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Eventual aproximação entre América Latina, Rússia e China deve gerar reação dos EUA, dizem analistas

© AP Photo / Alex BrandonO presidente dos EUA, Joe Biden, durante reunião com o presidente sul-coreano, Yoon Suk-yeol, e o primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, durante a cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN, na sigla em inglês), em 13 de novembro de 2022
O presidente dos EUA, Joe Biden, durante reunião com o presidente sul-coreano, Yoon Suk-yeol, e o primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, durante a cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN, na sigla em inglês), em 13 de novembro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 23.01.2023
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Em recente declaração, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, sugeriu a criação de um bloco latino-americano e a aproximação com Rússia e China na defesa de um mundo multipolar. A Sputnik Brasil ouviu analistas para discutir a questão, o eventual impacto da proposta e o papel brasileiro nesse cenário.
No último dia 12, Maduro sugeriu, durante discurso na Assembleia Nacional, a formação de um "bloco político" de países latino-americanos e mencionou conversas sobre o tema com os presidentes da Argentina, Alberto Fernández, da Colômbia, Gustavo Petro, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Para o presidente venezuelano, a aproximação desses países, ao lado de Rússia e China, poderia fortalecer a ideia de um "mundo multipolar e multicêntrico".
© Sputnik / Magda Khibelli Presidente venezuelano, Nicolás Maduro durante coletiva de imprensa após reunião com o então vice-primeiro-ministro russo Yuri Borisov no palácio presidencial de Miraflores. Caracas, Venezuela, 16 de fevereiro de 2022
Presidente venezuelano, Nicolás Maduro durante coletiva de imprensa após reunião com o então vice-primeiro-ministro russo Yuri Borisov no palácio presidencial de Miraflores. Caracas, Venezuela, 16 de fevereiro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 22.01.2023
Presidente venezuelano, Nicolás Maduro durante coletiva de imprensa após reunião com o então vice-primeiro-ministro russo Yuri Borisov no palácio presidencial de Miraflores. Caracas, Venezuela, 16 de fevereiro de 2022
Embora nada oficial tenha sido anunciado, o novo governo brasileiro sinaliza uma política internacional de integração regional e fortalecimento do BRICS — que ensaia uma expansão que pode incluir a Argentina. A Sputnik Brasil ouviu especialistas para discutir os limites e as possibilidades em torno de um eventual alinhamento entre os países latino-americanos, Moscou e Pequim.
Para o pesquisador em relações internacionais Diego Pautasso, autor do livro "China e Rússia no Pós-Guerra Fria", não há dúvidas de que a liderança do Brasil na integração regional constitui "um dos polos possíveis da formação de um mundo multipolar". "É a tendência que se configura neste quadro de transição sistêmica", afirma em entrevista à Sputnik Brasil.
Já Robson Cardoch Valdez, pesquisador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos (NEL) da Universidade de Brasília (UnB), aponta que a integração regional já vinha se formando desde as gestões petistas anteriores. Nesse sentido, Valdez destaca a criação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), em 2008 — que deve ser fortalecida durante o novo governo Lula —, mas alerta sobre uma mudança de cenário no atual momento. Para ele, a principal via formal de aproximação do bloco latino-americano já está de certa forma institucionalizada no BRICS.

"A tentativa de construção de um bloco multipolar latino-americano ao lado de Pequim e Moscou, no contexto atual, traria uma complicação a mais, porque já é sabida a influência na América Latina da China e da Rússia, e, de forma mais consolidada, institucional, isso traria uma preocupação maior para os Estados Unidos", avalia Valdez em entrevista à Sputnik Brasil.

Articulação local deve gerar reação de Washington

Na avaliação de Pautasso, apesar de haver um "declínio relativo" da influência internacional dos EUA, o poder da Casa Branca não deve ser subestimado. "Os EUA ainda gozam de uma capacidade muito grande de impor soluções de força globalmente", afirma.

"Nesse sentido, a integração sul-americana sob liderança brasileira e uma crescente articulação com Rússia e China certamente serão objeto da reação norte-americana nos mais variados planos", afirma o pesquisador.

© Folhapress / Divulgação / Ricardo StuckertO então presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (à direita), com o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan
O presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (à direita), com o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan - Sputnik Brasil, 1920, 22.01.2023
O então presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (à direita), com o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan
Robson Valdez vai na mesma direção e ressalta o fato de que declarações e documentos oficiais norte-americanos nos últimos anos apontam Moscou e Pequim como adversários. Para ele, os EUA poderiam se colocar "frontalmente contra" uma articulação regional latino-americana em prol de adversários declarados da Casa Branca.

"Quando você tenta promover, por exemplo, um bloco, uma visão multilateral, com uma visão de ampliar a multipolaridade do sistema internacional aqui na América Latina trazendo esses dois proeminentes já consolidados adversários dos EUA, China e Rússia, você acaba indo de encontro ao que vem propondo os EUA, que é isolar a Rússia", aponta Valdez, para quem uma primeira reação norte-americana seria uma "desmobilização individualizada" dos países da região para tentar evitar essa aproximação.

Brasil pode ser o 'elo' entre mundo desenvolvido e em desenvolvimento

Desde a campanha presidencial, Lula tem sinalizado ao mundo a intenção de investir na integração regional e no fortalecimento do BRICS. As primeiras ações do chanceler brasileiro, Mauro Vieira, como a reinserção do Brasil na Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e um discurso de inauguração com promessas de liderar a região, confirmam a tendência.
Apesar desse posicionamento, o governo brasileiro não deve adotar uma postura de confronto em relação a Washington. Desde a eleição de Lula, o governo norte-americano tem demonstrado apoio ao novo presidente brasileiro em meio às turbulências políticas internas, como as invasões em Brasília no início do mês. Lula já tem uma visita a Washington marcada para o dia 10 de fevereiro, quando deverá se encontrar com o presidente norte-americano, Joe Biden. Para Pautasso, o Brasil deve exercitar seu poder de "barganha" nas relações com os EUA.

"Conforme Lula tem indicado, o Brasil tem que, por um lado, se afirmar como um polo no mundo multipolar, em parceria com os demais membros do BRICS, e, por outro lado, precisa de fato exercer uma barganha com os países centrais, sobretudo os da União Europeia e os EUA. A qualidade da inserção brasileira diz respeito ao grau de autonomia, ao grau de barganha e à leitura correta das tendências internacionais de transição de poder", avalia Pautasso.

© Folhapress / Ton MolinaMauro Vieira, ministro das Relações Exteriores
Mauro Vieira, chanceler do Brasil - Sputnik Brasil, 1920, 22.01.2023
Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores
Para o pesquisador, a liderança de Lula, ao lado da dimensão econômica e territorial do Brasil, dá condições ao país para exercer protagonismo internacional.

"É bom lembrar que foi o país que impulsionou a própria constituição do BRICS. O recuo e a desarticulação da sua política externa sob [o governo do ex-presidente brasileiro Jair] Bolsonaro obviamente foi um momento passageiro. Portanto o Brasil deve reconstituir a sua atuação internacional", conclui.

© AFP 2023 / Evaristo SáLula discursa durante reunião com parlamentares no Palácio do Planalto, em Brasília, em 11 de janeiro de 2023
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, discursa durante reunião com parlamentares no Palácio do Planalto, em Brasília, em 11 de janeiro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 22.01.2023
Lula discursa durante reunião com parlamentares no Palácio do Planalto, em Brasília, em 11 de janeiro de 2023
Para Valdez, o Brasil deve aproveitar que tem uma característica de manter boas relações de diálogo tanto com o que classificou de "países centrais do Ocidente" — EUA, Canadá e União Europeia — como com os do chamado Sul Global.
O pesquisador salienta que o Brasil é visto como um protagonista em temas comuns à maioria dos países, como a agenda climática e de combate à fome, e pode usar isso a seu favor nas relações internacionais. Para Valdez, essa posição faz do Brasil um elo entre países em diferentes estágios de desenvolvimento.

"Acredito que o Brasil neste terceiro mandato do Lula pode construir uma agenda de conciliação naquilo que seja possível encontrar conciliação [...]. Há uma agenda de desafios comuns com o mundo em desenvolvimento e o mundo dos países menos desenvolvidos. Então acredito que é uma oportunidade para se fazer presente nesse contexto, principalmente de criação de um bloco multilateral", conclui.

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