https://noticiabrasil.net.br/20231020/francafrique-saida-do-embaixador-gaules-do-niger-indica-esgotamento-e-fim-de-era-do-pais-europeu-30959253.html
'Françafrique': saída do embaixador gaulês do Níger indica esgotamento e fim de era do país europeu
'Françafrique': saída do embaixador gaulês do Níger indica esgotamento e fim de era do país europeu
Sputnik Brasil
A saída da França do Níger, do Mali e de Burkina Faso, com a instalação de governos militares, representa um ponto de inflexão nas relações entre esses países... 20.10.2023, Sputnik Brasil
2023-10-20T16:20-0300
2023-10-20T16:20-0300
2023-10-20T19:29-0300
mundioka
frança
revolta
níger
colonialismo
era colonial
áfrica
oriente médio e áfrica
geopolítica mundial
tensão geopolítica
https://cdn.noticiabrasil.net.br/img/07e7/0a/14/30960489_0:162:3066:1887_1920x0_80_0_0_725a264643d9859c8f0bc595795ffcae.jpg
Os recentes levantes militares nesses países demonstram a vontade de romper com décadas de influência do colonialismo gaulês — não apenas na língua e cultura, mas também na economia e política.Durante entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, Alexandre dos Santos, professor de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), explica o significado histórico da retirada da França do Níger e seu impacto em toda a região da África Ocidental.O especialista destacou que muitos desses países, após conquistarem a independência, mantiveram profundas relações de dependência com a França, formando o que é conhecido como "Françafrique".Há uma disparidade nos preços do urânio exportado do Níger para a França, em comparação com o que é vendido para o Canadá, por exemplo. De acordo com o especialista, as empresas francesas controlam a extração de urânio no Níger e têm participação significativa nessas operações. Além disso, os acordos prévios com os governos permitiam a venda do urânio a preços bem abaixo do valor de mercado.Essa medida visa garantir que a riqueza gerada pela extração de urânio se traduza em benefícios significativos para a nação nigerina.No Mali, após o golpe de 2021, o tenente Assimi Goïta vem implementando reformas semelhantes, incluindo a expulsão dos soldados franceses do país.Essas ações marcam uma mudança importante nas dinâmicas econômicas e políticas da região, à medida que os países se esforçam para garantir maior equidade nas relações com nações estrangeiras, especialmente a França.Sentimento de revoltaUm ponto fundamental dos levantes na África atual é esse sentimento contra a França.Rafaela Serpa, doutoranda em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pesquisadora assistente do Centro Brasileiro de Estudos Africanos (Cebrafrica) e professora do curso de especialização em relações internacionais, geopolítica e defesa da mesma universidade explica que essa movimentação é uma continuação do que ocorreu em 1960.Rafaela Serpa destacou a complexidade da situação no Níger, ressaltando que, apesar de ter mantido relativa estabilidade política e eleições regulares, o país figura entre os três mais pobres do mundo, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).A relação de dependência com a França, embora tenha fornecido alguma estabilidade, gerou ressentimento entre a população nigerina.A percepção de que o país permanece como o mais pobre da região enquanto mantém laços estreitos com a antiga potência colonial tem levado a sentimentos anticoloniais e anti-Ocidente.Esse ressentimento não se limita à França, mas também se estende aos Estados Unidos, que têm cooperado com a França na região em questões militares, incluindo a luta contra o terrorismo. No entanto, apesar da presença ocidental e dos acordos militares, os países da região continuam a enfrentar uma crise, sem conseguir alcançar uma vitória significativa contra o terrorismo.Como nasceu o termo 'Françafrique'Em 1945, as potências coloniais europeias dominavam mais de um terço da população global.A França, por si só, governava uma população de mais de 100 milhões de africanos em um território que ultrapassava 11 milhões de km2. A presença francesa se estendia desde Argel até Antananarivo.O termo "Françafrique" foi criado por François-Xavier Verschave para descrever dois momentos-chave do neocolonialismo francês: o período da "União Francesa", de 1946 a 1958, e a "Comunidade Francesa", criada em 1958 e concluída em 1995. Durante esses 50 anos, ocorreram episódios trágicos, guerras de libertação, assassinatos políticos, terrorismo e o estabelecimento do neocolonialismo através da moeda franco CFA, uma realização financeira de Jacques Foccart, também conhecido como "Monsieur Afrique" (Senhor África, em tradução livre).O general Charles de Gaulle e seus sucessores utilizaram todos os recursos disponíveis para manter a dominação da França sobre as antigas e novas potências interessadas no continente africano.O surgimento da "Françafrique" se deve ao emprego da estratégia de "dividir para conquistar" da antiga política romana pela França, explorando rivalidades tribais, étnicas e religiosas dentro de nações criadas artificialmente pelos colonizadores. A corrupção e a francofonia desempenharam papéis fundamentais para unir povos, independentemente de raças — à semelhança do pan-africanismo, com sua política emancipatória.François-Xavier Verschave, notório por suas opiniões sobre as relações franco-africanas, denunciou a política externa da França na África, representada pelo conceito de "Françafrique", título de um de seus livros. Ele também liderou a associação Survie de 1995 a 2005, descrevendo-a como uma rede de atores econômicos, políticos e militares na França e na África, focados na exploração de matérias-primas e ajuda pública ao desenvolvimento.Há diversos eventos trágicos promovidos pela França nos últimos anos, como assassinatos políticos, operações militares e guerras civis, todos com o propósito de impedir o renascimento dos povos africanos. O exemplo mais marcante é o franco da Comunidade Financeira Africana (CFA), uma moeda controlada por Paris que liga o destino de 14 economias africanas ao Tesouro francês.De forma curiosa, originalmente em 1945, CFA significava "Colônias Francesas da África" e, mais tarde, tornou-se "Comunidade Financeira Francesa". Embora os nomes tenham mudado, o privilégio esmagador que a França construiu na África permaneceu — uma das características da exploração colonialista europeia.
https://noticiabrasil.net.br/20231020/210-basta-de-franca-niger-segue-tendencia-do-continente-africano-e-se-afasta-do-pais-europeu-30966585.html
https://noticiabrasil.net.br/20231003/niger-acusa-franca-de-tramar-assassinatos-de-membros-do-governo-do-pais-30643104.html
https://noticiabrasil.net.br/20231013/franca-dispersa-manifestacao-pro-palestina-proibida-em-paris-com-gas-lacrimogeneo-diz-midia-30808607.html
frança
níger
mali
burkina faso
Sputnik Brasil
contato.br@sputniknews.com
+74956456601
MIA „Rossiya Segodnya“
2023
notícias
br_BR
Sputnik Brasil
contato.br@sputniknews.com
+74956456601
MIA „Rossiya Segodnya“
https://cdn.noticiabrasil.net.br/img/07e7/0a/14/30960489_168:0:2899:2048_1920x0_80_0_0_6a4e54f16b55846ac9c9f01ec1ca1a86.jpgSputnik Brasil
contato.br@sputniknews.com
+74956456601
MIA „Rossiya Segodnya“
frança, revolta, níger, colonialismo, era colonial, áfrica, oriente médio e áfrica, geopolítica mundial, tensão geopolítica, geopolítica, europa, mali, burkina faso, governo militar, exclusiva
frança, revolta, níger, colonialismo, era colonial, áfrica, oriente médio e áfrica, geopolítica mundial, tensão geopolítica, geopolítica, europa, mali, burkina faso, governo militar, exclusiva
'Françafrique': saída do embaixador gaulês do Níger indica esgotamento e fim de era do país europeu
16:20 20.10.2023 (atualizado: 19:29 20.10.2023) Especiais
A saída da França do Níger, do Mali e de Burkina Faso, com a instalação de governos militares, representa um ponto de inflexão nas relações entre esses países e sua antiga metrópole.
Os recentes levantes militares nesses países demonstram a vontade de romper com décadas de influência do colonialismo gaulês — não apenas na língua e cultura, mas também na economia e política.
Durante entrevista
ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, Alexandre dos Santos, professor de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), explica o significado histórico da
retirada da França do Níger e seu impacto em toda a região da África Ocidental.
O especialista destacou que muitos desses países, após conquistarem a independência, mantiveram profundas relações de dependência com a França, formando o que é conhecido como "Françafrique".
20 de outubro 2023, 18:49
Há uma disparidade nos preços do urânio exportado do Níger para a
França, em comparação com o que é vendido para o Canadá, por exemplo. De acordo com o especialista, as empresas francesas controlam a extração de urânio no Níger e têm participação significativa nessas operações. Além disso, os acordos prévios com os governos permitiam a venda do urânio a preços bem abaixo do valor de mercado.
"O Níger tem um peso muito grande na exportação, e as empresas que fazem a extração do urânio são controladas por empresas francesas. Você tem três empresas no Níger e, dentre as três, mais de 50% da participação societária são de empresas francesas. Nos acordos firmados pelos governos anteriores com essas empresas e com o governo da França, eles venderiam abaixo do preço de mercado. Não é mais possível que o urânio extraído do Níger não se reverta em uma riqueza condizente, que é o valor no mercado internacional. Então esses freios de arrumação, por exemplo, são os que estão sendo feitos por esses países", explica o professor.
Essa medida visa garantir que a riqueza gerada pela extração de urânio se traduza em benefícios significativos para a nação nigerina.
No Mali, após o golpe de 2021, o tenente Assimi Goïta vem implementando reformas semelhantes, incluindo a
expulsão dos soldados franceses do país.
Essas ações marcam uma mudança importante nas dinâmicas econômicas e políticas da região, à medida que os países se esforçam para garantir maior equidade nas relações com nações estrangeiras, especialmente a França.
"Uma das primeiras coisas que esse freio de arrumação que esses países fizeram […] foi que todos eles expulsaram as tropas francesas. Os embaixadores franceses se uniram com a França. O Mali, […] de maneira muito mais radical, […] inclusive suspendeu o uso do francês nas escolas e está revendo os currículos escolares, assim como Burkina Faso também está fazendo, e o Níger está nesse mesmo caminho", detalha o especialista.
Um ponto fundamental dos levantes na África atual é esse sentimento contra a França.
Rafaela Serpa, doutoranda em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pesquisadora assistente do Centro Brasileiro de Estudos Africanos (Cebrafrica) e professora do curso de especialização em relações internacionais, geopolítica e defesa da mesma universidade explica que essa movimentação é uma continuação do que ocorreu em 1960.
''Essa relação, que foi cortada na década de 60, […] não foi totalmente cortada. Então, de certa forma, eles estão agora tentando um novo afastamento. E isso acontece também porque há uma mudança no cenário mundial. Eu acho que é muito importante observar que estamos migrando para uma ordem mundial multipolar, e que esse tipo de relação de dominação, […] consolidada por muito tempo, mas muito ligada à própria imposição cultural, não vai ser mais aceita porque ela não vem trazendo [nenhum] tipo de benefício", explica a especialista.
Rafaela Serpa destacou a complexidade da situação no Níger, ressaltando que, apesar de ter mantido relativa estabilidade política e eleições regulares, o país figura entre os três mais pobres do mundo, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
A relação de dependência com a França, embora tenha fornecido alguma estabilidade, gerou ressentimento entre a população nigerina.
A percepção de que o país permanece como o mais pobre da região enquanto mantém laços estreitos com a antiga potência colonial tem levado a sentimentos anticoloniais e anti-Ocidente.
Esse ressentimento não se limita à França, mas também se estende aos Estados Unidos, que têm cooperado com a França na região em questões militares, incluindo a luta contra o terrorismo. No entanto, apesar da presença ocidental e dos acordos militares, os países da região continuam a enfrentar uma crise, sem conseguir alcançar uma vitória significativa contra o terrorismo.
"A gente percebe que outros eixos de poder estão surgindo, e isso faz com que esses países tenham alguma margem de manobra para, enfim, buscar outras formas de desenvolvimento, outras alianças, sem que operações unilaterais sejam realizadas. […] [Apesar disso, o que aconteceu na Líbia inspira cuidados:] por causa da operação […] [ocorrida no país] em 2012, muito desse problema do terrorismo na região do Sahel […] se espalhou — […] armas do Exército líbio [acabaram indo] para diversos grupos […], aumentando, enfim, o terrorismo", exemplifica Serpa.
Como nasceu o termo 'Françafrique'
Em 1945, as potências coloniais europeias dominavam mais de um terço da população global.
A França, por si só, governava uma população de mais de 100 milhões de africanos em um território que ultrapassava 11 milhões de km2. A presença francesa se estendia desde Argel até Antananarivo.
O termo "Françafrique" foi criado por François-Xavier Verschave para descrever dois momentos-chave do neocolonialismo francês: o período da "União Francesa", de 1946 a 1958, e a "Comunidade Francesa", criada em 1958 e concluída em 1995. Durante esses 50 anos, ocorreram episódios trágicos, guerras de libertação, assassinatos políticos, terrorismo e o estabelecimento do neocolonialismo através da moeda franco CFA, uma realização financeira de Jacques Foccart, também conhecido como "Monsieur Afrique" (Senhor África, em tradução livre).
O general Charles de Gaulle e seus sucessores utilizaram todos os recursos disponíveis para manter a dominação da França sobre as antigas e novas potências interessadas no continente africano.
13 de outubro 2023, 10:09
O surgimento da "Françafrique" se deve ao emprego da estratégia de "dividir para conquistar" da antiga política romana pela França, explorando rivalidades tribais, étnicas e religiosas dentro de nações criadas artificialmente pelos colonizadores. A corrupção e a francofonia desempenharam papéis fundamentais para unir povos, independentemente de raças — à semelhança do pan-africanismo, com sua política emancipatória.
François-Xavier Verschave, notório por suas opiniões sobre as relações franco-africanas, denunciou a política externa da França na África, representada pelo conceito de "Françafrique", título de um de seus livros. Ele também liderou a associação Survie de 1995 a 2005, descrevendo-a como uma rede de atores econômicos, políticos e militares na França e na África, focados na exploração de matérias-primas e ajuda pública ao desenvolvimento.
Há diversos eventos trágicos promovidos pela França nos últimos anos, como assassinatos políticos, operações militares e guerras civis, todos com o propósito de impedir o renascimento dos povos africanos. O exemplo mais marcante é o franco da Comunidade Financeira Africana (CFA), uma moeda controlada por Paris que liga o destino de 14 economias africanas ao Tesouro francês.
De forma curiosa, originalmente em 1945, CFA significava "Colônias Francesas da África" e, mais tarde, tornou-se "Comunidade Financeira Francesa". Embora os nomes tenham mudado, o privilégio esmagador que a França construiu na África permaneceu — uma das características da exploração colonialista europeia.