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Sul Global versus o resto: como o conflito Israel-Palestina escancarou a impotência do Ocidente?

© AFP 2023 / David SwansonAs pessoas agitam bandeiras palestinas enquanto se manifestam em apoio aos palestinos em Los Angeles, Califórnia, em 21 de outubro de 2023, em meio ao conflito contínuo entre Israel e o Hamas
As pessoas agitam bandeiras palestinas enquanto se manifestam em apoio aos palestinos em Los Angeles, Califórnia, em 21 de outubro de 2023, em meio ao conflito contínuo entre Israel e o Hamas - Sputnik Brasil, 1920, 27.10.2023
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Com a eclosão do conflito Israel-Palestina, o Ocidente mais uma vez sofreu um choque com a reação dos países do Sul Global, ao não embarcarem em uma defesa incondicional das ações israelenses na Faixa de Gaza. A situação demonstrou mais uma vez – e de forma escancarada – a impotência do Ocidente em controlar a narrativa global.
Vale lembrar que, contrariando também as expectativas ocidentais, os países do Sul Global – em sua maioria – permaneceram neutros diante das ações da Rússia no âmbito de sua operação militar especial iniciada em 2022, evidenciando a incapacidade do Ocidente de arregimentar a opinião pública internacional.
Isso porque o Sul Global por repetidas vezes expôs a hipocrisia dos países ocidentais quando dizem defender os princípios do direito internacional, quando eles mesmos são os principais violadores desse direito.
Afinal, alguém poderia dizer quais foram os países europeus que aplicaram sanções aos Estados Unidos após a invasão do Iraque em 2003? Ou então, quais empresas europeias e americanas deixaram a França ou o Reino Unido após suas operações agressivas em países como Síria e Líbia após a Primavera Árabe? Ou qual dos países ocidentais demonstrou consternação com a aplicação de sanções econômicas unilaterais sem a aprovação do Conselho de Segurança da ONU?
Protesto em apoio ao povo palestino no Líbano, próximo à Embaixada dos Estados Unidos. Beirute, 18 de outubro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 24.10.2023
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Pois então, em vista de todas essas hipocrisias, acreditar nas boas intenções do Ocidente, que se diz guiado por "princípios e valores" seria tão ingênuo quanto acreditar na letra da canção "Imagine" de John Lennon. Mas voltando à crise no Oriente Médio, é notório que o principal patrono de Israel durante a atual crise trata-se justamente dos Estados Unidos, cujo apoio financeiro e político a Tel Aviv assegura ao governo de Benjamin Netanyahu uma poderosa retaguarda psicológica.
Tal retaguarda, por sua vez, foi reforçada por uma declaração conjunta emitida pelos próprios americanos, juntamente da França, Alemanha, Reino Unido e Itália, logo após o dia 7, em que demonstraram apoio irrestrito a Israel. Na ocasião, o Ocidente foi inequívoco em sua condenação às ações extremadas do Hamas, ao mesmo tempo em que deram carta branca às autoridades israelenses para que executassem o que, aos olhos do mundo, tem sido uma resposta altamente desproporcional e destrutiva do ponto de vista humanitário.
Enquanto isso, a Rússia, apoiada pelo Mundo Árabe, pela própria Palestina e pelo Sul Global, buscou no âmbito do Conselho de Segurança da ONU uma solução negociada para a crise no Oriente Médio, através de propostas de resolução pedindo a imediata implementação de um cessar-fogo humanitário entre Israel e as forças atuantes na Palestina.
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Contudo, desde o dia 16 essas propostas foram vetadas por potências ocidentais como Japão, França, Reino Unido e sobretudo pelos Estados Unidos, o que tem causado o prolongamento do conflito e do derramamento de sangue na Faixa de Gaza. Também com relação ao conflito na Ucrânia, o Ocidente tem inviabilizado um fim das hostilidades pela via diplomática.
Pelo contrário, as elites políticas em Bruxelas e em Washington têm apostado suas fichas em uma ilusória possibilidade das forças ucranianas vencerem a Rússia no campo de batalha, o que já se mostrou inviável, dado o fracasso da contraofensiva de Kiev iniciada em junho desse ano. Aqui também o Sul Global se separou em definitivo do Ocidente, ao pedir por uma solução de paz no Leste Europeu, o que não parece estar nos planos de lobbies poderosos como o do complexo militar industrial americano.
Seja como for, após as tentativas frustradas no âmbito do Conselho de Segurança em se chegar a uma solução pacífica para o atual conflito Israel-Palestina, o mundo passou a testemunhar uma sequência de tragédias na região, como foi o caso do ataque ao Hospital al-Ahli (na Faixa de Gaza) do dia 17, vitimando centenas de civis e inocentes.
Desde então, Israel tem tentado atribuir a culpa pelo ataque ao grupo Hamas, entretanto essas afirmações gozam de pouca credibilidade perante o Sul Global, e sobretudo no Mundo Árabe por conta da flagrante disparidade no número de mortes entre civis israelenses e palestinos após o início da resposta do governo de Tel Aviv aos ataques do dia 7.
Não sem razão, protestos eclodiram no Mundo Árabe (a exemplo de países como Jordânia, Líbano, Tunísia, Líbia e Iêmen), no Sul Global e em diversas partes da Europa em favor da Palestina e desfavoráveis às ações desproporcionais tomadas por Israel no âmbito do conflito.
Por certo, se a crise na Ucrânia já havia exposto divisões bastante claras na comunidade internacional, a mais recente crise no Oriente Médio culminou por consolidá-las. Hoje, podemos dizer que o mundo se encontra verdadeiramente dividido entre o Sul Global e o resto.
Potências emergentes na Ásia, África e América Latina não mais compartilham das narrativas ocidentais a respeito dos principais problemas internacionais vigentes e não mais estão dispostas a seguir a cartilha europeia e norte-americana sobre como devem se conduzir perante esse ou aquele acontecimento específico.
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Não estamos vivendo mais na década de 1990. Mesmo na Europa, a simpatia da sociedade aos apelos de diversas lideranças políticas locais em favor de Israel tem se mostrado cambaleante, como pode ser visto pelos protestos populares em apoio à causa palestina.
Focado em defender seus interesses geopolíticos a quaisquer custas, o Ocidente jogou por terra sua credibilidade e agora é incapaz de conduzir a opinião pública global, ainda que detenha o controle das principais redes sociais e dos principais conglomerados de mídia.
A razão desse fracasso se deve ao senso de superioridade do Ocidente e à frequente imposição pela força de suas agendas ao restante do mundo, fórmula essa que esgotou sua eficácia há muito tempo. Hoje, a situação é outra. Hoje, é preciso lidar com uma multiplicidade de novos atores emergentes, oriundos das mais diversas partes do globo, e levar em consideração suas opiniões sobre os principais problemas internacionais da atualidade.
Em outras palavras, como o conflito Israel-Palestina terminou por demonstrar, o século XXI será marcado não mais pelo famigerado West versus Rest (Ocidente versus o resto), mas sim pelo Sul Global versus o resto.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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