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Dolarização buscada por Milei tem questões a responder e 'ainda gera incerteza', diz economista

© AP Photo / Nicolas AguileraO então candidato à presidência argentina Javier Milei segura uma imagem de papelão de uma nota de 100 dólares americanos com seu rosto durante comício de encerramento de campanha em Córdoba, em 16 de novembro de 2023
O então candidato à presidência argentina Javier Milei segura uma imagem de papelão de uma nota de 100 dólares americanos com seu rosto durante comício de encerramento de campanha em Córdoba, em 16 de novembro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 23.11.2023
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A dolarização na Argentina, bandeira do presidente eleito, entra em cena em um período crucial. Agora que a transição com o governo de Alberto Fernández começou, os especialistas levantam questões sobre a sua viabilidade.
"Não é impossível, mas dado o cenário atual seria muito complexo", disse o economista Federico Zirulnik à Sputnik.
Depois do triunfo de Javier Milei, todos os olhares se voltam para o emblemático slogan em torno do qual o presidente eleito organizou a sua campanha: a dolarização da economia argentina. Diante de um cenário marcado pela premente escassez de reservas no Banco Central da Argentina, o mercado se pergunta até que ponto é viável o programa promovido por um governo em clara minoria no Congresso.
Embora o líder do La Libertad Avanza (A Liberdade Avança) tenha moderado a pressão pela medida após a vitória nas eleições, referindo-se a um "período de transição" que teria de passar antes de levar a cabo a reforma, a verdade é que o presidente eleito expressou publicamente sua intenção de levar adiante a iniciativa tomando como referência a proposta do economista Emilio Ocampo, a quem nomearia presidente do Banco Central, conforme anunciado publicamente.
Em seu livro "Dolarização, uma solução para a Argentina", Ocampo propõe o programa de substituição do peso pela moeda norte-americana, em linha com a experiência do Equador. Para isso, a primeira coisa seria enfrentar o "problema das Leliqs" (Cartas de Liquidez), instrumentos de dívida do Banco Central com bancos privados cujo objetivo é absorver os pesos excedentes da economia.
Segundo cálculos do autor, o país precisaria de cerca de US$ 30 bilhões (aproximadamente R$ 143,2 bilhões) para resgatar todo o estoque de Leliqs. O número monumental se insere em um cenário em que os cofres do Banco Central registram reservas líquidas negativas de US$ 10 bilhões (cerca de R$ 49,05 bilhões) – devido a compromissos de dívida descontados das reservas brutas.
Pesos argentinos, Buenos Aires, Argentina, 17 de dezembro de 2015 - Sputnik Brasil, 1920, 21.11.2023
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O mistério subjacente

"A questão não é o que, mas como: ainda não sabemos como Milei planeja executar o programa de ajustamento que promete. A sua orientação é muito clara, mas o plano em si ainda levanta incerteza", disse o economista Federico Zirulnik, pesquisador do Centro Scalabrini Ortiz de Estudos Econômicos e Sociais, à Sputnik.
"Dolarizar não é impossível, mas diante do cenário atual seria muito complexo. Temos reservas negativas, 140 pontos de inflação, déficit e uma situação social sensível. Se o problema for a desordem macroeconômica, a diferença entre as duas instâncias é a chave", disse o analista.
Consultado pela Sputnik, o economista Santiago Manoukián, da consultoria Ecolatina, alertou que "a dolarização enfrenta inúmeros obstáculos e riscos de curto prazo para sua implementação, além da discussão se é conveniente ou não". Para o analista, se forem necessários quase US$ 30 bilhões ao câmbio atual, "já existe uma enorme restrição financeira". Manoukián destacou a colossal tarefa que seria necessária para especificar o tamanho da dívida.
"O ponto central é conseguir a engenharia financeira necessária, que é o empréstimo de um montante suficiente para poder abandonar as restrições cambiais sem enfrentar maiores riscos nas reservas. É difícil porque a Argentina hoje praticamente não tem acesso ao crédito", explicou.
Neste ponto surge um ator transcendental para a política argentina que é o Fundo Monetário Internacional (FMI), organização com a qual o país mantém um acordo assinado pelo atual governo para o pagamento da dívida contraída pelo ex-presidente Mauricio Macri em 2018.
Como auditor virtual da gestão macroeconômica, o grau de apoio do fundo à iniciativa desempenha um papel vital. "O principal obstáculo de Milei, além da falta de reservas, é a falta de convicção que a dolarização desperta em setores do establishment ligados a Wall Street e ao FMI", disse Zirulnik. Contudo, o pesquisador reconhece que a proposta de ajuste drástico das contas públicas poderá encontrar aprovação em Washington.
Carlos Menem e Zulema Yoma, sua esposa à época, acenam da sacada da Casa Rosada no dia da posse de Menem como presidente da Argentina. Buenos Aires, 8 de julho de 1989 (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 22.11.2023
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O custo social

Independentemente da viabilidade da dolarização, o consenso dos especialistas aponta para o impacto inicial que a sua implementação teria. A contração do rendimento ocorreria em uma sociedade cujos rendimentos registassem seis anos consecutivos de queda em termos reais, em um quadro de inflação de 140%.
Para Zirulnik, a dolarização "significaria uma forte desvalorização, ainda mais profunda do que a exigida pela eliminação das restrições cambiais. Como não temos dólares, a taxa de câmbio seria extremamente elevada, e isso teria um impacto direto na qualidade dos salários", sublinhou o economista.
"Se Milei planeja um ajuste de despesas de dez pontos do produto interno bruto [PIB], como diz em sua plataforma, certamente não será suficiente para cortar as despesas do funcionamento político, mas antes atingiria reformas, pensões e outros benefícios que hoje sustentam uma parte da sociedade em um contexto tão adverso", explicou o pesquisador.
Manoukián concebe as potenciais consequências da medida em termos da sua sobrevivência. "Se a dolarização for desordenada, a situação social pioraria tanto que poderia colocar em xeque todo o programa, minando a legitimidade do governo. Qualquer ajuste drástico exigirá necessariamente apoio político para a administração dos conflitos sociais e diálogo com movimentos sociais e sindicatos", afirmou.
"Embora Milei tenha ratificado a dolarização, não descarto que ele esteja pensando em outro tipo de estratégia. Uma possibilidade é que o programa se limite a um forte ajuste com abertura comercial, unificação e liberalização do câmbio e reforma trabalhista e tributária. Se ele conseguir mudanças, talvez a dolarização fique em segundo plano", postulou o consultor.
Javier Milei acena durante seu discurso de vitória após vencer o segundo turno da eleição presidencial, em Buenos Aires. Argentina, 19 de novembro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 22.11.2023
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O caminho sinuoso da transição

Desconsiderando as especulações sobre o rumo adotado pelo governo do La Libertad Avanza, o horizonte tem como norte mais próximo a data de 10 de dezembro, dia da posse de Milei e, portanto, da tomada de posse de toda a máquina econômica que o ex-candidato Sergio Massa lidera até agora.
Ciente do impacto nas expectativas suscitadas pelos anúncios feitos pelo presidente eleito antes desta data, Manoukián alertou que "se Milei prometer que vai dolarizar, o mercado vai naturalmente descontar uma desvalorização e isso pode se traduzir em um salto repentino da inflação e outros indicadores, embora a presidência de Alberto Fernández não tenha terminado".
Questionado sobre isso, Zirulnik afirmou que "hoje o que Milei acaba dizendo é mais importante do que o que o partido no poder — já em saída — pode fazer". Nesse sentido, o economista destacou que se o governo Fernández "decidir anunciar um preço da taxa de câmbio oficial para tentar 'travar' qualquer pressão excessiva de desvalorização, isso deve ajudar a manter a calma nos mercados para que a transição seja ordenada".
Porém, o pesquisador alerta que, para fazer a dolarização, é do interesse do presidente eleito que isso exploda antes de ele tomar posse, ou seja, que haja um salto cambial e inflacionário antes de tomar posse, porque isso o deixaria com terreno mais nivelado sem pagar o custo político. "Apesar de tudo, acredito que todos os elementos estão reunidos para que a transição seja ordenada. A dúvida é mais política do que econômica", pontuou.
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