Vingança de Arthur Lira sobre orçamento secreto não virá no 1º ano de Lula, diz especialista
12:43 30.12.2022 (atualizado: 13:06 30.12.2022)
© FolhapressArthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, abre sessão para votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que amplia benefícios em ano eleitoral. Brasília (DF), 31 de março de 2022
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Escolha de Arthur Lira para passar a faixa a Lula prova que o presidente da Câmara foi quem de fato governou o Brasil nos últimos anos. Saiba como foi o 2022 de Lira e o que esperar de sua relação com Lula em 2023.
O deputado federal e presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), é a figura mais cotada para passar a faixa presidencial a Lula, durante a cerimônia de posse do novo presidente, em 1º de janeiro.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) se negou a realizar o gesto e preferirá viajar para resort de luxo nos EUA, abrindo mão de governar o Brasil até o último dia de seu governo. Já o vice-presidente, Hamilton Mourão, optou por não passar a faixa à Lula, por temer ser "crucificado" pelos seus eleitores, reportou o portal UOL.
De acordo com a Constituição, o terceiro nome na linha de substituição presidencial é o presidente da Câmara dos Deputados, o que legitima a escolha de Lira para passar a faixa. Contudo, a lei não determina que essa linha sucessória seja aplicada à cerimônia de posse. A decisão final ficará a cargo do cerimonial do novo governo.
© Folhapress / Moacyr Lopes JúniorLuiz Inácio Lula da Silva (PT) ao lado de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), após receber a faixa presidencial no parlatório do Palácio do Planalto, em Brasília (DF), em 1º de janeiro de 2003
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao lado de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), após receber a faixa presidencial no parlatório do Palácio do Planalto, em Brasília (DF), em 1º de janeiro de 2003
© Folhapress / Moacyr Lopes Júnior
A ideia de convocar Arthur Lira para realizar uma função que deveria ser do presidente da República parece natural, se considerarmos o fortalecimento da influência do Congresso durante o governo Bolsonaro.
"O Arthur Lira teve um grande poder durante o governo Bolsonaro", disse a professora de Ciências Políticas da FGV Grazielle Testa à Sputnik Brasil. "Houve maior espaço para o Legislativo atuar na construção e execução de políticas públicas do que nos governos anteriores."
Arthur Lira se fortaleceu ao implementar o chamado "orçamento secreto", que garantiu ao Congresso e ao presidente da Câmara a gestão de parte considerável dos recursos federais e é considerado por muitos como um dos maiores esquemas de corrupção legalizada da história republicana.
Testa, porém, não acredita que a influência hipertrofiada de Lira durante o governo Bolsonaro tenha configurado um parlamentarismo de fato, como sugerem alguns cientistas políticos. Testa lembra que durante vários momentos o presidente Bolsonaro vetou matérias de interesse do Legislativo.
© Foto / Valdenio VieiraCerimônia Militar de Declaração de Aspirantes a Oficiais da Academia da Força Aérea, 8 de dezembro de 2022
Cerimônia Militar de Declaração de Aspirantes a Oficiais da Academia da Força Aérea, 8 de dezembro de 2022
© Foto / Valdenio Vieira
"Que fique bem claro que a palavra final [sobre o orçamento secreto] era do presidente da República, e não do presidente da mesa", notou Testa. "O motivo pelo qual [o orçamento secreto] funcionou de forma tão azeitada, é porque havia uma parceria bem construída entre Bolsonaro e Lira."
De fato, ao apagar das luzes do governo, Bolsonaro suspendeu o pagamento do orçamento secreto, demonstrando a sua influência decisiva na manutenção do esquema.
Lira na era Lula
A aprovação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de medidas que limitam o uso do orçamento secreto tende a diminuir o poder de Lira dentro do Congresso e seu poder de fogo contra o governo Lula 3.
"É provável que o Lira tenha menos espaço de atuação no governo Lula, que tende a fazer uma construção de governabilidade que envolve o Congresso na tomada de decisão", acredita Testa.
Segundo a especialista, o presidente da Câmara não poderá reagir a esta perda de poder tão cedo. O primeiro ano do governo Lula 3 deve ser de “lua de mel” com o eleitorado, dificultando uma vingança de Lira.
"Ao longo do mandato [de Lula], a tendência é que o presidente da República perca popularidade. Quando isso acontecer, pode ser que haja uma reação [...] de Lira, para tentar reaver o seu espaço", considerou Testa.
Por enquanto, o cenário aponta para um relacionamento harmonioso entre os dois líderes. Poucos dias após o voto final do STF, que derrubou as chamadas emendas do relator, Lira manteve sua promessa e auxiliou Lula a aprovar a PEC da Transição, em primeiro turno, com 23 votos a mais do que o necessário.
© FolhapressO presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL, à esquerda), conversa com o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), após almoço em Brasília (DF), em 9 de novembro de 2022
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL, à esquerda), conversa com o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), após almoço em Brasília (DF), em 9 de novembro de 2022
Segundo Testa, Lula almeja construir uma relação próxima com o Congresso, que poderá garantir a aprovação de "reformas estruturantes, como a tributária ou até administrativa, ainda no primeiro ano de governo".
Reeleição de Lira
A participação em uma cerimônia de posse, que será transmitida em rede nacional, garantirá palanque a Lira durante a corrida para sua reeleição à presidência da Câmara.
No entanto, ainda não está claro se o PT fornecerá essa verdadeira peça de campanha para Lira, nem se o presidente da Câmara terá mais protagonismo do que a cadela da primeira-dama, a vira-lata Resistência, que também subirá a rampa presidencial em 1º de janeiro.
© FolhapressO presidente Jair Bolsonaro (PL) e a primeira-dama, Michelle, descem rampa do Palácio do Planalto. Brasília, 17 de março de 2022
O presidente Jair Bolsonaro (PL) e a primeira-dama, Michelle, descem rampa do Palácio do Planalto. Brasília, 17 de março de 2022
Mesmo assim, o partido de Lula dá sinais de que manterá o seu apoio à candidatura de Lira, inclusive para recompensar o deputado pelo apoio à PEC da Transição.
"O apoio do PT à reeleição de Lira provavelmente foi um movimento para construir governabilidade e demonstrar boa vontade em relação ao parlamento", acredita Testa. "O PT sentiu que [...] os parlamentares queriam apoiar essa candidatura, e não quis se contrapor de cara a esse movimento."
A especialista lembra que garantir a governabilidade junto ao Congresso não será tarefa fácil para os petistas, que encaram “um Legislativo muito mais à direita do que o presidente eleito”.
"Eu entendo que o Lira ainda é o favorito nas eleições para a presidência da mesa", acredita Testa. "Ele já demonstrou que pode lidar com uma Câmara que tenha maioria governista, ainda que ele tenha apoiado o governo anterior."
© Jefferson RudyCongresso Nacional na inauguração da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura, em 3 de fevereiro de 2021
Congresso Nacional na inauguração da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura, em 3 de fevereiro de 2021
© Jefferson Rudy
De fato, a anuência do atual governo em receber Lira na cerimônia de passagem de faixa também sinaliza para um bom relacionamento entre o PT e o presidente da Casa, que tem influência significativa sobre todos os deputados do chamado "centrão".
"O Lira é parte relevante de um grupo que se denomina centrão, que tem como característica estar sempre próximo do governo e dos recursos", notou Testa. "Para manter o seu favoritismo, Lira precisará ceder em diversos pontos, principalmente para os partidos que tem bancadas relevantes, como o PL, o União Brasil e o MDB."
Por outro lado, a professora e pesquisadora no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) Michelle Fernandez acredita que o fim do orçamento secreto coloca em xeque as candidaturas para a presidência da Câmara e do Senado em 2023.
"Diante desse novo cenário de fim do orçamento secreto, as negociações com relação à presidência da Câmara e do Senado continuam em aberto", disse Fernandez à Sputnik Brasil.
Para a especialista, a dinâmica de negociações entre Lula e o Congresso, focada na formação dos ministérios e na PEC da Transição, se encerra em 31 de dezembro.
"A partir de 1º de janeiro começam novas movimentações para estabelecer as relações entre o governo entrante e o Congresso", considerou Fernandez. "Os apoios às eleições das presidências das duas casas será um evento nessa nova dinâmica de interação entre o Legislativo e o Executivo."
© Folhapress / Danilo VerpaO ex-presidente Lula durante 7º Congresso Nacional do PT realizado na Casa de Portugal, em São Paulo, 19 de setembro de 2019
O ex-presidente Lula durante 7º Congresso Nacional do PT realizado na Casa de Portugal, em São Paulo, 19 de setembro de 2019
© Folhapress / Danilo Verpa
Tanto Lira, quanto o candidato à reeleição para a presidência do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tentarão garantir o apoio de Lula às suas respectivas candidaturas.
Talvez por isso, o presidente do Senado já se dispôs a passar a faixa presidencial para Lula em 1º de janeiro, caso algum erro de percurso impeça Arthur Lira de cumprir a tarefa.
A transferência da faixa presidencial deve ocorrer neste domingo, 1º de janeiro, por volta das 14h20 do horário de Brasília. A cerimônia de posse é organizada pela coordenadora do cerimonial do presidente eleito, Janja da Silva, e deve contar com a participação de 60 artistas e de delegações internacionais de cerca de 120 países.