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Após devastação, indústria naval brasileira voltará a lotar estaleiros?

© Tânia Rêgo/Agência BrasilVisita do então ministro da Defesa, Jaques Wagner, ao Estaleiro e Base Naval da Marinha do Brasil durante o auge do setor no país. Itaguaí, 24 de fevereiro de 2015
Visita do então ministro da Defesa, Jaques Wagner, ao Estaleiro e Base Naval da Marinha do Brasil durante o auge do setor no país. Itaguaí, 24 de fevereiro de 2015 - Sputnik Brasil, 1920, 09.11.2023
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Era início dos anos 2000 quando entrava em operação uma das plataformas mais promissoras da Petrobras: a P-32. Após quase 20 anos, a estrutura usada na extração de petróleo na bacia de Campos — onde foram descobertas as maiores reservas do país a partir de 2006 no pré-sal — foi retirada de operação e passará por uma "reciclagem verde".
O objetivo do processo: dar espaço para novas plataformas que vão aumentar a produção na região de 40 mil para 150 mil barris por dia. Construída em solo brasileiro, a P-32 também é um retrato da própria indústria naval do país. Após décadas de franco crescimento até 2015, quando chegou a empregar diretamente mais de 82 mil pessoas, assim como a plataforma extraiu recordes de barris de petróleo à época, o setor entrou em decadência e, nos últimos oito anos, demitiu 60 mil pessoas, ou 73% de toda a sua força de trabalho.
Já a estrutura da Petrobras parou de produzir em 2020, mas inaugurou um novo capítulo neste ano: foi leiloada por R$ 3,2 milhões e será descomissionada (para o aproveitamento de peças e materiais) por um estaleiro no Rio Grande do Sul.
Esse processo, conhecido como reciclagem verde de plataformas, é justamente um dos motivos que leva esperança de dias melhores à outrora pujante indústria naval brasileira. É o que conta o secretário-executivo do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), Sergio Luiz Camacho Leal, à Sputnik Brasil.
"É um novo mercado representado pelo descomissionamento de plataformas marítimas e embarcações, de grande interesse para os estaleiros no que se refere ao desmantelamento e à reciclagem dos materiais, inclusive já iniciado com o desmonte da P-32, além de muitas outras que serão desativadas até 2026 [pela Petrobras]", disse.
Setor que foi um dos símbolos do crescimento econômico brasileiro nos governos petistas até 2014, a retomada da indústria naval é uma das promessas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Mesmo ainda em estágio inicial, esse compromisso já é visto com bons olhos pelas indústrias brasileiras, que já ocuparam o segundo lugar mundial na construção de navios de apoio marítimo e terceiro em plataformas offshore.
"Para a retomada e recuperação da posição que o Brasil tinha, será necessária uma conjugação de esforços das empresas com o governo para remover os obstáculos que impedem a normalização das atividades", enfatiza o dirigente.
Um grupo de trabalho já foi instituído pelo governo federal para recuperar a indústria naval e, segundo o Sinaval, a Petrobras inclusive já anunciou que voltará a lotar os estaleiros brasileiros.
"Uma parte da demanda por módulos de plataformas offshore será atendida no país em um volume bem superior ao que vinha sendo contratado anteriormente [pela estatal]. Também serão construídos novos navios de apoio marítimo, o que estimulará as atividades de estaleiros de médio porte. A Transpetro pretende lançar em 2024 um edital para a construção de navios para a sua frota de transporte. Efetivadas essas contratações, haverá um novo impulso", resume Sérgio Leal.
Procurada para detalhar as medidas para impulsionar a retomada da indústria naval, a Petrobras ainda não se pronunciou, assim como o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
"Especificamente no Rio de Janeiro, os estaleiros já estão se mobilizando para as construções anunciadas e, particularmente, as atividades de desmantelamento [de plataformas], que já contam com uma lei estadual recente [para regulação]. Esse novo mercado será muito importante para os estaleiros fluminenses", reforça o secretário-executivo do Sinaval.
© Tomaz Silva/Agência BrasilProtesto dos trabalhadores da indústria naval em frente ao prédio da Transpetro contra o fechamento de estaleiros. Rio de Janeiro, 3 de julho de 2015
Protesto dos trabalhadores da indústria naval em frente ao prédio da Transpetro contra o fechamento de estaleiros. Rio de Janeiro, 3 de julho de 2015 - Sputnik Brasil, 1920, 09.11.2023
Protesto dos trabalhadores da indústria naval em frente ao prédio da Transpetro contra o fechamento de estaleiros. Rio de Janeiro, 3 de julho de 2015

Contratações do setor seguem em baixa

Segundo o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro (Sindimetal-Rio), Melquizedeque Cordeiro, só no território fluminense a indústria naval chegou a ter 30 mil trabalhadores em seu auge. "Nesse período, houve um forte investimento da Petrobras com o Promef [Programa de Modernização e Expansão da Frota], que priorizou a mão de obra e o fornecimento de peças locais. O estado como um todo também se beneficiou por ser tradicionalmente berço do setor", explica à Sputnik Brasil.
Em toda a cadeia, que inclui empresas de manutenção, peças e outros produtos, o sindicalista estima mais de 80 mil demissões no Brasil, que ainda está longe de recuperar esse número. Para Cordeiro, há expectativas de melhoria com a criação do fórum de defesa da indústria naval. Porém, as contratações de trabalhadores ainda seguem muito baixas. "A maioria dos estaleiros está falido ou em processo de recuperação judicial", relata.
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Indústria atrelada ao setor de petróleo e gás

Doutora em economia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professora adjunta da Escola Naval da Marinha do Brasil, Erika Almeida Ribeiro pontua à Sputnik que as descobertas do pré-sal impulsionam essa indústria que, historicamente, possui forte ligação no Brasil com o setor de petróleo e gás.
"Em meados de 2015, entramos em uma grave crise econômica, o que reduziu investimentos públicos e privados nessas empresas. Atrelado a isso, tivemos problemas na própria indústria de petróleo e gás", pontua a pesquisadora, que reforça que suas opiniões não representam o posicionamento da instituição de ensino que atua.
Aliado a isso, a Sete Brasil, empresa nacional criada para a exploração na camada do pré-sal, entrou em recuperação judicial em 2016 com uma dívida de quase R$ 20 bilhões, inclusive com estaleiros.
Com isso, os contratos foram rompidos, a produção no pré-sal caiu e, consequentemente, houve paralisação virtual dos grandes estaleiros modernizados justamente para atender a essa demanda. "Quando um setor vai mal, o outro também tende a cair", enfatiza a economista. A especialista acrescenta ainda que o setor de defesa nacional é outro grande demandante da indústria naval brasileira.
"Em Itajaí [Santa Catarina], já observamos uma retomada, já que lá estão sendo produzidas as novas fragatas da classe Tamandaré, que é uma demanda da Marinha do Brasil. E a reação desse estaleiro gera novos empregos, move toda a economia local, como mercado imobiliário, prestação de serviços e comércio", diz.

Financiamento de projetos

Outro mecanismo de estímulo ao setor é o Fundo da Marinha Mercante, que financia projetos como construção, modernização de navios e embarcações e recuperação de docas. Gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o fundo teve um ápice de repasses às indústrias do país em 2010, quando receberam R$ 4,044 bilhões em projetos, todos para o desenvolvimento de novas estruturas. Em 2021, que também foi um ano de pandemia, o recurso disponibilizado foi de apenas R$ 58 milhões, segundo o BNDES, integralmente para reparos.
No ano passado, houve uma grande recuperação dos financiamentos, que alcançaram R$ 919,8 milhões, a maior parte para modernização de embarcações. Mesmo assim, representa apenas 23% do que foi repassado às indústrias do setor há 13 anos. "Adotar uma política pública acaba impactando muito. Uma iniciativa interessante é justamente o Fundo da Marinha Mercante, um dos principais instrumentos de fomento do setor marítimo", defende Erika Almeida Ribeiro.
Segundo o BNDES, "os valores citados são relativos a contratações e as empresas financiadas recebem os repasses (desembolsos) de forma parcelada, ao longo do tempo". Ainda conforme a entidade, houve contratações de financiamentos com recursos do fundo para além do setor de óleo e gás. "Em 2021, por exemplo, foram R$ 459 milhões em financiamentos contratados pelo BNDES com recursos do FMM para a indústria naval com foco em logística", enfatizou.
Já o coordenador do curso de ciências econômicas do Ibmec Belo Horizonte, Ari Francisco de Araújo, defende que o Brasil não possui vantagens competitivas na produção de navios e plataformas. "Tal projeto [de retomada do setor] me parece completamente político, não tem viabilidade econômica, assim como foi no passado, e só funciona com participação pesada do Estado. Estamos em um contexto em que as finanças públicas vão de mal a pior", argumenta. O especialista ainda pondera que o custo de uma embarcação brasileira é muito maior do que de outros países e não haverá "ganhos econômicos gerais para a sociedade".
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