Contrato entre Rússia e Brasil para fornecimento de urânio pode salvar a Amazônia Azul?
10:53 12.12.2022 (atualizado: 14:27 05.01.2023)
© Folhapress / Sérgio LimaConcentrado "Yellow Cake", produzido pela usina da Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB), durante análise no laboratório da empresa. O concentrado é resultado da aplicação de ácidos sobre o urânio em estado mineral
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A Internexco, subsidiária da estatal nuclear russa Rosatom, assinou neste mês um contrato para venda de urânio às usinas nucleares brasileiras a partir de 2023. Para além de questões envolvendo independência energética, analista consultado pela Sputnik Brasil explica como o acordo poderá ser fundamental para preservar a costa brasileira.
A costa brasileira tem 7,4 mil quilômetros, sendo que o Brasil tem sob sua jurisdição 3,5 milhões de quilômetros quadrados de espaço marítimo. A área, chamada de Amazônia Azul, é reconhecida internacionalmente por conta de suas riquezas naturais e minerais abundantes, que apenas o Brasil pode explorar economicamente.
Navegação, pesca, turismo, geração de energia renovável e, principalmente, extração de petróleo e gás fazem da faixa oceânica um território fundamental para a economia e soberania do país. A área da Amazônia Azul abriga as reservas do pré-sal (de onde se retira cerca de 85% do petróleo e 75% do gás natural produzidos no país), rende 45% do pescado nacional e propicia diversas rotas marítimas para escoamento de mais de 95% do comércio exterior brasileiro.
O Brasil já deixou claro ao mundo inteiro, por meio de diversas iniciativas na Organização das Nações Unidas (ONU), que rejeita o interesse estrangeiro na Amazônia Azul, sua zona econômica exclusiva (ZEE). O país faz pedidos à ONU para que haja garantia da soberania brasileira sobre o território, dado que a Marinha reconhece que o Brasil precisa de capacidades próprias de dissuasão para evitar concorrentes.
© Marinha do Brasil/ReproduçãoInfográfico da Marinha do Brasil mostra a dimensão da Amazônia Azul
Infográfico da Marinha do Brasil mostra a dimensão da Amazônia Azul
Para os militares brasileiros, apesar de o Brasil estar em uma área livre de grandes conflitos, é preciso estar preparado para o pior, pois a história mostra que se um Estado possui um bem valioso, pelo qual há cobiça ou demanda de outros atores, existe uma situação de insegurança por parte dessa nação. E é nesse sentido também, como aponta Inácio Loiola Pereira Campos, engenheiro nuclear da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que a parceria com a Rússia merece ser celebrada.
A Rosatom e o Brasil
Na última quarta-feira (7), a Internexco, subsidiária da estatal nuclear russa Rosatom, assinou um contrato para venda de urânio às usinas nucleares brasileiras a partir de 2023. Segundo a empresa russa, o contrato foi resultado de uma licitação internacional e é o primeiro acordo de longo prazo com o Brasil para fornecimento de produtos de urânio enriquecido da história da estatal russa.
Em uma primeira análise, as usinas nucleares de Angra dos Reis, Angra 1 e Angra 2, localizadas no estado do Rio de Janeiro, podem ser as maiores contempladas com o acordo. Elas têm capacidade elétrica instalada de 640 megawatts e 1.350 megawatts (MW), respectivamente, e, dado que a matriz nuclear do país responde atualmente por menos de 3% de toda a energia gerada, a tendência, sobretudo com a finalização de Angra 3, é que o segmento dê um salto.
Nesse sentido, vale lembrar que, em outubro, a Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional S.A. (Enbpar, empresa dirigente da Eletrobras Eletronuclear, construtora e operadora de usinas termonucleares) e a Rosatom assinaram um memorando de entendimento para aprofundar a cooperação em áreas como construção, operação e descomissionamento de novas usinas nucleares de alta capacidade baseadas em tecnologias russas no Brasil.
Os tratados estão sendo firmados, na avaliação de Inácio Loiola Pereira Campos, porque existe uma grande demanda internacional por energia, e o Brasil pode figurar como um país-chave nesse cenário ao se tornar um grande exportador de energia. A Rússia, por sua vez, também tem ganhos importantes ao estreitar os laços com o maior mercado da América Latina e um aliado internacional dentro da configuração do BRICS.
A chamada energia verde
Inácio Loiola Pereira Campos explica que "a energia nuclear, uma central termonuclear na verdade significa uma energia firme. O que é energia firme? É uma energia com a qual podemos contar [...] 24 horas por dia, ao contrário, por exemplo, das usinas a fio d'água e das centrais eólicas".
Além disso, a energia nuclear passou por diversas revisões de ambientalistas nas últimas décadas e, tendo sido reclassificada como uma energia limpa, revelou-se "muito benéfica para a sociedade". Seu modelo novo de usinas, com reatores menores, chamados de "small modular reactors" (reatores modulares pequenos), causam consideravelmente menos impacto ambiental, além de ter um custo menor.
"Com esse contrato [...] com o Brasil para fornecimento de urânio, a Rússia chegou ao maior mercado de produtos de urânio na América Latina. Ela tem convênio com a Argentina, com a Bolívia, mas a necessidade brasileira é muito, muito grande, porque o Brasil é um país de dimensão continental. A capacidade de produção de Angra 3 é de aproximadamente — a potência — 1.400 MW ou 1,4 GW [gigawatt], cerca de um décimo da capacidade de Itaipu", disse o especialista.
Segundo Inácio Loiola Pereira Campos, além do aumento da produção de energia nuclear que poderia ser usada para o desenvolvimento do Brasil, o contrato chega em um momento oportuno: em um mundo que demanda cada vez mais energia limpa, a Rosatom poderia ajudar a maior economia da América Latina a pular alguns anos no complexo cronograma científico para o enriquecimento de urânio.
A Rússia ajudará o Brasil a dominar as tecnologias de urânio?
De acordo com o engenheiro nuclear consultado pela Sputnik Brasil, o contrato permitirá ao Brasil queimar etapas no enriquecimento de urânio. "Se o Brasil tivesse que desenvolver na totalidade a sua necessidade de urânio enriquecido, nós levaríamos anos", disse ele, apontando que o urânio encontrado na natureza tem uma concentração do isótopo físsil (capaz de produzir energia) de apenas 0,7%.
"Quando nós utilizamos o urânio em uma usina nuclear para geração de energia elétrica, o grau de concentração é de aproximadamente 3%. Se for usado para propulsão naval, é na faixa de 20%. E o artefato nuclear — o explosivo — é na faixa de 90%. E como que isso é conseguido? Através do enriquecimento do urânio", disse.
Inácio Loiola Pereira Campos afirmou que "o Brasil desenvolveu ultracentrífugas que, em termos de enriquecimento, no mundo, é o sistema mais eficiente". Mas pelo fato de o Brasil estar "ainda, praticamente, iniciando o processo, faz-se necessário complementar com a compra em outros países".
Para o especialista, a Rússia, hoje, mostra-se um excelente parceiro pois faz parte do BRICS. "Isso é um fator que favorece esse tipo de negociação".
Ele definiu a assinatura do tratado entre a Rosatom e as usinas nucleares brasileiras como um "convênio guarda-chuva", que chega para acrescentar aos outros termos de cooperação entre os dois países. A cooperação russo-brasileira no campo nuclear é regida por um tratado assinado em 15 de setembro de 1994, sobre a cooperação de usos pacíficos da energia atômica.
Com o novo documento, diz o especialista, "nós [Brasil] temos também um alívio para a nossa produção de combustível, da necessidade de combustível nuclear. E, neste intervalo, nós podemos construir novas unidades de enriquecimento, porque nós teremos necessidade para o submarino de propulsão nuclear".
O Prosub e a Amazônia Azul
Falando a respeito da demanda pelo submarino nuclear do Brasil, Inácio Loiola Pereira Campos recorre ao argumento dos militares brasileiros sobre a importância de patrulhar a Amazônia Azul. Segundo ele, a ONU reconhece o território marítimo de exploração econômica exclusiva do Brasil desde que o país consiga defendê-lo. Para isso, "é imperioso que desenvolvamos meios de dissuasão".
Para Inácio Loiola Pereira Campos, qualquer debate sobre forças de dissuasão passa pela aquisição de conhecimento tecnológico. O especialista alerta que "o mundo mudou muito após a COVID-19 e com o conflito na Ucrânia".
Desde 2004, governos brasileiros reivindicam, na Comissão sobre os Limites da Plataforma Continental (CLCS, na sigla em inglês), a extensão dos direitos econômicos sobre a Amazônia Azul. A descoberta das reservas de petróleo no pré-sal fez o Brasil acelerar esse processo, temendo que as áreas adjacentes à ZEE brasileira passem a ser cobiçadas por outros países.
© Foto / Divulgação / Marinha do BrasilSubmarino Riachuelo, o primeiro do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), que prevê a produção de cinco navios do tipo, entre eles o primeiro submarino brasileiro convencionalmente armado com propulsão nuclear
Submarino Riachuelo, o primeiro do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), que prevê a produção de cinco navios do tipo, entre eles o primeiro submarino brasileiro convencionalmente armado com propulsão nuclear
© Foto / Divulgação / Marinha do Brasil
O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) já notificou o governo brasileiro do potencial de extração de metais com elevado valor econômico, como níquel, cobre, cobalto e manganês, localizados em grandes profundidades, em torno de 4 mil metros. O Exército intensificou sua atuação no espaço, fazendo constantes operações de monitoramento com suas embarcações.
No entanto será a partir do desenvolvimento do submarino nuclear brasileiro que a Marinha espera garantir a segurança da imensa costa do país. Com um orçamento estimado de R$ 35 bilhões, o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub) prevê a construção de cinco submarinos, sendo um deles com propulsão nuclear, no maior projeto de desenvolvimento de tecnologia militar das Forças Armadas em valores absolutos.
A superioridade dos submarinos com propulsão nuclear também é comprovada pelas distâncias e velocidades que alcançam. Enquanto os submarinos convencionais se deslocam a uma velocidade média de 11 quilômetros por hora, os com propulsão nuclear chegam a quase 65 quilômetros por hora.
Com uma fonte "virtualmente inesgotável" de energia, eles podem se deslocar para qualquer lugar em um curto espaço de tempo. Por sua mobilidade, o submarino com propulsão nuclear desafia os mais modernos sistemas de detecção da atualidade e por isso é considerado um dos meios navais mais eficientes na dissuasão, fundamental aos interesses brasileiros de proteger sua enorme plataforma continental.