Foro de São Paulo e Madri: como grupos internacionais de partidos atuam em ano eleitoral no Brasil?
12:19 26.08.2022 (atualizado: 12:15 15.09.2022)
© Sputnik / Kelly Carreño Apoiadores do governo Maduro tomam as ruas para manisfetar apoio ao Foro de São Paulo, realizado em Caracas, na Venezuela
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Saiba se associações internacionais de partidos, como o Foro de São Paulo e o Foro de Madri, aquecem os músculos para a campanha eleitoral brasileira.
Nesta quinta-feira (25), o ex-chanceler brasileiro e atual professor de "logopolítica" Ernesto Araújo realizou uma transmissão ao vivo alertando seus seguidores para as ameaças representadas pelo Foro de São Paulo, uma associação latino-americana de partidos de esquerda.
"O Foro de São Paulo é um novo projeto comunista para a América Latina [...] uma rede de corrupção, ditadura, narcotráfico e terrorismo", disse Araújo durante sua exposição.
O ex-chanceler demonstrava preocupação com a suposta ligação entre o Foro, a China e a chamada "agenda do politicamente correto", que inclui temas como mudanças climáticas e questões de gênero.
© José Cruz / Agência BrasilO ministro das Relações Exteriores; Ernesto Araújo; participa de audiência pública; na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, 27 de novembro de 2019
O ministro das Relações Exteriores; Ernesto Araújo; participa de audiência pública; na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, 27 de novembro de 2019
© José Cruz / Agência Brasil
A desconfiança de grupos de direita radical em relação ao Foro de São Paulo é em grande parte creditada ao ideólogo Olavo de Carvalho, que alegava ter obtido acesso a documentos secretos da agremiação e que revelariam seu empenho em implantar o comunismo na América Latina.
"No final da década de 90, o Olavo descobriu toda a documentação do Foro, que tinha o objetivo muito claro de implantar na América Latina o que eles perderam no Leste Europeu", disse o engenheiro de alimentos que se declara "proto-olavista" César Mattar à Sputnik Brasil.
Recentemente, uma coletânea póstuma de textos de Olavo de Carvalho dedicados ao Foro de São Paulo foi publicada pela editora Vide, colocando a agremiação de esquerda de volta no debate eleitoral.
De acordo com Mattar, que acompanha o trabalho do ideólogo desde a década de 90, o Foro de São Paulo é coordenado sobretudo pelo governo de Cuba e financiado pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).
© Folhapress / Vivi ZanattaEscritor Olavo de Carvalho
Escritor Olavo de Carvalho
© Folhapress / Vivi Zanatta
"A documentação está toda aí", afiançou Mattar. "Evidentemente que as reuniões não são mais secretas, então não tem como mentir mais."
Atividades do Foro de São Paulo
Ativistas do Foro de São Paulo descartam as acusações olavistas à agremiação, negando contatos com grupos armados ou narcotraficantes. Militantes asseveram que o grupo não passa de um fórum de articulação e debate sobre os rumos da esquerda regional.
De acordo com a página oficial do Foro de São Paulo, o grupo reúne cerca de 123 partidos de esquerda de 27 países, organizados em três secretarias regionais, localizadas na Colômbia, no Uruguai e em El Salvador.
© Sputnik / Kelly Carreño Apoiadores do governo Maduro saem às ruas para apoiar o Foro de São Paulo, em Caracas, Venezuela
Apoiadores do governo Maduro saem às ruas para apoiar o Foro de São Paulo, em Caracas, Venezuela
© Sputnik / Kelly Carreño
Dentre os objetivos declarados do grupo estão as metas de "avançar com propostas de unidade de ação consensual na luta anti-imperialista e popular", além de "definir as bases de um novo conceito de unidade e integração continental".
A Sputnik Brasil conversou com o ex-secretário executivo do Foro de São Paulo, o professor de relações internacionais da UFABC Valter Pomar, para conhecer a atuação da agremiação.
"[O Foro] realiza muitas atividades ao longo do ano, a depender do plano de trabalho aprovado nos encontros e a depender da evolução da conjuntura", disse Pomar à Sputnik Brasil. "O Foro realiza reuniões periódicas das fundações e escolas partidárias."
A agremiação possui uma série de grupos de trabalho, focados em temas como mulheres, jovens, afrodescendentes, povos originários, entre outros. Além disso, o Foro procura realizar reuniões anuais com suas principais lideranças, a fim de coordenar a agenda da esquerda latino-americana.
O financiamento das atividades do Foro está no centro das preocupações dos grupos de direita brasileiros. Para eles, a agenda de trabalho do grupo é bancada por atividades ligadas ao narcotráfico e ao crime organizado.
© Sputnik / Solon NetoMultidão em ato de lançamento da pré-candidatura de Lula da Silva à presidência da República, em 7 de julho, no Rio de Janeiro
Multidão em ato de lançamento da pré-candidatura de Lula da Silva à presidência da República, em 7 de julho, no Rio de Janeiro
© Sputnik / Solon Neto
No entanto, Valter Pomar, que é membro do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), assevera que "as atividades do Foro são autofinanciadas, ou seja, cada atividade é paga pelos que participam dela".
No Brasil, os partidos afiliados ao Foro de São Paulo são o Partido Democrático Trabalhista (PDT), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), o Partido Popular Socialista (PPS) e o Partido dos Trabalhadores (PT).
Neste ano, o Foro de São Paulo conduziu atividades como a realização de seminário com líderes da esquerda europeia e latino-americana sobre "Militarização, OTAN e Luta pela Paz". O evento, que foi realizado em junho no formato on-line, contou com a presença do ex-chanceler brasileiro Celso Amorim.
© Folhapress / © Brazil Photo Press / Charles ShollCelso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa, durante lançamento de seu livro "Relações de Confiança: O Brasil na América do Sul", em 22 de julho de 2022
Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa, durante lançamento de seu livro "Relações de Confiança: O Brasil na América do Sul", em 22 de julho de 2022
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De acordo com Pomar, a ascensão de governos de direita na América Latina a partir de 2017 e a vitória de Bolsonaro nas eleições gerais de 2018 geraram dificuldades ao grupo.
"O Foro perdeu espaço, que será retomado à medida que os partidos do Foro consigam implementar uma linha política adequada à nova situação", disse Pomar.
Foro de Madri
Apesar da direita brasileira ter elegido o Foro de São Paulo como seu inimigo número um, alguns de seus membros inauguraram uma associação similar chamada Foro de Madri.
A iniciativa data de outubro de 2020, quando o deputado federal Eduardo Bolsonaro e líderes do partido espanhol Vox assinaram a Carta de Madri, que tem como objetivo declarado se contrapor ao Foro de São Paulo.
© Twitter / ReproduçãoO deputado federal Eduardo Bolsonaro (à esquerda) e o líder do Vox, Santiago Abascal, durante o lançamento da Carta de Madri, em 2020
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (à esquerda) e o líder do Vox, Santiago Abascal, durante o lançamento da Carta de Madri, em 2020
© Twitter / Reprodução
De acordo com a página na Internet da associação, o Foro de Madri é uma aliança internacional de líderes, entidades e partidos que defendem a democracia e o Estado de Direito "frente ao avanço da extrema esquerda em países de ambos os lados do Atlântico".
Em fevereiro deste ano, o grupo realizou o encontro regional na capital colombiana, Bogotá, que contou com a presença do ex-presidente do país, Álvaro Uribe, e do ex-chanceler brasileiro, Ernesto Araújo.
O Foro de Madri é uma iniciativa da Fundação Disenso, chefiada pelo líder do partido espanhol Vox, Santiago Abascal. Além de financiamento privado, a fundação de Abascal já teria recebido 92 mil euros (cerca de R$ 514 mil) em recursos públicos do Estado espanhol.
© AFP 2023 / RAUL ARBOLEDAÁlvaro Uribe
Álvaro Uribe
© AFP 2023 / RAUL ARBOLEDA
Em 21 de julho, uma reportagem do jornal local El País revelou que a fundação Disenso financiou a criação do documentário "Desmascarando o Foro de São Paulo" com fundos públicos. Lançado no ano eleitoral brasileiro, o documentário tem como objetivo associar a esquerda latino-americana com a corrupção e conta com a participação do deputado federal Eduardo Bolsonaro.
A prática de formar associações internacionais de partidos não necessariamente infringe a lei, e podem ser consideradas uma forma natural de organização política. No entanto, em ano eleitoral no Brasil, cabe ao eleitor ficar atento às atividades destes grupos.