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Com Ministério dos Povos Indígenas, Lula eleva política indigenista a outro patamar, dizem analistas

© Divulgação / Ricardo StuckertSonia Guajajara toma posse como ministra dos Povos Indígenas ao lado de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Brasília (DF), 2 de janeiro de 2023
Sonia Guajajara toma posse como ministra dos Povos Indígenas ao lado de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Brasília (DF), 2 de janeiro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 06.01.2023
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A posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi marcada de simbolismos. Promovendo uma inovação no protocolo, o mandatário decidiu subir a rampa do Palácio do Planalto ao lado de pessoas que representavam a diversidade do povo brasileiro, e entre elas estava o cacique Raoni, de 90 anos.
A presença do histórico líder indígena na cerimônia deu mais uma indicação de que a pauta dos povos originários terá destaque na agenda de Lula. Para especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil, o foco na pauta indígena não se limita a simbolismos e se expressa em medidas concretas, como a criação do Ministério dos Povos Indígenas, comandado pela deputada eleita Sonia Guajajara (Psol-SP), e a revogação, logo no primeiro dia de governo, de decretos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que afetavam as terras indígenas. Outra decisão que agradou os movimentos foi a mudança do nome da Funai, que agora se chama Fundação Nacional dos Povos Indígenas.
Além da estrutura montada no Executivo, os movimentos indígenas conquistaram nas eleições de 2022 a ampliação da bancada no Congresso Nacional. Se em 2018 surgiu a primeira deputada federal indígena, Joenia Wapichana (Rede-AP), em 2022 a campanha indígena Aldear a Política, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), conseguiu eleger Guajajara e Célia Xakriabá (Psol-MG) para a Câmara dos Deputados. Além disso, outros três deputados eleitos se identificam como indígenas, Juliana Cardoso (PT-SP), Paulo Guedes (PT-MG) e Silvia Waipi (PL-AP).
Para o antropólogo Luis Roberto de Paula, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e um dos autores do livro "Participação Indígena em Eleições" (Mórula), a participação indígena em cargos políticos vem aumentando a cada eleição e tem um horizonte favorável.
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"É muito importante essa participação, e ela tende a se ampliar. Essa eleição mostrou que um maior foco, uma maior articulação regional para as próximas eleições poderá implicar em um aumento significativo dessa bancada. [...] Importante destacar que há um vento muito favorável, tanto em nível nacional quanto internacional, para que o protagonismo indígena dê certo, principalmente na gestão desses órgãos, como a Funai e o Ministério dos Povos Indígenas", afirmou De Paula.

"Duas deputadas federais no meio de 513 são capazes de fazer barulho, mas na eficácia das votações vão precisar do apoio mais expressivo de outros deputados, não só dos partidos que apoiam a pauta indígena, como PT, Psol e Rede. Vão ter que se articular com outros partidos para aprovar leis no Congresso ou barrar leis anti-indígenas no Congresso. Depende de uma ampla articulação que envolve toda a base governamental que o presidente Lula está construindo", completou o antropólogo.
Kleber Karipuna, secretário-executivo da APIB, disse à Sputnik Brasil que "a criação do ministério é uma conquista histórica para os povos, para o movimento indígena". O dirigente aponta que essa inovação na estrutura governamental promove "a elevação da política indigenista no Estado brasileiro para um patamar nunca antes visto". A novidade tem chamado atenção e fez com que a posse de Guajajara, prevista para a próxima terça-feira (10), fosse requisitada por diversas autoridades nacionais e internacionais, conforme informou reportagem de O Globo.

"A criação do ministério tem um impacto muito positivo em toda a política indigenista, até pela proposta de trazer o ministério como esse órgão do Executivo federal articulador, que consegue vincular debates com os outros ministérios que têm interferência direta e indireta", afirma Karipuna.

"A gente tem uma esperança muito grande de que esse terceiro mandato seja um mandato com muitas realizações e conquistas para a política indigenista. Estamos bem otimistas. Foi a primeira vez na história que o movimento indígena mergulhou no processo de transição de governo, ajudando a fazer um levantamento da situação da política indigenista, seja nas questões da saúde, da Funai, da proteção territorial, da educação", acrescentou o dirigente da APIB.
Esse cenário de ampliação da participação e garantia de espaços na estrutura decisória tem deixado o movimento indígena otimista.

"Com tudo que o presidente Lula vem falando, seja na campanha, seja no início do governo, a gente não tem nem sombra de dúvida de que vai ser um período de bastante conquistas. Mas, é claro, de enormes desafios, porque a gente precisa reconstruir coisas que foram destruídas", afirma.

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No entanto, para garantir essas conquistas, Karipuna aponta para a necessidade de uma atuação permanente do movimento indígena para garantir a adoção de uma política mais assertiva. "É necessário fazer uma discussão interligada entre Legislativo, Executivo e movimento indígena para o debate da política indigenista e garantia de direitos."
Entre os "desafios enormes" que o governo tem pela frente, segundo o dirigente da APIB, estão a retomada da política de demarcação de terras indígenas, a garantia da política de proteção territorial (em articulação com o Ministério da Justiça), o fomento da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) e a garantia de políticas de saúde indígena (em articulação com o Ministério da Saúde). Esses pontos foram listados no relatório feito pelo grupo técnico de povos indígenas do gabinete de transição de Lula.
De Paula disse ter se surpreendido com a adesão firme do governo Lula às reivindicações indígenas, mas não expressou tanto otimismo em razão dos desafios que enxerga pela frente.

"Me surpreendi com a veemência com que o governo Lula assumiu algumas bandeiras caras ao movimento indígena e parte de seus parceiros, em particular a presidência da Funai e [o comando] da Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena]. Minha expectativa era que o início do governo fosse marcado por um diálogo com o movimento indígena visando à construção de um plano de fortalecimento, recuperação e gestão compartilhada desses dois órgãos já consolidados da política indigenista nacional e duramente maltratados durante os últimos quatro anos", apontou.

Para o antropólogo, isso "abre espaço para o protagonismo radical do movimento indígena nacional em espaços de poder", que, segundo ele, "nunca foi colocado em prática desde 1500, nem pelos antigos governos petistas". Mas ele pondera que há a possibilidade de essa garantia de espaço acabar virando uma armadilha.
"Entretanto sabemos pela história que colocar lideranças vinculadas a movimentos sociais na gestão de órgãos públicos sem que tenha tido um diagnóstico profundo das demandas fundiárias prioritárias [...], para cumprir as demandas necessárias, pode vir a se tornar uma armadilha recheada de frustrações e desgastes a curto e médio prazo", apontou.
De Paula sustenta que o maior desafio segue sendo a questão da demarcação de terras indígenas e que isso não depende apenas da participação de indígenas no governo ou da criação do novo ministério — que ele avalia como uma incógnita.

"O tema mais politicamente sensível da administração estatal dos povos indígenas desde o início da colonização sempre foi a (não) resolução da demarcação completa das terras indígenas no país e, mais ainda, sua proteção integral contra invasões de terceiros. Atender plenamente a tais demandas não passa apenas pela presença de lideranças indígenas na gestão da Funai (ou do anunciado Ministério dos Povos Indígenas) ou pelo apoio do presidente Lula e de seu partido."

De Paula destaca que a Funai, que será comandada por Joenia Wapichana, "é uma caixa de ressonância de interesses nacionais (e, cada vez mais, internacionais) dos mais complexos, contraditórios e, diria, invisíveis, tamanha a dificuldade para mapear de onde vem a ordem para tocar adiante a demarcação de uma determinada terra indígena ou para sequer deixar que um grupo técnico de demarcação inicie outra".

"A atual amplitude da composição governamental não parece dialogar em nada com o justo entusiasmo exibido pelos indígenas e seus parceiros (nos quais me incluo) desde o anúncio de uma Funai para atender (exclusivamente?) a interesses indígenas. A ver, e torcendo para que minha avaliação preocupada esteja totalmente equivocada", reforçou o professor da UFABC.

Para que as demandas indígenas sejam de fato atendidas, tanto De Paula quanto Kleber Karipuna defendem uma recuperação e um fortalecimento da Funai, com uma reestruturação e uma ampliação orçamentária.

"As atribuições da Funai não são fáceis. A demarcação de terras é a mais complicada, a mais complexa. A gestão territorial e monitoramento é outra faceta dessa administração. Monitoramento, identificação de invasões, articulação com outros órgãos para impedir e retirar invasores... Outra coisa são as parcerias agrícolas que o governo Bolsonaro criou, trazendo para as terras indígenas o agronegócio. A gestão da Funai vai ter que lidar com esse tema, que é tenso. Há muitos povos que são contra, mas há outros que estão entusiasmados com essas iniciativas, particularmente pelo abandono do Estado em pactuar práticas sustentáveis com os povos, que tinham sido implementadas em outros governos", destaca De Paula.

O antropólogo ainda destaca que a recuperação da Funai deve contar com o apoio dos servidores que compõem a entidade. "A Funai tem mais de 3 mil funcionários espalhados pelo Brasil, grande parte comprometidos com a causa indígena, que ficaram rifados nesses últimos quatro anos e que agora estão altamente entusiasmados com a Joenia assumindo a presidência. [...] A Funai tem um papel estratégico [...] e pode subsidiar, e muito, a Joenia e o governo Lula", completou.
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