Por que programa espacial da Coreia do Norte é mais avançado do que o brasileiro? Analistas debatem
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Enquanto Coreia do Norte inaugura "nova era de poder espacial" com seu novo satélite de reconhecimento, Brasil sofre com sazonalidade no investimento para o setor. Afinal, por que o programa de Pyongyang ultrapassou o brasileiro?
Nesta semana, a Coreia do Norte anunciou oficialmente ter lançado com sucesso o seu primeiro satélite militar. Segundo o líder norte-coreano Kim Jong-un, o satélite inaugura "uma nova era de poder espacial" para o país.
De acordo com informações da Agência Central de Notícias da Coreia (KCNA, na sigla em inglês), o lançamento garantirá a proteção do país contra "movimentos perigosos e agressivos de forças hostis".
O satélite de reconhecimento Mallingyong-1 foi colocado em órbita após duas tentativas malsucedidas realizadas em maio e agosto deste ano. O lançamento desta semana também foi o primeiro bem-sucedido para o veículo lançador norte-coreano Chollima-1.
Este é o quinto satélite norte-coreano a ser colocado em órbita, mas o primeiro destinado a cumprir tarefas militares e de reconhecimento. De acordo com a KCNA, o líder Kim Jong-un teria tido acesso a imagens da base norte-americana de Guam poucas horas após o início do funcionamento do equipamento.
O evento atesta para mais um sucesso do programa aeroespacial da Coreia do Norte, que está sob sanções internacionais impostas pelo Conselho de Segurança da ONU.
"O programa espacial norte-coreano é um programa bem desenvolvido e avançado dadas as condições do país, isolado e sancionado pelos EUA e pela ONU", disse o presidente do Centro de Estudos da Política Songun do Brasil, Lucas Rubio, à Sputnik Brasil. "O nível técnico que os engenheiros norte-coreanos conseguiram alcançar é realmente impressionante e muito à frente de países com muito mais potencial e oportunidades."
Segundo ele, o satélite complementará as capacidades defensivas da Coreia do Norte, que já conta com mísseis balísticos intercontinentais, como o Hwasong-14 e o Hwasong-15, testados em 2017.
© Foto / KCNAO Escritório Geral de Engenharia Aeroespacial da RPDC lança com sucesso o satélite de reconhecimento Malligyong-1 às 22 horas, 42 minutos e 28 segundos em 21 de novembro de 112 Juche (2023) usando um novo tipo de foguete transportador Chollima-1 do Centro Espacial Sohae em Condado de Cholsan, província de Pyongan do Norte
O Escritório Geral de Engenharia Aeroespacial da RPDC lança com sucesso o satélite de reconhecimento Malligyong-1 às 22 horas, 42 minutos e 28 segundos em 21 de novembro de 112 Juche (2023) usando um novo tipo de foguete transportador Chollima-1 do Centro Espacial Sohae em Condado de Cholsan, província de Pyongan do Norte
© Foto / KCNA
"O próprio Kim Jong-un anunciou que, se antes a Coreia do Norte tinha um punho de longo alcance, agora ela também tem olhos de longo alcance", disse Rubio. "Com este novo satélite militar, a RPDC certamente será capaz de prever com muito mais facilidade e por meios próprios as movimentações no Pacífico, importante espaço de manobra dos EUA."
O lançamento foi considerado pelos EUA uma violação de resoluções do Conselho de Segurança da ONU, que impõe limitações ao programa de desenvolvimento de tecnologia de mísseis balísticos norte-coreanos.
© AP Photo / Lee Jin-manTela televisiva mostra lançamento de míssil da Coreia do Norte durante noticiário sul-coreano na Estação Ferroviária de Seul, Seul, Coreia do Sul, 15 de junho de 2023
Tela televisiva mostra lançamento de míssil da Coreia do Norte durante noticiário sul-coreano na Estação Ferroviária de Seul, Seul, Coreia do Sul, 15 de junho de 2023
© AP Photo / Lee Jin-man
"Kim Jong-un está exercendo um direito comum a todos os países, a autodefesa. Se os EUA possuem bases militares, satélites, radares, a CIA e todos os tipos de aparatos não só ao redor de suas fronteiras como também em todos os cantos do mundo, por que a Coreia não pode vigiar seus arredores? É uma pergunta simples e lógica que muitas pessoas não se fazem", considerou Rubio.
Brasil fica para trás?
O desenvolvimento do programa aeroespacial norte-coreano contrasta com o brasileiro, que enfrenta dificuldades desde o acidente na Base de Alcântara em 2003, que destruiu o foguete brasileiro VLS-1 V03 e vitimou 21 técnicos civis capacitados.
"O programa espacial brasileiro chegou a grandes êxitos no começo dos anos 2000 e contou com o trabalho coletivo de milhares de técnicos e cientistas altamente capacitados", considerou Rubio. "Mas ele foi duramente sabotado e indesejado por potências estrangeiras que, infelizmente, possuem grande histórico de interferência nos assuntos internos do nosso país."
© AP Photo / Li Gang / XinhuaNa província de Shanxi, na China, um satélite desenvolvido em conjunto por cientistas chineses e brasileiros é lançado, em 21 de outubro de 2003
Na província de Shanxi, na China, um satélite desenvolvido em conjunto por cientistas chineses e brasileiros é lançado, em 21 de outubro de 2003
© AP Photo / Li Gang / Xinhua
O professor de engenharia aeroespacial da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e fundador da Acrux Aerospace, dr. Oswaldo B. Loureda, lembra que o programa brasileiro mantém caráter estritamente civil e não precisa do desenvolvimento de tecnologia de mísseis balísticos para se desenvolver.
"É possível desenvolver tecnologias de veículos lançadores sem necessariamente desenvolver tecnologia de mísseis balísticos", disse Loureda à Sputnik Brasil. "O foco do Brasil sempre foi no uso 100% civil de veículos lançadores."
O professor nota que o Brasil tem satélites avançados, como satélite de observação Amazônia-1, lançado em 2021, totalmente projetado e operado por cientistas brasileiros.
"Hoje o INPE está revisando esse satélite para que ele seja de menor porte e mais leve. Há um consórcio de empresas […] formado para desenvolver satélites ópticos menores, modernos e eficientes, que serão os mais modernos do Brasil", relatou Loureda.
© Foto / Divulgação/Ministério da Ciência, Tecnologia e InovaçõesO primeiro satélite totalmente brasileiro, o Amazônia-1, é lançado no espaço (imagem ilustrativa)
O primeiro satélite totalmente brasileiro, o Amazônia-1, é lançado no espaço (imagem ilustrativa)
© Foto / Divulgação/Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações
O setor de lançamento de foguetes também avança, em particular com o projeto do Veículo Lançador de Microssatélites (VLM). No início de novembro, o Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) divulgou a realização de testes bem-sucedidos com o veículo, reportou a Força Aérea Brasileira.
Além do programa capitaneado pelo IAE, consórcio de empresas nacionais, apoiadas pela Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e pela Agência Espacial Brasileira (AEB), está engajado no desenvolvimento de veículos lançadores de pequeno porte.
"O nosso maior desafio é a falta de investimentos e da previsibilidade desses investimentos", apontou o professor de engenharia aeroespacial. "O setor sofre muita sazonalidade e variação em matéria de apoio governamental. No momento estamos vendo um período de grandes investimentos no setor, mas nos últimos anos não era dessa forma."
Para ele, o programa brasileiro deve ser liderado pelo Estado, já que é "crucial para o desenvolvimento do Brasil como nação soberana".
© AP Photo / Eraldo PeresNa Base de Alcântara, no estado brasileiro do Maranhão, oficiais da Força Aérea brasileira observam a torra o Centro de Lançamento de Satélites local, em 14 de setembro de 2018
Na Base de Alcântara, no estado brasileiro do Maranhão, oficiais da Força Aérea brasileira observam a torra o Centro de Lançamento de Satélites local, em 14 de setembro de 2018
© AP Photo / Eraldo Peres
O presidente do Centro de Estudos da Política Songun do Brasil, Lucas Rubio, concorda, e sugere que programas estratégicos sejam tratados como política de Estado, e não de governo.
"Investimento massivo em pesquisa e autonomia científica nacional é o único caminho para o sucesso em muitas áreas ambicionadas por qualquer país desenvolvido ou pretenso a ser [...] nessa área, a Coreia do Norte, com apenas uma minúscula fração do nosso território, população e economia, está anos-luz na nossa frente", concluiu Rubio.
Nesta terça-feira (22), a Coreia do Norte lançou o satélite de reconhecimento Mallingyong-1 a partir da costa oeste do país. O lançamento levou a suspensão do acordo assinado entre a Coreia do Sul e Coreia do Norte em 2018, que impunha restrições à atividade militar na fronteira entre os dois países.