Analistas: Alemanha sonha em conter Rússia e China na África por medo de virar 'ator de 2ª classe'
11:27 19.02.2023 (atualizado: 11:30 20.02.2023)
© AP Photo / Lukas BarthO presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa (à esquerda), e o chanceler alemão, Olaf Scholz, apertam as mãos enquanto participam de reunião bilateral à margem da cúpula dos líderes do G7 no resort bávaro Schloss Elmau, em Kruen, perto de Garmisch-Partenkirchen, na Alemanha, em 27 junho de 2022
© AP Photo / Lukas Barth
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Pesquisadores apontaram o que está por trás do interesse da Alemanha na África, enquanto Berlim e seus parceiros europeus se esforçam para tentar combater a presença russa e chinesa no continente africano.
Considerável parte dos ministros de Relações Exteriores de países da União Europeia (UE) reconhece que as relações da Europa com a África poderiam, e deveriam, ser melhores.
Em janeiro, a ministra para Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha, Svenja Schulze, tornou público esse sentimento ao propor uma nova estratégia para a África. Ela observou, na época, que Berlim e UE há tempos não figuram em uma parceria importante com os países africanos.
Enquanto isso, é notório o envolvimento de China, Turquia e Rússia com diversos Estados do continente, por meio de parcerias econômicas, industriais, militares e, sobretudo, no âmbito da infraestrutura.
© Sputnik / Sergei KarpuhinO chanceler alemão, Olaf Scholz, participa de cerimônia de colocação de coroas de flores no túmulo do soldado desconhecido perto do muro do Kremlin, em Moscou, na Rússia
O chanceler alemão, Olaf Scholz, participa de cerimônia de colocação de coroas de flores no túmulo do soldado desconhecido perto do muro do Kremlin, em Moscou, na Rússia. Foto de arquivo
© Sputnik / Sergei Karpuhin
Para o episódio da última sexta-feira (17) do podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, Melina Saad e Thaiana de Oliveira entrevistaram Kai Michael Kenkel, pesquisador visitante no Dartmouth College (EUA) e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), e Estevão Chaves de Rezende Martins, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB).
Eles falaram sobre a tentativa da Alemanha de retomar a influência europeia na África, enquanto o mundo passa por profundas transformações geopolíticas, sobretudo nas cadeias de abastecimento e no âmbito energético.
Todos querem estar na África
A maioria dos países da Europa entende que o continente africano terá um grande "peso geopolítico" no século XXI, tornando-se uma das regiões mais importantes do mundo por sua ampla gama de recursos.
Países de todas as partes olham com atenção para os desenvolvimentos políticos na África, de olho em insumos para abastecer suas indústrias, mercados e outras potencialidades. Para o Ocidente, o continente africano é encarado como uma arena de competição por parcerias e riquezas.
Nesse cenário, a cooperação entre países africanos e potências como China e Rússia — como evidenciada nos exercícios navais em conjunto com a África do Sul e nas recentes visitas do chanceler russo, Sergei Lavrov, à região — é considerada um grande problema por parte dos governos europeus e norte-americano.
Conforme explicou Kai Michael Kenkel, a Alemanha também está interessada nos recursos que existem no continente. Para ele, é natural que Berlim precise repensar sua aproximação com países que serão fundamentais para garantir recursos minerais e energéticos no futuro, pois esse é o caminho que as grandes potências estão traçando.
"Grandes países têm esses interesses, seja pelo fator econômico, seja por uma política externa regida pelos direitos humanos. A questão é aprender o que aconteceu com o colonialismo para que não se repita", disse.
O professor da UnB, Estevão Chaves de Rezende Martins, apontou que essa tentativa alemã "se acelerou nos últimos tempos, procurando tornar o país um ator internacional mais presente para além do território europeu".
Ele observou que como os EUA desejam e entendem que o cenário geopolítico em um futuro próximo será dividido entre duas potências, China e Estados Unidos, os países da UE precisam se posicionar, ou serão relegados dentro dessa nova organização global.
Martins comenta que Rússia e China "são os maiores parceiros da África desde 1970". Embora a China tenha fornecido mais dinheiro recentemente, por meio de muitas obras, ele aponta que "a presença da URSS [União Soviética] era extremamente grande" em vários aspectos, mas principalmente no auxílio ao combate ao colonialismo europeu.
Essa herança russa é um dos obstáculos que alemães e outros europeus querem superar para tentar aumentar sua presença na África. E, segundo Kai Michael Kenkel, se a Europa não conseguir fazer isso, "será um ator de segunda classe" dentro dos próximos anos.
A maior crise energética da zona euro?
Quando o assunto é a política externa europeia para a África, existem muitos interesses por trás das estratégias de cada país para se aproximar do continente. Sem dúvida existe preocupação com o fato de Europa e África estarem em lados opostos em reiteradas votações na Organização das Nações Unidas (ONU), como no caso do conflito ucraniano.
Além disso, no caso alemão, existe o agravante de o país estar enfrentando a maior crise energética da zona euro, como apontou Estevão Chaves de Rezende Martins. Segundo ele, a questão econômica é preocupante, com "crise de inflação" e aumentos nos preços da energia e de alimentos.
"A Alemanha é dependente da Rússia [no setor de energia] e colocou-se em uma saia justa, principalmente agora que a economia do país passou por um processo de reorganização para depender do gás russo, com apoio aos gasodutos Nord Stream [Corrente do Norte]", disse.
O problema, explica o analista, é que ninguém poderia prever o conflito ucraniano e todas as consequências quando a Alemanha decidiu desligar suas usinas nucleares. Diante da crise e do impasse político no país, a solução de Berlim ao boicotar a energia russa foi recorrer ao poluente carvão durante o rigoroso inverno europeu, indo no caminho contrário da sua proclamada agenda sustentável.
Na avaliação do especialista, existem outros problemas além do conflito que agravam o estado de incertezas. Ele observou que o governo alemão teve problemas durante a pandemia de COVID-19 com as crises nas cadeias de abastecimento, que tiveram grande impacto sobre a sua indústria.
© AP Photo / Michael ProbstEscavadeira de roda de balde extrai carvão na mina Garzweiler, em Luetzerath, na Alemanha, em 2 de novembro de 2022
Escavadeira de roda de balde extrai carvão na mina Garzweiler, em Luetzerath, na Alemanha, em 2 de novembro de 2022
© AP Photo / Michael Probst
"A situação energética da Alemanha é a mais crítica comparada à de outros países, que têm uma matriz de energia mais diversificada. A Alemanha fica no norte da Europa e precisa de muita energia durante o inverno", comentou.
O analista observou que "essa crise de agora é das mais sérias", porque o governo do país adotou um sistema para banir usinas nucleares, e com o retorno das usinas de carvão, acompanhadas por ordens de despejo, o país passou a conviver com conflitos internos recorrentes.
Enquanto o seu Partido Verde busca convencer seu eleitorado de que não há alternativa para agora que não seja o poluente carvão, "a crise energética pode virar uma recessão". Para Estevão Chaves de Rezende Martins, a solução alemã passa por outras soluções: o fim do conflito na Ucrânia e a expansão das relações com produtores de gás africanos.