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Equador: como o país saiu de oásis da segurança sul-americana para uma guerra civil sem precedentes?

© STRINGER / AFPFuncionários de emissora pública deixam prédio às pressas após invasão de criminosos armados. Guayaquil, 9 de janeiro de 2024
Funcionários de emissora pública deixam prédio às pressas após invasão de criminosos armados. Guayaquil, 9 de janeiro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 10.01.2024
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Entre o Oceano Pacífico, a Floresta Amazônica e a Cordilheira dos Andes, um país se destacou como oásis seguro em meio à violência histórica de seus dois únicos vizinhos: Colômbia e Peru, maiores produtores mundiais de cocaína. Até 2018, a taxa de homicídios era de 5,8 por 100 mil habitantes, e a maioria se sentia segura para andar sozinha à noite.
Mergulhado em crises políticas nos últimos cinco anos, quando aliados como os ex-presidentes Rafael Correa e Lenín Moreno passaram a arqui-inimigos e até pediram asilo político em outros países, o Equador viu o índice de homicídios mais do que quadruplicar e várias partes do país serem tomadas por facções criminosas — que cresceram com o apoio dos poderosos cartéis colombianos e mexicanos. No último ano, o país chegou a ser considerado o mais inseguro da América Latina pela população.
Diante de um sistema penitenciário que virou um caldeirão que explodiu, o problema se agravou tanto que o atual presidente, Daniel Noboa, eleito com a promessa de apaziguar o país, decretou na última terça-feira (9) situação de "conflito armado interno", o que equivale a uma guerra civil. Mas como o país chegou a essa situação sem precedentes na história?
O jornalista, doutor em ciência política e professor de relações internacionais Bruno Lima Rocha disse ao podcast Mundioka, apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, que uma união de fatores como a economia dolarizada, o sistema logístico moderno com grandes portos no Pacífico e a proximidade aos grandes produtores de cocaína atraíram os grandes cartéis do México e da Colômbia, que ajudaram a transformar gangues locais em facções organizadas e lucrativas.
Forças Armadas tomam as ruas do Equador após fuga de um dos maiores criminosos do país do sistema prisional. Quito, 9 de janeiro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 09.01.2024
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Facções criminosas prometem guerra, e presidente do Equador declara 'conflito armado interno'
Com a fragilização do governo diante das sucessivas crises, como a tentativa de dissolução do Congresso frente ao processo de impeachment e até o assassinato de um candidato a presidente, a condição ideal foi criada para a atuação dos criminosos.

"Se não fosse o fato de o país ser dolarizado desde 2001 e tivesse pelo menos um departamento prisional, além da fiscalização do sistema bancário, que manda no país, não estaria nessa situação", afirma o especialista, lembrando que tudo isso criou um solo fértil para a lavagem de dinheiro das facções.

Já nos portos ao longo da Costa do Pacífico, outro atrativo foi o escoamento rápido para o maior mercado consumidor de cocaína do mundo: os Estados Unidos. E foi de uma das principais cidades portuárias do país, Guayaquil, que surpreendeu o mundo com imagens de terror, quando uma emissora pública de televisão chegou a ser invadida durante uma transmissão ao vivo por criminosos armados e encapuzados. Essas regiões são justamente onde se concentram as 22 principais facções do país, que ainda disputam poder e foram consideradas pelo governo organizações terroristas e atores não estatais beligerantes.
"Caso o governo não retome o controle territorial sobre as províncias costeiras, a economia do Equador ficará em vulnerabilidade e há o risco real de ser considerado um Estado falido", pontua o especialista.

O que está acontecendo com o Equador?

Há menos de três dias, com a fuga de um dos criminosos mais poderosos do país do sistema penitenciário (José Adolfo Macías, conhecido como Fito), o presidente Daniel Noboa, herdeiro da quinta maior fortuna do país e eleito em outubro com a promessa de resolver a crise na segurança pública, decretou situação de emergência. Com isso, as Forças Armadas ficam autorizadas a fazer operações para neutralizar as facções e a entrar em residências sem mandado judicial. Houve até a imposição de um toque de recolher por 60 dias.
Para Bruno Lima, a forma como o governo busca resolver o problema pode criar uma situação ainda pior no país.
"Começou com uma situação estranha [após a campanha eleitoral], depois veio o anúncio de um plebiscito em que um dos itens era aumentar os poderes do presidente. Teve a entrevista coletiva, mas quem deu foi o chefe das Forças Armadas, pouco após o decreto ser estabelecido. A legalidade está dada, mas as relações estão todas controversas. As soluções, ao que me parece, vão levar ao estrangulamento da economia popular equatoriana, por um lado, e à perda total da soberania nacional", explica.
Fachada do Palácio do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores. Brasília - Sputnik Brasil, 1920, 09.01.2024
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Criminalidade no Equador pode ser comparada ao Brasil?

Em maio de 2006, uma onda de ataques promovida pela maior organização criminosa de São Paulo provocou quase 600 mortes em dez dias como reação à transferência de lideranças para presídios de segurança máxima, a exemplo do que acontece atualmente no Equador. Apesar da similaridade com o contexto brasileiro, inclusive com uma fracassada interferência federal na segurança pública do Rio de Janeiro em 2017, a escala do conflito no país vizinho é muito maior.

"É muito semelhante, mas têm escalas diferentes. [No Equador] há um conjunto de atividades criminosas conexas, e a mais complicada é a que chamam de 'vacuna', uma gíria colombiana que se nacionalizou no país para remeter à extorsão cobrada pelos criminosos para a realização de atividades econômicas. Na Zona Oeste do Rio, por exemplo, fazem o mesmo procedimento, mas no Equador atingem indústrias exportadoras", compara.

Deportação de detentos estrangeiros

Em mais uma medida para conter a crise, o presidente Daniel Noboa anunciou ainda nesta quarta (10) que o país vai começar a deportar detentos estrangeiros, dos quais 90% são colombianos, peruanos ou venezuelanos. O objetivo é reduzir a pressão sobre o sistema penitenciário, uma das causas da escalada da violência, e onde quase 130 agentes ainda são mantidos reféns. No Equador, os presídios são geridos pela própria polícia, sem existir um departamento próprio, como ocorre no Brasil.
O doutor em ciência política Bruno Lima avalia que a medida vai funcionar mais como uma autopropaganda para o atual governo. "Também deve funcionar mais para buscar um bode expiatório do que necessariamente para solucionar um problema concreto. Se fossem presos mexicanos [ligados aos cartéis], eu até diria que poderia ajudar, mas esses demais não fazem parte de uma grande hierarquia, até porque vieram de países que são rota ou se dedicam à produção [da cocaína]", argumenta.
Segundo o especialista, são justamente esses cartéis mexicanos que viram em um país dolarizado como o Equador a oportunidade de receber na moeda norte-americana pelas atividades criminosas sem a necessidade de converter, o que mitiga riscos e ainda facilita a compra de bens por essas facções.

"E o bom sistema logístico no país para o escoamento da droga em um país que era tranquilo é como se chegasse um monstro em um jardim de infância", diz.

Decreto é inspirado em El Salvador

O plano de Noboa é inspirado no combate ao crime realizado em El Salvador, conhecido pela política "mão dura" do presidente Nayib Bukele.
"É o uso sem limite da força, em que foi colocado que o país está em guerra e ponto. Isso aconteceu em El Salvador, por exemplo, onde foi colocado grau de equivalência das Forças Armadas com a polícia, que pode entrar em uma residência sem ordem judicial, fato abolido no Brasil na Constituição de 1988, ou prender qualquer pessoa para averiguação", frisa Lima.
Esse é justamente um dos maiores riscos do decreto, caso seja prorrogado para além dos 60 dias previstos inicialmente, acredita o professor.
"Se passar a se dedicar à segurança pública de forma extensiva, não como uma força-tarefa, não vai dar certo. Há ainda o temor de um banho de sangue e, se o governo tiver a máquina de propaganda como o Nayib Bukele, tudo pode acontecer", finaliza.
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