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'Setor econômico como qualquer outro': como deve ser a regulação da mídia proposta por Lula

© Folhapress / Daniel MarencoCadernos de jornais impressos da Folha de S.Paulo em Barueri, interior do estado, em 21 de outubro de 2011
Cadernos de jornais impressos da Folha de S.Paulo em Barueri, interior do estado, em 21 de outubro de 2011 - Sputnik Brasil, 1920, 22.11.2022
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O grupo de trabalho de comunicações do gabinete de transição entre os governos de Jair Bolsonaro (PL) e do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), deve entregar seu primeiro relatório técnico na semana que vem. O documento será um diagnóstico das políticas públicas para o setor.
A Sputnik Brasil conversou com uma especialista na tentativa de entender no que pode se basear a regulação da mídia proposta por Lula em seu terceiro governo.
Algumas pistas do conteúdo que será apresentado na próxima semana foram dadas por uma das integrantes do grupo. A professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) Helena Martins escreveu em sua rede social o que deve nortear os primeiros passos das diretrizes de comunicação no país.
Uma das prioridades, segundo ela, é barrar os planos de privatização dos Correios e da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), propostos pela gestão governamental que se encerra no próximo mês.
Nos bastidores, a perspectiva é que a EBC, esvaziada nas gestões de Bolsonaro e de seu antecessor, Michel Temer (MDB), seja fortalecida como um canal do sistema público de comunicação, sobretudo ao se desfazer a medida do atual presidente, que fundiu a NBR (com perfil governamental) com a TV Brasil.
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Assunto polêmico, uma possível regulação da mídia é um debate que permeia o Brasil há décadas.
Os detratores são, em maior parte, os donos dos maiores meios de comunicação do país, todos eles contrários a quaisquer medidas.
No geral, o argumento envereda por uma eventual censura estatal às empresas de comunicação.
Entretanto, com variações baseadas em legislações próprias, boa parte dos países do mundo mantém seus marcos regulatórios — incluem-se aí os que se intitulam "grandes baluartes" da democracia e da imprensa livre e sem censura.

"A situação da comunicação no Brasil tem uma realidade de concentração das atividades em grupos privados, a maioria de propriedade familiar e que constantemente desrespeitam as regras que caracterizam o sistema brasileiro. As emissoras de rádio e de televisão do Brasil são concessões públicas e são violadoras, por exemplo, de direitos humanos, além de outras questões legais. Essa situação vai de encontro à informação e à comunicação como direitos fundamentais. Portanto, além de ser um setor econômico que precisa de regulação como qualquer outro, a mídia tem um forte componente de sua responsabilidade social e precisa ter normas mais claras de funcionamento", defende Samira de Castro, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).

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Ela explica que a federação entende a comunicação como um direito humano, "o direito que todas as pessoas têm de manter condições para se expressarem e serem produtoras de informação e fazer circular essa informação, seja ela opiniões ou produções culturais".
Portanto, argumenta, não basta apenas ter liberdade de expressão ou ter acesso a uma gama de informações: é preciso que o Estado e a sociedade adotem medidas para garantir que todas as pessoas possam exercer esse direito plenamente.

"Nesse sentido, a regulação das comunicações é uma pauta que a Federação [Nacional] dos Jornalistas defende como parte desse direito humano à comunicação", aponta, acrescentando que a Fenaj não conhece ainda os planos da próxima gestão de Lula para a questão.

Castro aponta que é necessária uma atualização do Código Brasileiro de Telecomunicações, que é de 1962, e de um arcabouço legal, que também está defasado por ter sido elaborado há décadas.

"É ainda uma herança do regime militar, e grande parte das concessões de rádio e televisão do Brasil são oriundas desse período, [...] bem como a necessidade de [se valer a] regulamentação do artigo 5º da Constituição Federal, que trata da necessidade de comunicação social. O capítulo 5º tem em seu artigo 220 a proibição da censura e do monopólio, no 221 há as exigências para a programação, no artigo 222 se estabelece que 70% do capital devem ser de brasileiros, no artigo 223 se fala da complementariedade dos sistemas público e privado, sob processo de outorga, e o artigo 224 cria o Conselho de Comunicação Social", elenca a presidente da Fenaj.

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Porém os artigos constitucionais precisam da forma da lei. A regulação da mídia passa, portanto, pela aprovação de legislações complementares à Constituição que norteariam as regras do sistema público de comunicação do Brasil, das outorgas e dos sistemas privado e estatal "dentro do processo de complementariedade", diz ela.

"É preciso regular os meios de comunicação para que reflitam a diversidade do país. Pela sua centralidade na formação cultural, esses meios de comunicação devem refletir todas as diversidades em suas facetas, como a variação regional, de gênero, étnico-racial, etária, religiosa, de orientação sexual, entre outras. Pelo seu impacto e capacidade de difusão, deve haver mecanismos de proteção aos vulneráveis, como crianças e adolescentes, além de combates às violações de direitos humanos na mídia."

Após o resultado oficial das eleições, em 30 de outubro, Lula anunciou as conferências do governo com a sociedade para realização de políticas públicas.

Então é preciso, e a Fenaj defendeu esta bandeira, que se realize uma nova Conferência Nacional de Comunicação [Confecom], visto que a de 2009 não teve nenhuma das suas propostas implementadas. Nada mais justo, em se tratando de elaboração de políticas públicas, que a sociedade civil organizada se colocar e colocar as suas demandas e propostas a partir do processo de escuta por meio das conferências municipais, estaduais e nacional de comunicação. É claro que essa é sempre uma luta muito difícil dentro do Congresso Nacional em todos os governos, inclusive em governos de centro-esquerda que o Brasil já teve. Mas é preciso que os movimentos sociais, que o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação [FNDC] tenham incidência e consigam pressionar o Congresso e o governo federal para que a gente consiga discutir minimamente uma política pública para a questão da comunicação no Brasil", aponta a presidente da federação.

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Segundo dados fornecidos por ela, 47% dos municípios brasileiros têm pelo menos um veículo de jornalismo.
Ao mesmo tempo, 53% dos municípios não têm um único veículo de comunicação, ou seja, não têm cobertura significativa da imprensa.
Esses locais envolvem pelo menos 29 milhões de habitantes, indica Castro.

"Precisamos regulamentar, dentro da Constituição Federal, para garantir essa diversidade de produção de notícias para acabar com os desertos de notícias, para implementar maior diversidade na produção artística e cultural, regionalizando essas atividades e garantindo, também, empregos para jornalistas e radialistas. Estamos falando de um setor econômico que tem um potencial enorme a partir dessa regulação. Inclusive para discussão de verbas publicitárias e de sua sustentação financeira", observa.

Por outro lado, mídias sociais também estão sob discussão de regulação, não só no Brasil como no mundo todo, inclusive no Ocidente, principalmente pela percepção de que elas não devem se guiar apenas pelos seus próprios termos e condições de uso.
Nos bastidores do grupo de transição do novo governo, o projeto de lei 2.708/2022, em trâmite na Câmara dos Deputados e que trata do assunto, é tido como limitado e insuficiente para lidar com a questão.
Até dezembro, um segundo relatório do grupo de trabalho que estuda medidas para a comunicação no Brasil durante o próximo governo deve ser apresentado.
O documento vai apontar as principais medidas para serem seguidas nos primeiros 100 dias de governo. A julgar pelas indicações da equipe de transição, tanto a questão de regulação da mídia tradicional quanto a de plataformas digitais estarão contempladas no planejamento.
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