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Amizade ou interesse? Reflexões sobre as relações entre Brasil e China

CC BY 2.0 / Palácio do Planalto / Ricardo Stuckert / Presidentes da China, Xi Jinping, e do Brasil, Luiz Inácil Lula da Silva, durante encontro oficial no Grande Palácio do Povo, Pequim, China, 14 de abril de 2023
Presidentes da China, Xi Jinping, e do Brasil, Luiz Inácil Lula da Silva, durante encontro oficial no Grande Palácio do Povo, Pequim, China, 14 de abril de 2023  - Sputnik Brasil, 1920, 11.08.2023
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Nas últimas décadas, Brasil e China adotaram uma relação política e comercial bastante próxima. A China é a principal parceira comercial brasileira desde 2010, e suas relações bilaterais com o Brasil foram elevadas ao status de uma "parceria estratégica abrangente", um verdadeiro marco na política externa de Pequim para a América Latina.
A importância da região para os chineses é notória. Afinal, o presidente Xi Jinping visitou a América Latina mais de cinco vezes desde que assumiu o poder em 2013 e, antes disso, as relações entre a região e Pequim adquiriram um caráter cooperativo baseado nos princípios de igualdade, benefícios mútuos e desenvolvimento comum.
Em 2018 e 2019 (antes da pandemia), o comércio bilateral sino-latino-americano ultrapassou US$ 215 bilhões e US$ 211 bilhões consecutivamente, ao mesmo tempo em que a China se tornou a segunda maior parceira comercial geral do continente; enquanto isso, a América Latina tornou-se o segundo maior destino para investimentos de empresas chinesas, hospedando mais de 2.500 companhias de capital chinês.
Em termos de cultura e turismo, a China estabeleceu 40 Institutos Confúcio em 21 países da América Latina e Caribe, além de cinco voos diretos com Estados latino-americanos. Não bastassem esses números, mais de 120 universidades chinesas abriram cursos de espanhol, quase 40 universidades chinesas estabeleceram cursos de português e cerca de 60 outras instituições acadêmicas criaram centros de pesquisa latino-americanos.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante reunião de relançamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), em 6 de julho de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 24.07.2023
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Diante desse contexto, fica claro que o estabelecimento de boas relações com o Brasil (maior país da América Latina em termos econômicos e territoriais) se tornou fundamental para a política externa da China na região. Historicamente, China e Brasil estabeleceram relações diplomáticas no ano de 1974, firmando uma parceria estratégica ainda incipiente já em 1993.
A julgar por sua experiência histórica, ambos os países compartilham amplos interesses comuns e objetivos semelhantes em muitas áreas da agenda mundial, tais como: promover a democratização das relações internacionais, o desenvolvimento justo da globalização econômica e os avanços sociais de suas sociedades.
Economicamente, desde os anos 2000, o Brasil tornou-se um dos principais fornecedores de commodities para o mercado chinês, exportando alguns dos insumos fundamentais para o crescimento econômico consistente de Pequim. Especialmente durante os anos do primeiro governo Lula da Silva (de 2003 a 2010), a diversificação das parcerias do Brasil tornou-se uma prioridade para a diplomacia do país, sendo o universalismo um dos pilares da política externa brasileira.
Bandeiras dos cinco países que compõem o BRICS tremulam na frente de uma aeronave da Air China na qual o presidente chinês Xi Jinping chegou para participar da cúpula do BRICS em Goa, Índia, 15 de outubro de 2016 - Sputnik Brasil, 1920, 02.08.2023
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Sendo assim, explica-se a importância adquirida pela China para o Brasil naquele período e desde então. Ora, as metas brasileiras em relação à cooperação com a China incluem (entre outras coisas): 1) aumentar o volume das exportações brasileiras para o mercado chinês; 2) atrair investimentos diretos e indiretos da China; 3) reduzir sua dependência dos Estados Unidos e da União Europeia; e 4) aumentar sua influência em fóruns e organizações internacionais.
Por outro lado, os objetivos chineses no desenvolvimento de suas relações com o Brasil são: 1) garantir as matérias-primas e recursos energéticos necessários para assegurar a expansão da economia chinesa; 2) afirmar a representatividade da China no mercado sul-americano; e 3) aumentar a influência do país em organismos internacionais e fóruns multilaterais.
Dado esse quadro, não surpreendeu o volume do comércio bilateral entre o Brasil e a China ter aumentado significativamente nas últimas duas décadas, sendo sua composição básica resumida pela exportação de commodities brasileiras (especialmente petróleo bruto, minério de ferro e soja) para o mercado chinês, enquanto a China exporta para o Brasil – principalmente, mas não só – produtos manufaturados (de médio e alto valor agregado).
Ao passo que a produção de soja, milho, arroz, frango e carne bovina do Brasil está classificada nas primeiras posições do ponto de vista global, a grande população da China e o seu rápido desenvolvimento econômico exigiram uma grande quantidade de recursos energéticos e alimentos, vendo no Brasil um parceiro ideal para o comércio.
Em 2019, antes da pandemia, o valor das exportações chinesas para o mercado brasileiro (US$ 36,3 bilhões) foi equivalente a aproximadamente 28 vezes o registrado em 2001 (aproximadamente US$ 1,26 bilhão), enquanto o valor das exportações brasileiras para o mercado chinês (US$ US$ 63,5 bilhões) equivalia a aproximadamente 50 vezes o registrado no começo do século (US$ 1,15 bilhão). Até hoje, por sua vez, a China vem absorvendo sozinha pouco mais de um terço do total das exportações agrícolas do Brasil, que é uma potência internacionalmente reconhecida nesse segmento.
Além dos dados econômicos apresentados, Brasil e China têm participação importante no estabelecimento de uma nova geografia econômica internacional, que vem se realizando através de sua cooperação no BRICS e em outros fóruns relevantes como é o caso do G20. É por meio dessas iniciativas que ambos os países vislumbram limitar a influência das políticas hegemônicas e unilateralistas dos Estados Unidos nos assuntos mundiais, ajudando assim a solidificar a multipolaridade nas relações internacionais.
Finalmente, tanto a China quanto o Brasil, como representantes de países emergentes e partícipes do Sul Global, entendem a importância do aprofundamento de sua cooperação bilateral nos mais diversos campos, construindo ao mesmo tempo parcerias confiáveis com outros países importantes em sua região e no mundo.
Ao final, levando em conta as observações do ex-assessor de segurança nacional americano Zbigniew Brzezinski, o maior perigo para a hegemonia dos Estados Unidos nos assuntos globais advém justamente da coalizão de potências insatisfeitas dentro do sistema.
Tendo isso em mente, independentemente se por amizade ou por interesse, as relações sino-brasileiras têm um papel importante nessa contestação do atual status-quo e na configuração de um sistema internacional menos ocidental e, portanto, mais plural e multipolar. Em suma, se essa cooperação tem se mostrado benéfica para ambos os lados, porque não enxergá-la então com bons olhos?
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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