Liberalismo em crise é resposta dos que não aceitam mais Ocidente ser a medida das coisas, diz Dugin
10:59 02.09.2023 (atualizado: 14:11 02.09.2023)
© AFP 2023 / Marco LongariO presidente da China, Xi Jinping, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, fazem gesto durante a Cúpula do BRICS de 2023 no Centro de Convenções Sandton, em Joanesburgo, em 24 de agosto de 2023
© AFP 2023 / Marco Longari
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O liberalismo está caminhando para a "catástrofe" após décadas de hegemonia ideológica global, disse o filósofo político Aleksandr Dugin, acrescentando que "era apenas uma questão de tempo" até que a ideologia começasse a tentar desconstruir o próprio conceito de humanidade.
Em entrevista ao podcast Novas Regras da Sputnik, Dugin disse que as recentes convulsões populistas nos Estados Unidos e na Europa expuseram o crescente descontentamento com a incapacidade das instituições liberais para lidar com a política externa e os fracassos econômicos. Ao mesmo tempo, novas potências emergentes, como Rússia, China e Índia, entre outras, começaram a apresentar as suas próprias alternativas ideológicas.
Para o filósofo, o liberalismo não tinha soluções para os problemas que ajudou a criar.
"Se considerarmos a visão futurista do cinema e da arte do Ocidente liberal, não vemos um único cenário positivo. Tudo é um 'Mad Max', tudo é 'Armagedom' – catástrofe atômica, atmosférica ou catástrofe ecológica. Portanto, não há outra visão possível do futuro na moderna civilização liberal ocidental fora da decadência global. Isto oferece uma revelação do vazio interior do liberalismo porque o liberalismo começou como uma versão individualista do humanismo, mas agora está a aproximar-se do individualismo anti-humano e transumano", afirmou o especialista.
Em sua visão essa "é precisamente a agenda política de Joe Biden, de Kamala Harris, dos progressistas modernos nos Estados Unidos que são abertamente pós-humanos".
Dugin também argumentou que o liberalismo foi um "caminho disfarçado para o abismo" desde o início devido ao seu desejo intrínseco de destruir todas as formas de identidade coletiva, tais como religião, família e nacionalidade, em nome do individualismo.
"A última coisa que [os liberais] precisavam realizar no seu caminho é libertar os indivíduos da sua identidade humana – precisamente porque é a última forma de identidade coletiva", disse ele.
Segundo o filósofo russo, o liberalismo começou a sua rápida degradação após o fim da Guerra Fria, acrescentando que durante o século XX, a competição ideológica do liberalismo com o comunismo e o fascismo forçou-o a conquistar potenciais apoiantes.
"Vemos agora que sem estas alternativas políticas, o liberalismo global moderno torna-se uma pura ditadura – um sistema totalitário que impõe a toda a humanidade a necessidade de ser liberal. Se você não é liberal, você está condenado, totalmente destruído. Assim, com o liberalismo a mostrar agora a sua natureza totalitária, ele deixa de tentar ser atraente. Em vez disso, impõe-se universalmente sem explicar o porquê."
Desmascarando mitos liberais
O liberalismo defende que sua filosofia proporciona o progresso econômico e tecnológico, mas Dugin desconstruiu esse mito, afirmando que, primeiro: todos os "sucessos" econômicos do liberalismo foram acompanhados por uma regressão em outras áreas-chave, nomeadamente "a destruição do ambiente social, a devastação crescente das mentes humanas e a redução da cultura intelectual humana a uma cultura simplista de reações".
Em segundo, Dugin salientou que as reivindicações de superioridade econômica do liberalismo ocidental eram comprovadamente falsas. Desde o final da década de 1970, a China, por exemplo, tem registrado um rápido crescimento, mantendo ao mesmo tempo um modelo político altamente "iliberal".
Em contraste, muitas nações em desenvolvimento que seguiram as recomendações das instituições financeiras internacionais lideradas pelo Ocidente atravessaram várias décadas de estagnação econômica.
Entretanto, mesmo ainda sendo praticado e reverenciado, principalmente pelo lado ocidental, Dugin diz que o liberalismo "está gradualmente a perder o seu domínio ideológico global", e que Moscou está colaborando para acelerar esse processo. Embora a Rússia tenha lançado a operação militar especial na Ucrânia, o conflito rapidamente evoluiu para uma luta mais ampla contra a supremacia geopolítica ocidental.
A busca pela vitória, argumentou o filósofo, forçou o Estado russo a romper completamente com o "niilismo profundo e a natureza tóxica do sistema liberal ocidental" e a redescobrir a sua "verdadeira identidade civilizacional".
"Não é contra o Ocidente que estamos a lutar. Estamos lutando contra a pretensão do Ocidente de ser universal, de ser a medida das coisas. Estamos a lutar contra a recusa do Ocidente em considerar que a cultura, o sistema político e a sociedade russos possam ser construídos sobre princípios totalmente diferentes. O Ocidente não aceita qualquer alternativa aos seus princípios e enquanto continuar a seguir esta linha de comportamento, não temos hipótese de parar a guerra."
Por fim, Dugin chama atenção para o fato de que esse processo não acontecerá apenas em território russo, uma vez que "os chineses, mais cedo ou mais tarde, enfrentarão a mesma situação. Os mundos africano e islâmico já estão meio despertos contra esta ameaça do racismo ocidental. América Latina e Índia também".
"Somos a humanidade, somos a maioria global que luta não contra o Ocidente, mas contra o racismo, a hegemonia e a pretensão ocidental de ser universal. Enquanto existir esta pretensão ocidental de ser universal, a nossa luta continuará", complementou.