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Eventos que marcaram 2023 e previsões para 2024
Como foi o ano de 2023 para o Brasil e para o mundo? As matérias retrospectivas da Sputnik revivem destaques do ano que deixaram marcas na vida política, econômica e social do globo.

África 2023: do rompimento do Níger com a França a novos países no BRICS; veja os principais pontos

© AFP 2023 / Albert Gonzalez FarranVoluntária carrega saco de grãos distribuído pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV)
Voluntária carrega saco de grãos distribuído pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) - Sputnik Brasil, 1920, 29.12.2023
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O continente africano está passando por transformações significativas em 2023, refletindo uma dinâmica global de mudanças rápidas nas relações internacionais.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas comentaram e explicaram, em conversa com os jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, alguns dos principais eventos envolvendo a África neste ano.
Luccas Gissoni, doutorando em economia política mundial na Universidade Federal do ABC (UFABC), destacou o rompimento do Níger com a França como um dos eventos mais marcantes de 2023 para o continente. Gissoni, ao abordar a questão, contextualizou a ruptura à luz do neocolonialismo, uma dinâmica que persiste mesmo após a colonização formal.
Ele explicou que o neocolonialismo representa um recuo do colonialismo para uma relação que não é de dominação formal, mas que mantém a exploração econômica das antigas potências colonizadoras sobre as nações africanas.

"Eu acho que esse rompimento é, sim, um marco. A gente fala muito utilizando a categoria do neocolonialismo, que é uma categoria apunhada pelo Kwame Nkrumah, que foi o primeiro presidente de Gana, exatamente para descrever essa situação em que, após a descolonização, a independência e a libertação nacional dos países africanos, aquela relação de tipo colonial, uma relação similar à que tinham na época da colonização, ela é realizada pelas antigas potências colonizadoras através de amarras um pouco mais soltas, sem relação colonial propriamente dita, mas que consegue manter o seu objetivo de manter a exploração dos povos africanos e das outras nações colonizadas."

Membros da delegação do Zimbábue momentos antes de reunião entre o presidente do país, Emmerson Mnangagwa, e o presidente russo, Vladimir Putin, à margem da Segunda Cimeira e Fórum Econômico e Humanitário Rússia-África, no Expofórum. São Petersburgo, Rússia - Sputnik Brasil, 1920, 14.12.2023
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O Níger, situado na África Ocidental, desempenhou um papel crucial nesse cenário, desde a descolonização na década de 1960. O recente rompimento com sua antiga metrópole, embora incerto em suas consequências futuras, sinaliza um movimento tendente ao afastamento dessa relação neocolonial.
Quando questionado sobre o impacto econômico na França, notadamente em relação ao urânio, Gissoni observou que o país europeu, enquanto imperialista, possui estratégias de resguardo para seu abastecimento de recursos naturais.
O urânio, vital para a matriz nuclear francesa, é adquirido de diversos fornecedores, sendo o Níger o terceiro na lista. Entretanto ele ressaltou que a França buscará diversificar suas fontes para garantir sua segurança energética, mencionando países como Cazaquistão, Uzbequistão, Austrália, Namíbia, Canadá e Brasil.

"O urânio é muito importante porque a França tem 56 reatores em funcionamento em 18 centrais nucleares, e grande parte da energia francesa é a partir da matriz nuclear. Então ela, nos anos 2000, parou de produzir no próprio território o urânio e vem se abastecendo a partir de vários fornecedores", pontuou.

Apesar do rompimento, Gissoni destacou que a França possui reservas estratégicas significativas de urânio, o que reduz a probabilidade de enfrentar uma crise iminente no fornecimento.
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A comunidade internacional agora observa atentamente os desdobramentos dessa decisão, aguardando para ver como os eventos subsequentes moldarão não apenas o relacionamento entre o Níger e a França, mas também o papel mais amplo do continente africano no cenário global em constante transformação.

Implicações geopolíticas e a complexa dinâmica entre Norte e Sul

Gissoni salientou que o rompimento do Níger com a França representa mais do que uma simples mudança nas relações neocoloniais. Ele enfatizou que esse acontecimento é crucial para a afirmação da soberania do Níger sobre seus recursos naturais, desafiando a persistência do neocolonialismo que caracterizou a relação entre as ex-colônias africanas e as potências colonizadoras.
Ao abordar as imagens que mostram pessoas com bandeiras da Rússia após a intervenção militar no Níger, Gissoni refutou a ideia de uma disputa direta entre o Ocidente e Moscou, destacando a importância de inverter o foco para uma perspectiva Norte-Sul ou centro-periferia. Ele ressaltou que a Rússia também é afetada por agressões imperialistas, posicionando-a como um país do Sul.

"A Rússia, nesse contexto, aparece como um aliado importante, assim como a China, dos povos que buscam se desvencilhar da opressão neocolonial e do imperialismo", explicou.

A presença de bandeiras da Rússia durante manifestações no Níger, segundo Gissoni, é uma expressão do nacionalismo nigerino e da busca pela soberania nacional. Ele destacou que, nesse contexto, Rússia e China são percebidas como parceiros capazes de oferecer alternativas às tradicionais relações unipolares com o Ocidente.
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A situação no Níger continua a evoluir, e, segundo o analista, as consequências geopolíticas desse rompimento estão longe de ser totalmente compreendidas. A complexa dança entre soberania nacional, interesses geopolíticos e luta contra o neocolonialismo permanece como um tema central na dinâmica africana e global.

Desafios e perspectivas para o continente africano

À Sputnik Brasil, a professora Patrícia Teixeira, especialista em história da África, expôs uma perspectiva crítica sobre o panorama atual do continente africano. Ela expressou preocupações significativas sobre as condições vividas por diversas nações africanas, sublinhando que não foi um bom ano para o continente.
Um dos principais pontos abordados pela professora foi a persistência de conflitos militares e tragédias humanitárias, com destaque para a situação em Moçambique, especialmente na região norte do país, onde o conflito em Cabo Delgado continua. Teixeira desafiou a narrativa interna que rotula a crise como um mero conflito religioso ou regional, revelando que a verdadeira motivação é a exploração de recursos naturais por multinacionais.

"O que perpassa esse conflito é a questão das multinacionais, que estão explorando o ouro, o rubi e o gás natural. Então, infelizmente, até um comentário que se faz na área de estudos africanos é que quando se descobre riquezas na África, coitado do povo que mora sob, em cima ou ao lado dessas riquezas."

A pesquisadora ressaltou a natureza predatória das relações com a África, intensificada no contexto pós-COVID-19, e mencionou a visão do papa Francisco de uma "Terceira Guerra Mundial aos pedaços" ao observar os conflitos que assolam o continente. Além disso, a professora destacou a continuidade dos combates no Congo e na República Centro-Africana, lamentando o total silenciamento ou a superficialidade na cobertura dessas tragédias humanitárias.
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"Quando observamos cada conflito que acontece na África e no mundo hoje, ele, para o olhar do papa Francisco, é uma Terceira Guerra Mundial que se desenha, de forma muito trágica, obviamente, nos espaços onde ela ocorre. A continuidade dos conflitos do Congo e da República Centro-Africana, com o aumento […] da tragédia humanitária e, pior, o total silenciamento ou uma visão muito superficial desses conflitos, […] [reforçam essa visão] […]", sublinha.

Ao ser questionada sobre a cobertura midiática da crise na África, a professora apontou duas questões críticas. Primeiramente ela discutiu a existência de uma fórmula narrativa caracterizada pelo "afropessimismo", que enxerga o continente africano como fadado ao fracasso e perpetua estereótipos prejudiciais. Em segundo lugar, ela expressou preocupação com a falta de mobilização do Ocidente diante das crises africanas, contrastando com a atenção dedicada a outros conflitos globais.
"[Segundo] a ideia do afropessimismo, […] o continente africano é um continente fadado ao fracasso, porque a humanidade que ali vive não tem condições de fazer um pleno desenvolvimento. Então, diante disso, o que esse continente tem de riqueza natural ainda é visto […] numa perspectiva, infelizmente, colonial mesmo", reforça.

África e BRICS

Ao abordar a entrada de mais dois países africanos no BRICS, hoje composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, Patrícia Teixeira reconheceu que embora haja desafios econômicos significativos, especialmente considerando-se a busca por liderança continental, a participação desses países no grupo poderia oferecer oportunidades para abordar questões cruciais, como desigualdade social, corrupção e exploração brutal por empresas internacionais.

"Acredito que isso possa ser importante porque, a despeito de toda a questão econômica, de quererem também ter liderança continental, são países que podem pontuar os problemas graves de descarte da população e de relações brutais de exploração que essas empresas internacionais têm, países que têm sistemas de governo com muitos casos de corrupção e desvio e uma forte desigualdade social", analisa.

Ela expressou a esperança de que países como Brasil, Rússia, China e os novos membros africanos do BRICS possam compreender a importância de uma liderança continental que promova um crescimento econômico mais equitativo e desenvolvimento social.

"Porque ao fazer isso, todos lucram e todos crescem. É a esperança."

A conversa voltou à ideia inicial de que não foi um grande ano para o continente africano, mas Teixeira enfatizou que, mesmo diante dos desafios, há potenciais agentes modificadores positivos. Ela apontou para a possibilidade de Rússia, China e Brasil desempenharem papéis significativos na transformação positiva da situação africana, desde que haja um comprometimento real em abordar as questões fundamentais que afligem o continente.
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No contexto do BRICS, a professora destacou que esses países podem se tornar catalisadores de uma mudança positiva, especialmente se adotarem políticas que visem a um desenvolvimento econômico mais inclusivo e sustentável.
Os especialistas concordam no fato de o caminho a ser percorrido ainda ser incerto, mas a discussão revela um otimismo cauteloso diante das complexidades e desafios que se apresentam.
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