Agricultores brasileiros voltam à terra de seus ancestrais para desenvolver Extremo Oriente russo
23:57 08.09.2022 (atualizado: 02:07 09.09.2022)
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Agricultores brasileiros adeptos de religião tradicional russa voltaram à terra de seus ancestrais para desenvolver a agricultura no Extremo Oriente da Rússia. Confiantes após o primeiro ano de plantio, eles apostam nas técnicas brasileiras para revolucionar a agricultura russa.
Neste ano, o programa do governo russo "Hectares no Extremo Oriente" completa cinco anos. A iniciativa distribui cerca de 25 milhões de hectares de terras em 19 regiões do país para cidadãos interessados em desenvolver a agricultura, o turismo e a moradia.
"Depois de cinco anos, podemos avaliar os resultados desse importante programa para o Extremo Oriente, que garante uma vida digna para os nossos moradores e o desenvolvimento agrário, apesar das rigorosas condições climáticas", disse o representante-adjunto do governo da república russa de Yakútya, Kirill Bytchkov, durante debate promovido no Fórum Econômico do Oriente, em Vladivostok.
O programa atingiu muitas de suas metas, mas ainda enfrenta dificuldades para garantir a infraestrutura necessária aos colonos, principalmente em áreas afastadas dos grandes centros.
"Precisamos entender que o programa não oferece uma miragem, nem um presente para os colonos. Oferecemos uma oportunidade e um desafio", notou o ministro-adjunto para o desenvolvimento do Extremo Oriente e do Ártico, Marat Shamyonov. "As pessoas investem seus recursos, tempo e esforços nos hectares. É uma oportunidade para testarem sua resiliência."
© Foto / Igor Rodin / RosscongressKirill Bytchkov participa de debate promovido no Fórum Econômico do Oriente
Kirill Bytchkov participa de debate promovido no Fórum Econômico do Oriente
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Esse desafio foi aceito por agricultores brasileiros ligados à Rússia por laços históricos. Adeptos a uma linha tradicional da religião cristã ortodoxa, esses agricultores adquiriram hectares de terra no Extremo Oriente russo e em breve colherão as suas primeiras safras.
"A nossa comunidade saiu da Rússia em 1918 rumo à China, onde ficou até 1958, quando foi para o Brasil. Estávamos há mais de 100 anos fora da Rússia, para onde eu retornei pela primeira vez em 2018", relata o brasileiro Abraham Kalugin, velho crente, presidente da organização pública regional Assistência na Realocação e Adaptação de Compatriotas de Velhos Crentes, da região russa de Primorie.
"Velho crentes" é a denominação dada aos russos ortodoxos que não aceitaram as inovações clericais propostas pelo Patriarca Nikon no século XVII, o que resultou no Cisma na Igreja Ortodoxa Russa. Passados tantos séculos, o governo russo se empenha na repatriação desses compatriotas, que conservam suas tradições em colônias em países como Estados Unidos, Paraguai, Bolívia e Brasil.
No Brasil, Kalugin vivia em uma colônia rural bastante produtiva, junto com outras 19 famílias, no estado de Goiás. A iniciativa de ir para Rússia veio a convite do governo, e Kalugin foi recebido oficialmente no Kremlin para receber seu passaporte russo.
© Foto / DivulgaçãoO brasileiro Abraham Kalugin
O brasileiro Abraham Kalugin
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De acordo com dados do governo da região de Primorie, no Extremo Oriente russo, desde 2009, mais de 32 famílias de velhos crentes foram repatriadas à Rússia, incluindo 148 brasileiros, bolivianos e uruguaios. De acordo com a repórter Marina Lepina, em matéria publicada na revista oficial do Fórum Econômico do Oriente, as autoridades regionais veem essa imigração com bons olhos, por considerarem os velhos crentes trabalhadores incansáveis, que têm muito a contribuir com o desenvolvimento agrícola local.
"Já plantei 200 hectares de soja. Já comecei minha produção por aqui", disse Kalugin, que chegou há pouco mais de um ano na Rússia, à Sputnik Brasil.
Apesar da distância do Brasil, ele conta que não há grandes diferenças e segredos para plantar soja em solo russo.
"A princípio é a mesma coisa. Colocar a semente no chão com qualidade, fazer dar a germinação com qualidade, fazer os tratos culturais e garantir a produção", disse o agricultor. Ele acredita que o know-how brasileiro será muito bem vindo para o desenvolvimento da agricultura e pecuária no Extremo Oriente russo, que ainda usaria técnicas antigas de manejo de solo.
"Temos muito a ensinar no tocante a nutrição de solo, calagem de solo com calcário pra manter o equilíbrio de micro e macro elementos, para que possam ter uma produtividade cada vez melhor", explica.
© Foto / DivulgaçãoTécnicas brasileiras de plantio ajudam a revolucionar a agricultura russa
Técnicas brasileiras de plantio ajudam a revolucionar a agricultura russa
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A produção média do plantio de soja no Extremo Oriente russo é de entre 1.5 e 2 toneladas por hectare, enquanto no Brasil ela fica entre 3.6 e 4.5, "o mínimo aceitável para um produtor brasileiro", relatou o agricultor.
"Mas não tenho pretensão de mostrar nada pra ninguém, só quero que meus filhos continuem no caminho que meus pais e meus avós começaram", destacou. "Para manter a tradição, tenho que viver na colônia e trabalhar na terra."
O agricultor brasileiro de 26 anos Kalin Kuznetsov, também adepto da velha crença, segue o mesmo caminho de Kalugin.
"Desde criança trabalho na agricultura, aprendi como se faz, depois comecei a fazer por mim mesmo", disse Kuznetsov à Sputnik Brasil.
Após desembarcar na Rússia em 2021, Kuznetsov já construiu sua casa em uma propriedade de 560 hectares, e também optou pelo plantio de soja.
"No Brasil, eu tinha uma terra de 86 hectares, o que é pouco. Esse foi outro motivo para eu querer vir pra cá", conta o jovem. "No Brasil, a terra é muito cara, praticamente inviável de comprar."
© Foto / DivulgaçãoTambém adepto da iniciativa, Kalin Kuznetsov percorre sua plantação
Também adepto da iniciativa, Kalin Kuznetsov percorre sua plantação
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Neste ano, o agricultor conseguiu trabalhar cerca de 110 hectares de terra, mas aguarda a obtenção de créditos governamentais para, no ano que vem, plantar em pelo menos 400 hectares.
"Nosso grupo sabe trabalhar a terra, sempre fizemos isso. Uma plantação de 500 a 1000 hectares para nós é algo factível, só precisamos da oportunidade", acredita o agricultor.
Ele conta que a chegada à Rússia não foi fácil, e que, inicialmente, seus vizinhos duvidavam da sua capacidade de semear a terra russa com técnicas brasileiras.
"Agora que nós estamos tendo resultados com a tecnologia brasileira, as pessoas já me olham com outros olhos", conta Kuznetsov. "Agora, ouvem mais e querem saber os detalhes. E eu conto com prazer, não tenho nada e esconder, porque todos aqui trabalhamos na mesma área."
O agricultor tem esperanças de que, na próxima safra, os seus vizinhos já adotem as técnicas brasileiras de plantio e obtenham resultados melhores em suas lavouras.
Os planos de Kalugin para 2023 também são ambiciosos. O agricultor quer ampliar sua produção de soja e investir em novos segmentos, como a pecuária bovina.
"É totalmente possível fazer pecuária aqui [na Rússia]. Caso você tenha as raças corretas, o gado pode ficar solto [durante] boa parte do inverno", relata o brasileiro. Para ele, existe uma resistência psicológica a tentar novos empreendimentos pecuários na Rússia, e "muitos não querem aceitar a ideia de que pode dar certo".
"No Brasil, um dia uma pessoa inovadora da cidade de Castrolândia, no Paraná, inventou de plantar soja no mato, e muita gente disse que ele era louco. A loucura dele mudou a história do país", disse Kalugin, em referência aos primeiros plantadores de soja no cerrado brasileiro.
© Foto / DivulgaçãoIniciativa distribui cerca de 25 milhões de hectares de terras em 19 regiões da Rússia
Iniciativa distribui cerca de 25 milhões de hectares de terras em 19 regiões da Rússia
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Os brasileiros também podem ser bastante reticentes à novas ideias. Kuznetsov relata que seus colegas sul-americanos resistem quando ele diz que a vinda para a Rússia é um bom negócio para o pequeno agricultor.
"Eu recomendo muito a vinda pra cá [...], mas o pessoal fica resistente, por que lá se fala muito mal da Rússia", contou Kuznetsov. “Eles preferem esperar para ver como será o nosso progresso por aqui."
O agricultor está seguro de que sua vinda para Rússia foi uma iniciativa correta, e não planeja voltar para o Brasil.
"Eu já estive em muitos lugares, já trabalhei no Alasca. Mas nunca tinha encontrado um lugar que me desse vontade de ficar", relata Kuznetsov. "Mas eu vim pra cá, consegui minha terra, minha casa e minha picape, eu não penso mais em ir embora."
© Foto / Igor Rodin / IRosscongressAbraham Kalugin participa do Fórum Econômico Oriental
Abraham Kalugin participa do Fórum Econômico Oriental
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Apesar de conceder de que vivia bem no Brasil e sentir respeito pelo país, Kalugin diz que tampouco tem planos pra voltar.
"Quando você vem pra cá e se encontra com sua língua natal, recebe um chamado que não se explica. Você chega em casa, se sente em casa", concluiu o agricultor.
Nesta quarta-feira (7), autoridades e especialistas do Extremo Oriente russo realizaram debate para avaliar os resultados dos cinco anos do programa de concessão de hectares da região, no âmbito do Fórum Econômico do Oriente, celebrado em Vladivostok, na Rússia, entre os dias 5 e 8 de setembro.