticos estão algumas das maiores instituições bancárias. Embora o ministro da Cidadania, Ronaldo Bento, tenha anunciado que 17 bancos já se cadastraram para oferecer o empréstimo, instituições grandes, como o Bradesco e o Itaú, anunciaram que não vão aderir à medida, pois temem a inadimplência.A Sputnik Brasil conversou com Armando Rovai, doutor em direito e professor de direito empresarial da Universidade Presbiteriana Mackenzie, e David Deccache, professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (Unb), para entender que impactos a medida pode ter na renda dos beneficiários e na economia.Para ambos os especialistas, o risco de endividamento é real. Rovai destaca que "a primeira consequência da medida é a inserção de dinheiro na atividade produtiva, pois a população que aderir ao empréstimo passará a ter maior poder de compra". Em um primeiro momento, isso parece benéfico, uma vez que incentiva a roda da economia a girar. Porém o especialista afirma que essa primeira consequência não se sustenta."É inegável que a mesma população que adquiriu esses empréstimos vai ficar endividada. E com os juros, que não estão definidos, elas podem ficar superendividadas", alerta Rovai.Ele acrescenta que a situação pode se agravar caso a pessoa perca o direito ao Auxílio Brasil.Deccache, por sua vez, alerta que o endividamento, somado a um cenário de alta da inflação e dos preços dos alimentos, trará "consequências gravíssimas em médio prazo". Especialmente no contexto de falta de uma regulamentação sobre os juros a serem cobrados.Ele acrescenta que "em 2023, a renda disponível das famílias mais pobres vai cair abruptamente de R$ 600 para R$ 240, por conta do fim da parcela de R$ 200 do Auxílio Brasil e dos descontos de até R$ 160 no benefício" gerados pelo empréstimo. "Se nada for feito, será um cenário de fome e miséria para o povo e enriquecimento dos bancos. Além disso, a previsão é de desaquecimento da economia e elevação do desemprego", alerta o especialista.Mas, diante disso, o que poderia ser feito para impedir que a medida tenha impactos negativos? Para Deccache, o próximo governo deve "trabalhar para manter o Auxílio Brasil em R$ 600, mitigando o impacto das parcelas do consignado".Ele também avalia que "o Judiciário deveria intervir na situação e considerar os empréstimos ilegais, já que eles ferem explicitamente a lei do superendividamento".Ele afirma considerar que a liberação do crédito consignado a beneficiários de programas sociais sem uma regulamentação foi uma manobra eleitoreira que, em vez de gerar autonomia, criou uma armadilha para os mais pobres.Já Rovai argumenta que o ponto crucial seria "colocar juros com limite mínimo e limitar os empréstimos" para evitar que a dívida se torne uma situação em cascata. Ele destaca que não adianta oferecer soluções paliativas, como empréstimos, se não se atacar a raiz do problema, que é a falta de emprego. Segundo ele, o crescimento econômico somado à geração de empregos garantiria "condições para inserir na atividade produtiva toda a população que está fora, à margem dela"."O Brasil precisaria se desenvolver para arrumar empregos para essas pessoas, com salários dignos, para que elas pudessem subsistir sem a necessidade desses auxílios que o poder público vem dando", diz Rovai.Ele finaliza afirmando que, por um determinado tempo, o crédito consignado pode elevar a autonomia dos beneficiados por programas sociais, mas que "se essas mesmas pessoas não estiverem inseridas na atividade produtiva, trabalhando, mesmo como autônomos, o dinheiro vai acabar e o débito vai continuar existindo".
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Consignado no Auxílio Brasil é um paliativo ineficaz que estimula endividamento, dizem especialistas
18:09 22.08.2022 (atualizado: 18:13 22.08.2022) Especiais
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas alertam que juros cobrados pelos bancos podem fazer da medida uma armadilha para a população mais vulnerável.
No início deste mês, o presidente Jair Bolsonaro (PL) editou um
decreto que regulamentou a
Lei Nº 14.431, aprovada em julho pelo Congresso,
que autorizou a concessão de crédito consignado a beneficiários de programas sociais do governo,
como o Auxílio Brasil e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Com a medida, o beneficiário poderá contrair empréstimos que comprometam até 40% do benefício. Até o momento, está estabelecido que os bancos serão responsáveis por definir a taxa de juros cobrada e que o empréstimo será fixado na parcela fixa do benefício de R$ 400, não considerando o aumento temporário para R$ 600. As regras, no entanto, podem mudar, já que a lei ainda carece de regulamentações complementares a serem feitas até o fim deste mês pelo Ministério da Cidadania.
A pasta classifica a medida de "
tomada de crédito responsável" e reforça a retórica do governo de que ela garante a autonomia das populações vulneráveis ao fornecer a opção de usufruir ou não dessa modalidade de empréstimo.
Contudo críticos afirmam que a concessão do crédito consignado pode ter efeito contrário, gerando ou ampliando o endividamento justamente das camadas mais pobres. Entre os críticos estão algumas das maiores instituições bancárias. Embora o ministro da Cidadania, Ronaldo Bento, tenha anunciado que 17 bancos já se cadastraram para oferecer o empréstimo, instituições grandes, como o Bradesco e o Itaú, anunciaram que não vão aderir à medida, pois temem a inadimplência.
A Sputnik Brasil conversou com Armando Rovai, doutor em direito e professor de direito empresarial da Universidade Presbiteriana Mackenzie, e David Deccache, professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (Unb), para entender que impactos a medida pode ter na renda dos beneficiários e na economia.
Para ambos os especialistas, o risco de endividamento é real. Rovai destaca que "a primeira consequência da medida é a inserção de dinheiro na atividade produtiva, pois a população que aderir ao empréstimo passará a ter maior poder de compra". Em um primeiro momento, isso parece benéfico, uma vez que
incentiva a roda da economia a girar. Porém o especialista afirma que essa primeira consequência não se sustenta.
"É inegável que a mesma população que adquiriu esses empréstimos vai ficar endividada. E com os juros, que não estão definidos, elas podem ficar superendividadas", alerta Rovai.
Ele acrescenta que a situação pode se agravar caso a pessoa perca o direito ao Auxílio Brasil.
"Ela ficaria fora do cenário de um possível empréstimo quando necessitar. Por isso as consequências são duplas e dúbias. Porque imediatamente haverá uma injeção de dinheiro no mercado, e isso gera atividade produtiva, obviamente. Mas a possibilidade da aquisição de empréstimos com juros que não estão ainda limitados, a forma como isso está sendo feito, pode gerar um superendividamento da população", argumenta Rovai.
Deccache, por sua vez, alerta que o endividamento, somado a um cenário de alta da inflação e dos preços dos alimentos, trará "consequências gravíssimas em médio prazo". Especialmente no contexto de falta de uma regulamentação sobre os juros a serem cobrados.
"As pessoas acabarão recorrendo a empréstimos com juros criminosos para poderem se alimentar, porque hoje o Auxílio Brasil não é suficiente nem para comprar uma cesta básica. O pior é que mesmo esses empréstimos não oferecendo nenhum risco para as instituições financeiras, já que os descontos são automáticos, alguns bancos podem chegar a cobrar quase 100% de taxa de juros ao ano", afirma Deccache.
Ele acrescenta que "em 2023, a renda disponível das famílias mais pobres vai cair abruptamente de R$ 600 para R$ 240, por conta do fim da parcela de R$ 200 do Auxílio Brasil e dos descontos de até R$ 160 no benefício" gerados pelo empréstimo. "Se nada for feito, será um cenário de fome e miséria para o povo e enriquecimento dos bancos. Além disso, a previsão é de desaquecimento da economia e elevação do desemprego", alerta o especialista.
Mas, diante disso, o que poderia ser feito para impedir que a medida tenha impactos negativos? Para Deccache, o próximo governo deve "trabalhar para manter o Auxílio Brasil em R$ 600, mitigando o impacto das parcelas do consignado".
Ele também avalia que "o Judiciário deveria intervir na situação e considerar os empréstimos ilegais, já que eles ferem explicitamente a
lei do superendividamento".
"A lei veda a oferta de crédito ao consumidor que decorra de assédio ou pressão, principalmente se se tratar de consumidor idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada. O rol inclui, implicitamente, os beneficiários do Auxílio Brasil e do BPC, que serão vulneráveis às investidas dos bancos na concessão de empréstimos consignados", diz Deccache.
Ele afirma considerar que a liberação do crédito consignado a beneficiários de programas sociais sem uma regulamentação
foi uma manobra eleitoreira que, em vez de gerar autonomia, criou uma armadilha para os mais pobres.
"Bolsonaro está cometendo um grande golpe eleitoral ao colocar em risco a segurança alimentar mais básica de milhões de pessoas para tentar reduzir sua rejeição durante a campanha ao mesmo tempo que transfere recursos financeiros dos mais pobres do país para os bancos. O que acontecerá é o oposto de autonomia: as pessoas vão se endividar para comer e, no futuro, terão o pouco da renda destruído para o pagamento de empréstimos extorsivos, voltando a conviver com a mais absoluta e terrível fome", diz Deccache.
Já Rovai argumenta que o ponto crucial seria "colocar juros com limite mínimo e limitar os empréstimos" para evitar que a dívida se torne uma situação em cascata. Ele destaca que não adianta oferecer soluções paliativas, como empréstimos, se não se atacar a raiz do problema, que é a falta de emprego. Segundo ele, o crescimento econômico somado à geração de empregos garantiria "condições para inserir na atividade produtiva toda a população que está fora, à margem dela".
"O Brasil precisaria se desenvolver para arrumar empregos para essas pessoas, com salários dignos, para que elas pudessem subsistir sem a necessidade desses auxílios que o poder público vem dando", diz Rovai.
Ele finaliza afirmando que, por um determinado tempo, o crédito consignado pode elevar a autonomia dos beneficiados por programas sociais, mas que "se essas mesmas pessoas não estiverem inseridas na atividade produtiva, trabalhando, mesmo como autônomos, o dinheiro vai acabar e o débito vai continuar existindo".
"E um débito que com os juros vai crescer, e aí vai ser impagável para essas famílias. É ilusório. Algo que vai ter um prazo específico, vai ser uma roupagem para uma apresentação mentirosa. Na realidade a gente vai conviver com uma situação em que a população necessita ser inserida na atividade produtiva, não nesses paliativos que estão sendo feitos", conclui Rovai.