Desdolarização avança por insatisfação global com 'capitalismo de cassino' dos EUA, diz Pepe Escobar
© AP Photo / Mark LennihanO trader Gregory Rowe trabalha na Bolsa de Valores de Nova York (foto de arquivo)
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Na visão do jornalista, a desdolarização "é uma bola de neve gigantesca no mundo inteiro", a qual "não conseguimos nem acompanhar", ressaltando que será "muito importante o que vai ser discutido na cúpula do BRICS na África do Sul", uma vez que esse será "o momento de encruzilhada em que as coisas vão acontecer."
Em entrevista à Sputnik, o analista geopolítico e jornalista veterano Pepe Escobar disse que, no âmbito do processo de desdolarização, a velocidade em que o movimento está acontecendo ocorre devido ao crescente descontentamento global com o "capitalismo de cassino" dos Estados Unidos.
"Se você quiser analisar os padrões das últimas duas décadas, precisa entender o fato de que, se você é rico em commodities e se é uma nação capitalista produtiva e decide emitir uma moeda, ela será respeitada internacionalmente porque as pessoas saberão que é baseado em fatos, proveniência real, riqueza real. [Mas] Isso é contrário ao sistema que temos agora, que venho chamando de 'capitalismo de cassino' há anos. São futuros, são apostas, são suposições. Pode dar certo ou errado. Se você perder, você perde tudo. A casa quase sempre ganha porque a casa é quem imprime a moeda. É apoiado por nada, literalmente, por um país que deve US$ 30 trilhões [R$ 149 milhões] [em dívida nacional] agora e nunca será capaz de pagá-lo", afirmou o jornalista.
Ao mesmo tempo, a atual crise bancária dos EUA ameaça desestabilizar ainda mais os mercados financeiros internacionais. Nenhum país do mundo quer "pegar um resfriado" quando a economia norte-americana "espirra", enquanto as lembranças da crise financeira de 2008 persistem.
"Eles dizem: 'Olha, por que temos que nos sujeitar a esse tipo de arranjo?' E claro, antes, como todos sabemos, foi 'o império das bases', mais de 800 bases militares em todo o mundo, 'o poder dos mercados financeiros', 'o poder da cultura branda', 'o poder da cancele a cultura', mas o Sul Global não está mais intimidado. Acho que esta é a primeira [vez] neste novo milênio. Nunca tivemos isso antes nos últimos dois séculos e meio, pelo menos", disse Escobar.
O analista explana acima sobre o número crescente de países do Sul Global estava fazendo as contas e concluindo que o dólar não era uma aposta seguir.
Isso ficou bem claro na viagem do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, à China em abril, quando em seu discurso o mandatário brasileiro questionou o uso do dólar em transações comerciais e indagou "por que não podemos fazer o nosso comércio lastreado na nossa moeda? Quem é que decidiu que era o dólar?".
BRICS, Organização de Cooperação de Xangai e União Econômica da Eurásia
Para Escobar, a formação e o desenvolvimento das três organizações – BRICS, Organização de Cooperação de Xangai (SCO) e a União Econômica da Eurásia – predeterminaram o fim da ordem mundial centrada no dólar. "Podemos até estabelecer uma data para isso", disse o jornalista.
"Em fevereiro do ano passado, com o congelamento, confisco e roubo das reservas estrangeiras russas, o Sul Global – praticamente como um todo – começou a se perguntar da América Latina à África e ao Sudeste Asiático: 'Se eles podem fazer isso com uma superpotência nuclear, eles podem fazer isso com qualquer um de nós estalando os dedos'. É por isso a coordenação dentro dessas organizações multilaterais e em outros fóruns ganhou velocidade astronômica", explicou.
Para ilustrar seu ponto, Escobar se referiu ao rápido desenvolvimento do BRICS com impressionantes 19 países atualmente na lista para ingressar na organização.
Entre eles, os candidatos mais fortes são Irã, Argentina, Argélia, além dos Emirados Árabes Unidos, Turquia, Egito, Cazaquistão e Indonésia.
"[...] Portanto, todos esses são fortes poderes de nível médio de qualquer lugar, e eles vão começar a discutir a agora notória moeda alternativa do BRICS. Eles têm que acelerar essa conversa e esperemos que eles comecem a discuti-la em conjunto à União Econômica da Eurásia, que é muito mais avançada, e à Organização de Cooperação de Xangai", afirmou.
Petroyuan
Ao mesmo tempo, o jornalista chama atenção para chegada do petroyuan. Durante décadas, o petróleo bruto foi negociado em dólares americanos. No entanto, o petrodólar pode ser destronado em breve.
No ano passado, Pequim pediu aos líderes do Golfo que fechassem seus acordos de gás e petróleo com a China em yuan. Os EUA e a China continuam sendo os dois maiores consumidores mundiais de petróleo, usando 18,7 milhões e 15,4 milhões de barris por dia, respectivamente. Os acordos de energia em yuan podem ser um duro golpe para moeda estadunidense.
"Estamos a caminho de algo que nem mesmo os melhores analistas financeiros americanos que acompanham esta história poderiam imaginar. [...] Agora, a única coisa que falta, é a delegação chinesa ir a Riad e dizer: 'Ok, de agora em diante tudo será em yuan, nada mais de moedas ocidentais'. E já temos um mecanismo para isso", disse o jornalista.
Escobar recorda que ao comprar "futuros de petróleo na Bolsa de Xangai com preços em yuan, cria-se um novo benchmark".
"Com esse benchmark de petróleo em yuan que você negocia em Xangai, os chineses dizem: 'Olha, também está vinculado ao ouro. Você quer trocar yuan por ouro? Simples. Temos uma bolsa de ouro aqui em Xangai e outra aqui em Hong Kong. Você pode negociar quanto quiser por ouro.' Este é o caminho. É extremamente simples. Mas poucas pessoas estão cientes disso. Apenas alguns economistas, na verdade. Aliás, eu não vi essa discussão na mídia americana."
Isso não significa, porém, que o dólar será substituído pelo yuan: em vez disso, todo um conjunto de moedas será usado para acabar com a hegemonia do dólar, segundo o analista geopolítico.