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Santa Quitéria: o que falta para o Brasil se tornar autossuficiente em urânio?

© Flávio FloridoUnidade da Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB) onde ocorre mineração de urânio, em Caetité (BA), em 10 de dezembro de 2004
Unidade da Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB) onde ocorre mineração de urânio, em Caetité (BA), em 10 de dezembro de 2004 - Sputnik Brasil, 1920, 10.11.2022
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Um antigo projeto da Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB) pretende explorar urânio e fosfato em uma cidade no interior do Ceará e busca viabilização nuclear e ambiental para receber um investimento bilionário. A Sputnik Brasil ouviu o consórcio responsável pelo projeto e o ex-presidente da INB Aquilino Senra para discutir o assunto.
Apesar da formação de um consórcio para a exploração da jazida de Itataia, localizada em Santa Quitéria, no interior do Ceará, ainda há questões que impedem a realização do projeto. O Consórcio Santa Quitéria reúne a estatal Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB) e a Galvani Fertilizantes.
A INB é a detentora dos direitos minerários da jazida. Conforme o próprio site da estatal, em Itataia são encontrados fosfato e urânio de forma associada. O projeto de exploração do local tem como objetivo a produção de fertilizantes fosfatados de alto teor, fosfato bicálcio e concentrado de urânio. Esses produtos seriam utilizados na agricultura, suplementação animal e produção de energia elétrica, respectivamente.
O Consórcio Santa Quitéria estima que a exploração da jazida é capaz de gerar 2,8 mil empregos diretos e indiretos e R$ 100 milhões em massa salarial anual. Além disso, o consórcio alega uma expectativa de investimento de R$ 2,3 bilhões para a exploração no local.
A Sputnik Brasil ouviu o consórcio e um engenheiro nuclear que já presidiu a INB para explicar os detalhes e os riscos desse projeto.

Consórcio destaca fertilizantes, mas não informa detalhes sobre investimento anunciado

Em entrevista à Sputnik Brasil, o consórcio responsável alega que o projeto é "peça fundamental" tanto do Plano Nacional de Fertilizantes (PNF) quanto do Plano Nacional de Energia 2050. Em ambos, a exploração dos recursos é citada como potencial.
Em resposta à Sputnik Brasil, o Consórcio Santa Quitéria afirma que o empreendimento deverá produzir anualmente cerca de 1,05 milhão de toneladas de fertilizantes fosfatados, 220 mil toneladas de fosfato bicálcico — usado na nutrição animal — e 2,3 mil toneladas de concentrado de urânio para a geração de energia elétrica nas usinas nucleares de Angra dos Reis.
O consórcio ressalta que a extração dos fertilizantes pode ajudar a reduzir a dependência brasileira da importação desse tipo de insumo.

"Hoje, mais de 85% dos fertilizantes consumidos no Brasil são importados. Com a plena operação do Projeto Santa Quitéria, serão produzidos cerca de 1,05 milhão de toneladas de fertilizantes fosfatados anualmente. Somada a produção atual da Galvani, que forma o Consórcio Santa Quitéria junto à INB, o volume representará 25% da demanda atual das regiões Norte e Nordeste", afirma o consórcio.

Apesar das previsões, o consórcio ressalta que o projeto ainda está em processo de licenciamentos ambiental e nuclear. O consórcio não apontou uma data de início para a exploração. "As obras e a operação do empreendimento serão iniciadas somente após a liberação dos órgãos reguladores", diz o consórcio.
Em seu site, o Consórcio Santa Quitéria alega ainda que R$ 2,3 bilhões serão destinados ao projeto. Questionado sobre a origem e disponibilidade desse recurso, o consórcio afirmou à Sputnik Brasil que "este tema será tratado no momento adequado".
© Divulgação/EletronuclearObra da usina nuclear Angra 3, em outubro de 2013
Obra da usina nuclear Angra 3, em outubro de 2013 - Sputnik Brasil, 1920, 10.11.2022
Obra da usina nuclear Angra 3, em outubro de 2013

Manejo do urânio tem riscos ambientais, explica engenheiro

Em entrevista à Sputnik Brasil, o engenheiro nuclear Aquilino Senra, ex-presidente da INB e professor da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explicou que o processo de mineração do urânio é relativamente seguro em termos de radioatividade, mas precisa atender a importantes regulações ambientais e de segurança.
O físico explica que na mineração há "riscos de deposição de partículas radioativas e não radioativas sobre a cobertura vegetal", além de possíveis problemas de alteração da qualidade do ar e contaminação de mananciais. Esses riscos precisam ser observados em relação ao licenciamento do projeto.
Ainda sobre o risco da radioatividade, o pesquisador aponta que o maior risco está após o processo de enriquecimento do urânio — risco que aumenta após o uso nos reatores nucleares para a produção de energia.

"Para produção de energia, o urânio precisa passar por uma etapa importante, que é o enriquecimento isotópico, que eleva o percentual de 235U [isótopo do urânio] de 0,7% encontrado na natureza para 5%, necessário para o uso em reatores nucleares", detalha.

Senra explica que há dois processos de mineração de urânio, um quando ele é o minério principal e o outro quando é o minério secundário. "No depósito de Santa Quitéria, o urânio é o minério secundário agregado ao fosfato, que no caso é o minério principal", aponta o professor.

"Na mineração do urânio, quando ele é o minério principal, como é o caso da mina de Lagoa Real, em Caetité, na Bahia, a extração é feita em diversas etapas de um processo físico-químico. Depois de britado, o minério é disposto em pilhas e irrigado com solução de ácido sulfúrico para a solubilização do urânio contido nele", explica.

O professor acrescenta detalhes sobre as etapas de concentração do mineral:

"A concentração do urânio é realizada pelo processo de extração por solventes orgânicos, seguida da separação por precipitação, secagem e estocagem em tambores com concentrado de urânio."

© Folhapress / Rafael AndradeUsinas de energia nuclear Angra 1 e Angra 2, na praia de Itaorna, no município de Angra dos Reis, no sul do estado do Rio de Janeiro. O complexo nuclear da região vai crescer com a conclusão da usina de Angra 3
Usinas de energia nuclear Angra 1 e Angra 2, na praia de Itaorna, no município de Angra dos Reis, no sul do estado do Rio de Janeiro. O complexo nuclear da região vai crescer com a conclusão da usina de Angra 3 - Sputnik Brasil, 1920, 10.11.2022
Usinas de energia nuclear Angra 1 e Angra 2, na praia de Itaorna, no município de Angra dos Reis, no sul do estado do Rio de Janeiro. O complexo nuclear da região vai crescer com a conclusão da usina de Angra 3

Projeto pode gerar autossuficiência em urânio

O ex-presidente da INB lembra que a jazida em Santa Quitéria é conhecida desde a década de 1970 e que diversas tratativas foram realizadas para a exploração com empresas interessadas no fosfato até o acordo com a Galvani. Em relação ao urânio, o professor aponta que o volume de extração anual divulgado pelo consórcio na jazida de Santa Quitéria — 2,3 mil toneladas por ano — poderia fazer do Brasil autossuficiente.

"A produção, a princípio, de [cerca de] 2 mil toneladas/ano de Santa Quitéria tornaria o país autossuficiente na produção de urânio, além de aumentar a segurança de produção, uma vez que haverá duas minas em operação, a de Santa Quitéria e a de Caetité", aponta.

Segundo as estimativas do professor, esse volume de extração garantiria o funcionamento de diversas usinas nucleares no Brasil por décadas. Atualmente, apenas duas usinas operam no país.

"Somadas dariam para a operação das duas usinas nucleares de Angra dos Reis mais oito usinas nucleares do porte da usina Angra 2 por um período de 60 anos. E o excedente poderia ser exportado, mantidas as reservas previstas por lei", conclui.

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