'Washington está vulnerável': por que programa hipersônico dos EUA está atrás dos da Rússia e China?
10:30 20.10.2023 (atualizado: 13:26 20.10.2023)
© AFP 2023 / PAUL J. RICHARDSAgente da unidade de escolta técnica do Exército dos Estados Unidos demonstra o uso de um traje de proteção contra agentes biológicos. EUA, 12 de novembro de 2002
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Portal revela a morte de jovens norte-americanos no programa de mísseis hipersônicos dos EUA e questiona a necessidade de Washington desenvolver essas armas. Afinal, por que os EUA não conseguem alcançar Rússia e China no desenvolvimento de armas hipersônicas?
Nesta sexta-feira (20), a Rússia posicionou novo sistema de mísseis Avangard em base da Força Estratégica de Mísseis do país, conforme informou o Ministério da Defesa.
"A implementação das medidas previstas para 2023 de rearmamento da Força Estratégica de Mísseis com sistema de unidade hipersônica aumentará a capacidade de combate das forças nucleares estratégicas do nosso país", informou o Ministério da Defesa russo.
A mobilização de armas hipersônicas na Rússia contrasta com as dificuldades enfrentadas pelos Estados Unidos em desenvolver a mesma tecnologia.
Reportagem investigativa do portal Inkstick aponta que dois norte-americanos, Jonathan Steinke e Ken Tran, morreram nas instalações da Northrop Grumman, empresa contratada pelo Pentágono e empenhada no desenvolvimento de mísseis hipersônicos.
Em uma tentativa de consolar a família dos falecidos, supervisor da Northrop Grumman disse que os funcionários haviam morrido como heróis, "fazendo mísseis hipersônicos que devem defender o nosso país".
"E eu pensei: então por que vocês não os protegeram?", questionou a mãe de Jonathan. "Estou brava com a Northrop [Grumman] porque eles tratam [a morte de Jonathan e Ken] como se fosse um segredo. E é um segredo sujo, porque se eles tivessem sido responsáveis, ninguém teria morrido."
© Foto / Marinha dos EUATeste do Míssil Guiado Antirradiação Avançado de Alcance Estendido (AARGM-ER, na sigla em inglês) Northrop Grumman AGM-88G a bordo de um Boeing F/A-18F Super Hornet
Teste do Míssil Guiado Antirradiação Avançado de Alcance Estendido (AARGM-ER, na sigla em inglês) Northrop Grumman AGM-88G a bordo de um Boeing F/A-18F Super Hornet
© Foto / Marinha dos EUA
Mas os EUA realmente precisam de tecnologia hipersônica? Recente relatório apresentado ao Congresso norte-americano questiona qual o papel que essas armas teriam para garantir a defesa norte-americana. No entanto, Washington tem aumentado os orçamentos destinados a programas dessa natureza, em especial para o desenvolvimento de veículos planadores e mísseis de cruzeiro hipersônicos.
"Sem dúvida os EUA têm interesse em desenvolver esse tipo de tecnologia, uma arma hipersônica pode passar por defesas preparadas para lidar com armamentos convencionais nesse momento", disse o professor doutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Sandro Teixeira Moita, à Sputnik Brasil.
O especialista aponta que as principais vantagens da arma hipersônica são velocidade, elemento de surpresa e grande impacto destrutivo físico e psicológico ao inimigo.
"Os Estados Unidos sabem disso e já realizaram uma série de testes com armamentos hipersônicos, mas somente neste ano conseguiram realizar um teste bem-sucedido", relatou Moita.
© AFP 2023 / Oscar Sosa / Marinha dos EUAMíssil hipersônico lançado da Pacific Missile Range Facility, Kauai, Havaí, EUA, 19 de março de 2020
Míssil hipersônico lançado da Pacific Missile Range Facility, Kauai, Havaí, EUA, 19 de março de 2020
© AFP 2023 / Oscar Sosa / Marinha dos EUA
Existe um intenso debate nos EUA sobre a real necessidade de o país investir os bilhões de dólares necessários para desenvolver armas hipersônicas. Críticos apontam que armas convencionais poderiam infringir os mesmos danos das hipersônicas e que presença global norte-americana prescinde deste tipo de armamento moderno.
"Esse tipo de argumento é válido e contribuiu no passado para reduzir o orçamento de programas dessa natureza", apontou Moita. "Mas isso não significa que Washington não precise desenvolver sistemas de defesa antimísseis hipersônicos para manter a sua capacidade de dissuasão."
A professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Danielle Ayres, concorda que os Estados Unidos estariam mais interessados em desenvolver capacidades defensivas contra mísseis hipersônicos do que mísseis ofensivos.
"O problema é que um sistema de defesa antimísseis hipersônicos provavelmente precisaria estar baseado na tecnologia de lasers, que não se desenvolveu nas últimas décadas no ritmo que era esperado", disse Ayres à Sputnik Brasil. "A tecnologia de lasers seria necessária dada a velocidade desses mísseis e sua capacidade de manobrar em voo, o que deixa a sua rota imprevisível."
© AP Photo / Eugene HoshikoSistemas Patriot (foto de arquivo)
Sistemas Patriot (foto de arquivo)
© AP Photo / Eugene Hoshiko
Além disso, Washington poderia ter dificuldades em desenvolver um sistema contra mísseis hipersônicos sem conhecer a fundo a tecnologia dessas armas.
"Para desenvolver um sistema anti-hipersônico, os EUA provavelmente terão que desenvolver esses mísseis primeiro, ainda que não tenham necessariamente o interesse em adquirir a mesma capacidade que Rússia e China detêm atualmente", disse Moita.
Corrida entre grandes potências
A Rússia está na vanguarda do desenvolvimento de mísseis e veículos guiados hipersônicos, seguida pela China, que recentemente realizou teste bem-sucedido do seu modelo DF-ZF.
"No entanto, Rússia e China têm interesses diferentes no uso dessas armas: enquanto os russos têm interesse que o míssil hipersônico sirva como míssil de ataque ao solo [...], os chineses estão voltados especialmente para atividades antinavio", explicou o professor Moita.
No tocante à China, analistas norte-americanos avaliam que o programa hipersônico do país estaria voltado para deter a Marinha dos Estados Unidos em caso de turbulências no mar do Sul da China e na região de Taiwan.
© Sputnik / Ministério da Defesa da RússiaMíssil hipersônico Avangard é instalado em silo na região de Orenburgo, na Rússia, em 16 de dezembro de 2020
Míssil hipersônico Avangard é instalado em silo na região de Orenburgo, na Rússia, em 16 de dezembro de 2020
© Sputnik / Ministério da Defesa da Rússia
"Do ponto de vista estratégico, não se esperava que Rússia e China tivessem armas hipersônicas tão rápido. Os EUA desenvolvem essa tecnologia desde a Guerra Fria, mas se esperava que a operacionalidade viesse mais tarde", disse a professora Ayres. "Isso foi um impacto para os Estados Unidos, que acabaram ficando para trás. Como eles não têm sistemas de defesa contra esses mísseis, eles agora estão vulneráveis."
Desenvolvimento no Brasil
Desde 2008, o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) da Força Aérea Brasileira (FAB) desenvolve projetos na área de tecnologia hipersônica, com destaque para o veículo 14-X S.
O primeiro veículo com motor hipersônico aspirado brasileiro, o demonstrador 14-X S, foi testado com sucesso em dezembro de 2022, no Centro de Lançamento de Alcântara (CLA).
© AP Photo / Eraldo PeresNa Base de Alcântara, no estado brasileiro do Maranhão, oficiais da Força Aérea brasileira observam a torra o Centro de Lançamento de Satélites local, em 14 de setembro de 2018
Na Base de Alcântara, no estado brasileiro do Maranhão, oficiais da Força Aérea brasileira observam a torra o Centro de Lançamento de Satélites local, em 14 de setembro de 2018
© AP Photo / Eraldo Peres
Apesar dos avanços, compromissos internacionais assinados pelo Brasil e os altos custos associados ao desenvolvimento de armamentos hipersônicos operacionais podem deixar o país fora dessa corrida, acredita Moita.
"Para o Brasil, esse tipo de armamento está em outro patamar", acredita o professor. "O Brasil procura sempre a solução diplomática dos conflitos [...] tem uma base industrial de defesa que é baseada em aplicação defensiva."
O especialista ainda lembra que o Brasil é parte do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis, que limita a produção nacional a armas que possam atingir somente 300 quilômetros. Segundo ele, "estamos amarrados por uma legislação internacional que assinamos voluntariamente. Nossa plataforma é outra".
Apesar disso, a professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Danielle Ayres, acredita que o Brasil deve se empenhar para deter a tecnologia hipersônica.
"O que nos interessa é deter a tecnologia, e não necessariamente desenvolver a arma em si. Podemos fazer um paralelo com a tecnologia de enriquecimento de urânio: temos o know how, mas abdicamos de desenvolver armas nucleares. No caso da tecnologia hipersônica, devemos fazer o mesmo", concluiu a especialista.