Setor nuclear brasileiro quer Frente Parlamentar para combater fake news, diz presidente da ABDAN
© Rodrigo Soldon/FlickrUsina Nuclear de Angra dos Reis
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Frente Parlamentar nuclear no Congresso quer melhorar imagem do setor e desassociá-lo de vez das bombas de Hiroshima e Nagasaki e do acidente de Fukushima. Em entrevista à Sputnik Brasil, o presidente da ABDAN, Celso Cunha, fala sobre cooperação com a estatal russa Rosatom e papel da Marinha nesse setor-chave para o desenvolvimento brasileiro.
No dia 14 de março, a Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAN) promoverá o evento Nuclear Communication, com o intuito de debater a percepção da opinião pública sobre o esse setor-chave da economia nacional.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o presidente da ABDAN, Celso Cunha, reconheceu que o setor nuclear ainda lida com entraves de comunicação e imagem junto à sociedade civil.
"O mundo foi apresentado ao setor nuclear por meio de duas bombas, que destruíram duas cidades [Hiroshima e Nagasaki, no Japão, em 1945] e todos os seus habitantes", disse Cunha à Sputnik Brasil. "Muitos anos se passaram, mas o impacto desses eventos continua."
Segundo ele, apesar das evidências científicas, a opinião pública segue cética quanto às vantagens da energia nuclear perante outras fontes, como a termoelétrica, ou mesmo eólica e solar.
"A energia nuclear é menos perigosa em termos de irradiação de particulados radioativos do que a eólica ou a solar, que geram alta irradiação durante o processo de extração de minerais necessários para a sua produção a partir de terras raras", considerou Cunha. "Não que as demais fontes sejam ruins, cada uma tem seus prós e contras."
© IMGUREnergia eólica
Energia eólica
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Durante o encontro Nuclear Communication, a Associação promete divulgar pesquisa inédita com moradores da região de Angra dos Reis sobre a construção de novas usinas nucleares.
"Não vou dar todos os números, só um spoiler: cerca de 76% da população da região de Angra tem boa aceitação em relação às atividades nucleares", disse Celso Cunha. "O engraçado é que esse número cai um pouco conforme a pesquisa afasta de Angra, mostrando que aqueles que estão de perto e realmente conhecem são mais favoráveis às atividades nucleares do que aqueles que estão longe e não conhecem."
Além do desconhecimento sobre a segurança e sustentabilidade do setor nuclear, a opinião pública brasileira também é cética quanto aos custos para a construção de novas usinas. A construção da usina de Angra 3, por exemplo, ainda consumirá cerca de R$ 17 bilhões dos cofres públicos, de acordo com a estimativas da Eletronuclear.
Para Celso Cunha, no entanto, o investimento é compensado pela estabilidade da geração de energia nuclear, que geraria confiabilidade a todo o sistema.
© Divulgação / EletronuclearUsina nuclear Angra 1, à esquerda, e usina nuclear Angra 2, à direita (foto de arquivo)
Usina nuclear Angra 1, à esquerda, e usina nuclear Angra 2, à direita (foto de arquivo)
© Divulgação / Eletronuclear
"Não podemos comparar abacaxi com chuchu. As fontes eólica e solar estão sujeitas a intempéries e são intermitentes. Já a nuclear é uma energia de base, e seus custos devem ser comparados aos das termoelétricas, gás natural e carvão. E nessa comparação vemos que a única que não emite CO2 é a nuclear", asseverou Cunha.
Para aprimorar o esforço de comunicação do setor nuclear, a ABDAN está empenhada em formar uma Frente Parlamentar Mista de Tecnologia e Atividades Nucleares (FPN) no Congresso Nacional, sob a liderança do deputado federal Júlio Lopes (PP-RJ). Segundo Cunha, o projeto já reuniu 103 das 198 assinaturas para que a frente entre em vigor.
© Folhapress / John MinchilloFachada do Congresso Nacional, em Brasília, 22 de outubro de 2022
Fachada do Congresso Nacional, em Brasília, 22 de outubro de 2022
© Folhapress / John Minchillo
"Esperamos que até maio estejamos com a Frente Parlamentar trabalhando a todo vapor", disse Cunha. "Nosso evento [Nuclear Communication] será o primeiro rufar dos tambores, como nas escolas de samba, que aquecem o couro para juntar as pessoas."
Combinar com os russos
O evento da ABDAN reunirá participantes de empresas como Eletronuclear, Indústrias Nucleares Brasileiras (INB) e da estatal russa Rosatom, que tem papel relevante no desenvolvimento do setor nuclear brasileiro.
"Colaboramos com a Rosatom assim como colaboramos com outras empresas internacionais", declarou Celso Cunha. "O Brasil já definiu sua posição internacional, e nós agimos de acordo com a política do nosso governo."
No ano passado, a estatal russa assinou memorando de entendimento com a ENBPar, empresa brasileira responsável pelo setor nuclear, para aprofundar a cooperação em áreas como operação e construção de novas usinas nucleares no Brasil.
© Foto / Ekaterian Lyzlova Participantes passam pelo estande da empresa estatal russa Rosatom, no Fórum Internacional AtomExpo, Sochi, Rússia, 21 de novembro de 2022
Participantes passam pelo estande da empresa estatal russa Rosatom, no Fórum Internacional AtomExpo, Sochi, Rússia, 21 de novembro de 2022
© Foto / Ekaterian Lyzlova
"A Rosatom é a maior fornecedora de radioisótopos para o Brasil, e não podemos deixar a população sem diagnóstico e tratamento", considerou o presidente da ABDAN.
Governo Lula
Apesar do ceticismo de alguns grupos da sociedade brasileira quanto ao empenho do governo Lula 3 na esfera nuclear, o Executivo já deu sinais de comprometimento com o setor.
Em fevereiro, o governo relançou o projeto do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), essencial para a produção de radioisótopos de uso medicinal em tratamento e diagnóstico de doenças graves, como o câncer.
"Estamos confiantes de que os recursos para o projeto serão entregues, conforme anunciado pela ministra [da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos] tanto no Brasil, quanto na Argentina", declarou Cunha.
O Reator Multipropósito será construído na região da base da Marinha brasileira de Aramar, em Iperó, no estado de São Paulo. O local revela a centralidade da Marinha brasileira no programa nuclear brasileiro como um todo.
© Foto / Divulgação / Marinha do BrasilSubmarino Riachuelo, o primeiro do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), que prevê a produção de cinco navios do tipo, entre eles o primeiro submarino brasileiro convencionalmente armado com propulsão nuclear
Submarino Riachuelo, o primeiro do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), que prevê a produção de cinco navios do tipo, entre eles o primeiro submarino brasileiro convencionalmente armado com propulsão nuclear
© Foto / Divulgação / Marinha do Brasil
"O setor nuclear do Brasil nasceu com a Marinha, temos que reconhecer isso", considerou Cunha. "E essa foi a única instituição que nunca parou de pesquisar e desenvolver tecnologia nuclear."
A principal conquista brasileira no setor nuclear foi a obtenção da tecnologia do ciclo completo de produção de combustível nuclear e o desenvolvimento de uma centrífuga de tecnologia nacional, graças ao trabalho de figuras da Marinha, como o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva.
"As centrífugas brasileiras são construídas pela Marinha e [seu design] é um segredo de Estado, que acredito estar bem guardado com esta instituição", notou Cunha.
Atualmente, a Marinha segue como ator-chave no desenvolvimento da atividade nuclear brasileira, ao comandar a construção do submarino nuclear brasileiro, o PROSUB. Durante reunião com comandantes militares em janeiro de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reafirmou seu compromisso com o projeto, que deve custar mais R$ 2,5 bilhões aos cofres públicos.
"A Marinha tem a necessidade clara e correta de desenvolver a propulsão nuclear, até porque o transporte marítimo é um dos setores mais poluidores do mundo", disse Cunha.
O presidente da ABDAN ainda atestou o caráter pacífico do programa nuclear da Marinha, lembrando que o Brasil aderiu ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) e proíbe a pesquisa e desenvolvimento de armamentos nucleares no seu texto constitucional.
No dia 14 de março, a Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAN) promoverá o evento Nuclear Communication, em parceria com a Eletronuclear, na Casa Firjan, no Rio de Janeiro. A ABDAN atua há mais de três décadas no Brasil, reúne mais de 30 empresas do setor nuclear e possui acordo de cooperação com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).