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Analistas explicam por que o plano da UE de usar ativos russos congelados para a Ucrânia é ilusão

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Euros (imagem de referência) - Sputnik Brasil, 1920, 30.10.2023
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Os líderes da União Europeia (UE) querem utilizar os benefícios dos fundos estatais russos congelados para a reconstrução da Ucrânia e pedem à Comissão Europeia que estude uma regulamentação a esse respeito, segundo a Reuters. Mas isso é realmente possível?
O valor dos ativos soberanos russos congelados na Europa é estimado em 211 bilhões de euros (cerca de R$ 1,1 trilhão). Bruxelas deu repetidamente a entender que utilizaria esses fundos em favor da Ucrânia. No entanto, até agora o bloco não inventou um mecanismo legal que lhe permitisse confiscar ativos russos.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou, na última sexta-feira (27), que Bruxelas está trabalhando em uma proposta para direcionar os lucros gerados pelos ativos russos para ajudar Kiev. De acordo com ela, os ministros da Economia da UE tinham feito bons progressos nessa matéria no início deste mês. "O próximo passo seria então uma proposta real", disse Von der Leyen.
De acordo com a presidente, o foco inicial vão ser os lucros extraordinários provenientes dos ativos estatais russos congelados. Lucro extraordinário significa um rendimento invulgarmente elevado causado por fatores de mercado imprevistos. Os economistas da UE sugerem que a Ucrânia poderia receber até 3 bilhões de euros (cerca de R$ 16 bilhões) anualmente.
No entanto, especialistas entrevistados pela Sputnik afirmam que tudo isso nada mais é do que ilusão.

"Usar os lucros dos ativos congelados na forma de apreensão desses lucros é tão impossível quanto apreender esses ativos", disse à Sputnik Dmitry Golubovski, analista da empresa russa Zolotoi Monetnii Dom.

"Seria uma verdadeira violação dos direitos de propriedade. Na minha opinião, não existem mecanismos legais no sistema da UE para fazê-lo. A situação é ainda mais complicada pelo fato de os ativos bloqueados no Euroclear e no Clearstream [empresas europeias do ramo financeiro] poderem afetar diferentes jurisdições. Por exemplo, alguns produtos estruturais, constituídos por obrigações de países europeus e não europeus, podem ser aí congelados. Portanto toda essa história é extremamente confusa e, do ponto de vista jurídico, parece insolúvel", disse ele.
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Para complicar ainda mais a situação, a tentativa de confiscar bens estatais russos ou os rendimentos gerados por esses bens coloca a UE em uma posição jurídica muito delicada, disse Jacques Sapir, diretor de estudos da Escola de Estudos Superiores em Ciências Sociais de Paris (EHESS, na sigla em francês).
"Na verdade, se os bens pertencem legalmente ao Estado russo, terá que ser provado que este Estado é um 'Estado falido', algo impossível", disse Sapir à Sputnik.
"Se os bens pertencem a indivíduos, é necessária uma condenação legal contra essas pessoas. Se não puder fazer as duas coisas e aproveitar os rendimentos para desviá-los para terceiros [Ucrânia], isso é nada menos que roubo. Então estará sujeito a uma reivindicação legal. Mas, ainda mais importante, provavelmente desencorajará todos os investidores estrangeiros a investirem na UE", explicou.

Em que circunstâncias poderia a UE confiscar bens russos?

Para criar um quadro jurídico para confiscar os bens públicos da Rússia, a UE precisa declarar nada menos do que guerra contra a Rússia, algo que o bloco não faria, segundo Sapir. Da mesma forma, quando se trata de fundos privados, os Estados-membros da UE deveriam condenar legalmente os proprietários.

"Tecnicamente, se isso for feito (e não será feito), o dinheiro terá de ir para os Estados-membros da UE (como acontece quando falamos de dinheiro de droga), e então cada Estado poderá tomar a decisão de dar esse dinheiro à Ucrânia. Mas pelo menos uma coisa é clara: se o dinheiro, proveniente de rendimentos ou ativos, for apreendido, será no contexto de um processo judicial em um determinado país contra o proprietário. Portanto o dinheiro irá primeiro para o Estado determinado. Depois estará livre para ser entregue à Ucrânia", explicou Sapir.

"No entanto, se o proprietário (seja privado ou o próprio Estado russo) iniciar uma ação legal contra o referido Estado para recuperar o dinheiro, qualquer país que o ajude a apreender o dinheiro e, claro, o país que dele se beneficia, serão descritos como cúmplices de um processo legal. E haverá procedimentos", sublinhou o economista francês.
Segundo Golubovski, a UE poderia tentar "emprestar" lucros da Rússia. Por exemplo, Bruxelas poderia hipoteticamente aceitar esse dinheiro sob a forma de "empréstimo especial do depositário da Euroclear e da Clearstream, onde [o dinheiro] está agora armazenado". Esse montante iria, então, para o orçamento da União Europeia, "de onde [os Estados-membros] podem enviar dinheiro para qualquer lugar, inclusive para ajudar a Ucrânia", explicou.

"Obviamente seria possível rastrear esse dinheiro se fosse utilizado como parte das despesas orçamentárias da UE", continuou Golubovski.

"Quando chegar à Ucrânia, seria naturalmente impossível rastreá-lo, porque tudo o que chega à Ucrânia é indetectável. O Pentágono já enfrentou esse problema quando não conseguia explicar para onde tinha realmente ido a ajuda atribuída à Ucrânia e nem sequer conseguia reportar como foram utilizadas as armas transferidas para a Ucrânia. Agora estão surgindo informações de que armas transferidas para a Ucrânia estão aparecendo, por exemplo, no Oriente Médio e acabando nas mãos de vários grupos, incluindo aqueles que atualmente travam guerra contra Israel", enfatizou.
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Caso a UE tente utilizar ativos russos para as necessidades do bloco, esse dinheiro vai poder ser rastreado, uma vez que o orçamento europeu não é classificado, sublinhou Golubovski. Nesse caso, mais uma vez, a Rússia poderia contestar a legalidade da utilização desses ativos. Em suma, ambos os especialistas duvidam que a UE consiga o que quer e se apropriar do dinheiro russo.

Poderiam os ativos congelados da Rússia ter o mesmo destino que os fundos de Kadhafi?

Entretanto, alguns observadores se referem ao caso dos lucros gerados pelos fundos congelados do líder líbio Muammar Kadhafi que desapareceram nos bolsos de alguns beneficiários desconhecidos. Em 2018, uma investigação do Politico descobriu saídas regulares de dividendos de ações, rendimentos de obrigações e pagamentos de juros dos 16 bilhões de euros (cerca de R$ 85,7 bilhões) de ativos do líder líbio depositados na Bélgica.
Embora o Ministério das Finanças belga tenha dito à comunicação social que o dinheiro vai para a Autoridade de Investimento da Líbia (LIA, na sigla em inglês), o fundo soberano do país, gerido pela Euroclear, não é claro quem exatamente tem acesso aos ativos, uma vez que a Líbia continua devastada pela guerra, desde 2011.
No entanto, os interlocutores da Sputnik descartaram a possibilidade de os ativos russos sofrerem o mesmo destino.

"Em primeiro lugar, a apreensão dos bens da LIA ocorreu após o colapso do governo de Kadhafi e o colapso do Estado. Aliás, alguns países foram tão longe que houve uma situação de guerra 'de fato' entre eles e a LIA", disse Sapir.

"Em segundo lugar, como foi o caso do exemplo de Kadhafi, o seu dinheiro era pessoal, e Kadhafi utilizou uma série de procedimentos muito especiais, nada transparentes ou responsáveis. Quando ele morreu, sua própria família teria sido duramente pressionada para fazer valer seus direitos de propriedade. Foi isso que permitiu que esses fundos (poderíamos falar aqui de 'fundos para répteis') acabassem nas mãos de beneficiários 'desconhecidos'. Quanto aos ativos russos, sejam eles privados ou públicos, há muito mais transparência e responsabilidade", continuou o economista francês.
Por sua vez, Golubovski afirmou que os ativos públicos e privados da Rússia não estão envolvidos na controvérsia e os investidores privados russos e as corretoras têm, teoricamente, a oportunidade de processar via Tribunal Europeu para exigir o descongelamento dos seus ativos se provarem que não estão sujeitos a sanções ou relacionados com pessoas que estejam, e que o dinheiro que exigem que seja descongelado não tem qualquer relação com a operação especial da Rússia na Ucrânia.

Como é que a tentativa da UE de confiscar bens russos poderá ter um efeito contrário no bloco?

"Se a UE realizar o que poderia ser chamado de 'roubo legal', a reputação financeira da UE entre os países não ocidentais ficaria arruinada. Não creio que os investidores dos países do Golfo, da Índia ou da China se sintam muito confortáveis ​​com essa situação", enfatizou Sapir.
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Por sua vez, Golubovski chamou a atenção para o fato de a Suíça ter cortado pela raiz a ideia de confiscar bens da Rússia. Embora a Suíça tenha congelado ativos russos sancionados no valor de 8 bilhões de dólares (cerca de R$ 40 bilhões), o governo do país estipulou que o confisco de fundos bloqueados seria contrário à Constituição e à ordem jurídica atual.

"A principal motivação pela qual a Suíça abandonou imediatamente esse tipo de ação ao nível do Parlamento suíço — onde os legisladores a proibiram — foi precisamente o desejo de salvar a reputação", explicou Golubovski.

Segundo o especialista russo, se a UE quiser proteger a sua imagem, deverá encerrar as discussões sobre a apropriação de ativos russos. Entretanto, analistas políticos russos dizem que se a UE recorrer ao "roubo" dos ativos sancionados da Rússia, Moscou poderá confiscar ativos pertencentes a países da UE que considera hostis.

"Do ponto de vista da União Europeia, na minha opinião, seria ainda mais prudente começar certas negociações com representantes das autoridades financeiras russas sobre um 'descongelamento espelhado' de ativos. Isto é, por um determinado montante, por exemplo, bloqueiam os ativos de indivíduos na Europa; por um determinado montante, os ativos de não residentes na Federação da Rússia são bloqueados — pode ocorrer alguma troca", concluiu Golubovski.

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