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Análise: crise dos agricultores expõe hipocrisia verde e queda da França como celeiro europeu
Análise: crise dos agricultores expõe hipocrisia verde e queda da França como celeiro europeu
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Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas apontam que os atuais protestos de agricultores na França refletem como a agenda ambiental é utilizada por países... 08.02.2024, Sputnik Brasil
2024-02-08T14:18-0300
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Nos últimos meses, a França vem sendo varrida por protestos de agricultores contrariados com as políticas para o setor do presidente francês, Emmanuel Macron.Entre outras coisas, os manifestantes exigem o fim da negociação do acordo entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, que abriria margem para a competição com gigantes produtores, em especial o Brasil, e a revogação da proposta do governo francês que visa retirar subsídios ao setor agrícola, principalmente voltados ao combustível, um reflexo da agenda ambiental do governo Macron.Iniciados no final do ano passado, os protestos vêm escalando e deixando a situação de Macron cada vez mais complicada. No final de janeiro, milhares de tratores bloquearam vias cruciais da capital Paris e outras grandes cidades francesas, levando o presidente Macron a convocar uma reunião de emergência com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, para discutir a crise dos agricultores.Embora o acordo Mercosul-UE seja geralmente apontado como o fator que levou à ira dos agricultores franceses ao auge, especialistas apontam à Sputnik Brasil que o problema, na realidade, tem raízes muito mais profundas.Qual o papel da agricultura na França?Estêvão Martins, professor de história contemporânea e relações internacionais na Universidade de Brasília (UnB), argumenta que a agricultura sempre foi um setor crítico para a França, e para entender isso é preciso voltar à década de 1960.Ele afirma que, na época, ainda não existia a UE, mas sim a Comunidade Europeia de Nações, que contava então com seis membros — Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos —, na qual a França sempre foi um dos celeiros.Com a posterior adesão de outros países e a ascensão da UE, que atualmente conta com 27 membros, garantir a segurança alimentar de todos os Estados do bloco e manter uma renda decente a todos os produtores se tornaram "dois verdadeiros calos, que permanecem extremamente dolorosos até hoje". A França, no entanto, recebe cerca de 9,5 bilhões de euros (cerca de R$ 50 bilhões) na conta da distribuição dos subsídios de financiamento por orçamento da UE para a PAC."Isso remonta a uma situação política muito complicada que aconteceu em 1965, quando o então presidente da França, que era o general [Charles] de Gaulle, descontente com uma série de iniciativas que a comunidade europeia estava tomando naquele momento, notadamente com respeito ao modo de decidir as coisas, simplesmente adotou o que se chamou de política da cadeira vazia. Ele disse que a França não participaria mais das reuniões de decisão, e como as decisões tinham de ser tomadas por unanimidade [entre os então seis membros da comunidade], durante vários meses, a França simplesmente deixou de comparecer às reuniões e com isso nenhuma decisão pôde ser tomada."Martins ainda acrescenta que a política da cadeira vazia perdurou de 1º de julho de 1965 até 30 de janeiro de 1966, quando ocorreu uma reunião de conciliação, na qual a França obteve duas vitórias notáveis.Por conta disso, complementa Martins, países que entraram posteriormente na UE, como Portugal, Espanha e Grécia, e mesmo a Itália, que já constava como membro desde o início, "tiveram que se submeter a cláusulas razoavelmente duras para se ajustar ao princípio que estava determinado por esses acordos"."E isso está no fundo, uma espécie de nevoeiro que vem do tempo e que está por trás das exigências de que muitas dessas coisas complicam o trabalho da negociação para gerar uma convergência que se agravou com o surgimento [adesão à UE] de outros países que têm forte presença agropecuária, como a Polônia, a Hungria, a Romênia e a Bulgária."Martins aponta que existe uma disputa interna na UE entre o custo de produção agrícola e pecuária entre Portugal, Espanha, Itália, Grécia, Bélgica, França e Alemanha, o que explica por que, durante a última rodada de protestos de agricultoras franceses, "caminhões de produtos agrícolas espanhóis, que estão dentro da União Europeia e que têm todo o direito de ir e vir porque o mercado comum não proíbe, foram atacados".Qual o papel do Mercosul no imbróglio francês?Somado às disputas internas de longa data na UE, estão as negociações para o acordo entre o bloco e o Mercosul. Embora tenham sido iniciadas há 25 anos, a ascensão de novas questões, como a agenda verde da Europa, que, entre outras coisas, proíbe o uso de determinados fertilizantes ou de pesticidas, como efeito colateral, acabou por minar a capacidade do setor agrícola francês de competir com países que usam esses produtos para impulsionar suas produções, como o Brasil, por exemplo.Nesse contexto, Martins afirma que o acordo se tornou uma espécie de válvula de escape que permite aos agricultores extravasar as frustações vivenciadas pela crise econômica que afeta a economia europeia como um todo, e que tem como base um conjunto de fatores."Às vezes, há um pouco de jogo político também interno para agricultores e pecuaristas, no caso desse protesto francês recente, de obterem do governo local vantagens, brandindo esse fantasma ameaçador que seria o acordo do Mercosul, no qual eles encontraram uma espécie de bode expiatório para soltar a raiva, a tensão, a frustração com o problema da crise econômica, que atingiu todas as áreas de trabalho e de produção agrícola na Europa, não só na França, mas também na Itália, na Espanha, em Portugal, na Grécia, na Alemanha, cuja recessão econômica está despontando no horizonte", explica Martins.Há hipocrisia na retórica ambiental francesa?Questionado se diante de todos esses fatores é possível afirmar que a raiz dos protestos do setor agrícola francês é o protecionismo, o que tornaria a retórica ambiental francesa uma bandeira hipócrita, Martins destaca que isso de fato existe, mas não apenas com relação à França."Há uma dose de protecionismo na hora que aperta o calo. Cada um cuida do seu próprio pé e larga o pé dos outros para lá. Isso, internacionalmente, sempre foi chamado de defesa radical do interesse nacional soberano, que é uma expressão eufemística que também pode ser qualificada como cinismo ou hipocrisia."Segundo ele, essa "atitude maquiavélica da política internacional não é nova e permanece vigorando para as gerações atuais que decidem nos processos políticos dos muitos países e das organizações multilaterais existentes, das quais a Organização das Nações Unidas [ONU] é uma das mais fracassadas dos últimos 50 anos".Ele acrescenta que "essas coisas, de certa maneira, com outras roupagens e outras peças, não mudaram, ou seja, vale para metas climáticas, para metas de emissão de carbono, para metas de transição da matriz energética".Qual a possibilidade de o acordo Mercosul-UE ser concretizado?Para Rodrigo Barros de Albuquerque, professor de relações internacionais da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no cenário atual, a probabilidade de o acordo ser efetivado está distante no horizonte."Quanto aos outros países, os protestos de agricultores acontecem em quase uma dezena de países-membros da União Europeia, e o acordo exige unanimidade de votos favoráveis. Com um número tão grande de países onde há grande insatisfação popular, em um ano com tantas eleições acontecendo simultaneamente, a probabilidade de que o Brasil — e o Mercosul — consiga contornar a situação e fazer com que todos os países europeus assinem o acordo é baixíssima", complementa.No que tange o chamado protecionismo verde, Albuquerque ressalta que "a agenda ambiental tem grande peso no cenário internacional atualmente, o que leva à sua utilização sempre que possível para respaldar decisões de governantes".Alemanha luta para manter relevânciaQuestionado sobre qual o papel da Alemanha, que é considerada uma das principais vozes europeias em prol do acordo Mercosul-UE, na busca pelo consenso, Albuquerque lembra a alta quantia empregada nas negociações do acordo, bem como o grande número de pessoas que ele afeta, tanto do lado europeu quanto sul-americano."O mercado alcançado pelo acordo, se celebrado, afeta mais de 30 países, quase 800 milhões de pessoas, mais de 120 bilhões de euros [R$ 645 bilhões] ao ano. É muita coisa para ser desprezada com tanta facilidade, seja pela Alemanha, seja pelos outros países que se beneficiariam com o acordo."Ele argumenta, no entanto, que a posição alemã precisa ser contextualizada e destaca que, "historicamente, França e Alemanha são os motores da integração europeia, os países que assumem a maior parte dos custos para fazê-la funcionar". Porém, Berlim perdeu seu protagonismo no continente nos últimos anos."Desde que Angela Merkel deixou o governo alemão, o país luta para manter a relevância que tinha durante o seu mandato. Olaf Scholz não tem a mesma habilidade política que Merkel, não tem a mesma capacidade de estabelecer consensos internamente e tem visto a Alemanha perder cada vez mais capital político na União Europeia, enquanto a França assume um papel cada vez mais proeminente. Então, convencer os demais países de que uma opção pragmática — observando os potenciais ganhos para a comunidade europeia — seria o melhor caminho, certamente alavancaria a popularidade de Scholz e seu capital político como um todo. Mas é algo muito difícil de se conseguir a essa altura dos acontecimentos, e Scholz tem uma difícil missão pela frente se quiser investir nisso como prioridade da sua agenda de governo", destaca o especialista.No ano passado, após anos de negociações e com a possibilidade de fechamento do acordo tomando forma, a UE enviou ao Mercosul uma carta adicional estabelecendo cobranças adicionais como exigências para a assinatura do pacto. Na carta, constavam medidas que os próprios países europeus descumpriram no Acordo de Paris, o que foi apontado por alguns analistas como uma hipocrisia.
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Nos últimos meses, a França vem sendo varrida por
protestos de agricultores contrariados com as políticas para o setor do presidente francês, Emmanuel Macron.
Entre outras coisas, os manifestantes exigem o fim da negociação do acordo entre a
União Europeia (UE) e o Mercosul, que abriria margem para a competição com gigantes produtores, em especial o Brasil, e a revogação da proposta do governo francês que visa retirar subsídios ao setor agrícola, principalmente voltados ao combustível,
um reflexo da agenda ambiental do governo Macron.
Iniciados no final do ano passado, os protestos vêm escalando e deixando a situação de Macron cada vez mais complicada. No final de janeiro, milhares de tratores bloquearam vias cruciais da capital Paris e outras grandes cidades francesas, levando o presidente Macron a convocar uma reunião de emergência com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, para discutir a crise dos agricultores.
Embora o acordo Mercosul-UE seja geralmente apontado como o fator que levou à ira dos agricultores franceses ao auge, especialistas apontam à Sputnik Brasil que o problema, na realidade, tem raízes muito mais profundas.
Qual o papel da agricultura na França?
Estêvão Martins, professor de história contemporânea e relações internacionais na Universidade de Brasília (UnB), argumenta que a agricultura sempre foi um setor crítico para a França, e para entender isso é preciso voltar à década de 1960.
"A França, como outros países, tem uma tendência, no caso da agricultura e da pecuária, extremamente ciumenta. Eu diria mesmo que é fato que é extremamente protecionista. E esse ciúme e essa proteção não começaram no ano passado ou em 2019 ou 2020. É uma história que começou logo no início dos primeiros momentos da União Europeia, quando, em 1962, foi estabelecida pela primeira vez a chamada Política Agrícola Comum [PAC]", explica Martins.
Ele afirma que, na época, ainda não existia a UE, mas sim a Comunidade Europeia de Nações, que contava então com seis membros — Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos —, na qual a França sempre foi um dos celeiros.
Com a posterior adesão de outros países e a ascensão da UE, que atualmente conta com 27 membros, garantir a segurança alimentar de todos os Estados do bloco e manter uma renda decente a todos os produtores se tornaram "dois verdadeiros calos, que permanecem extremamente dolorosos até hoje". A França, no entanto, recebe cerca de 9,5 bilhões de euros (cerca de R$ 50 bilhões) na conta da distribuição dos subsídios de financiamento por orçamento da UE para a PAC.
"Isso remonta a uma situação política muito complicada que aconteceu em 1965, quando o então presidente da França, que era o general [Charles] de Gaulle, descontente com uma série de iniciativas que a comunidade europeia estava tomando naquele momento, notadamente com respeito ao modo de decidir as coisas, simplesmente adotou o que se chamou de política da cadeira vazia. Ele disse que a França não participaria mais das reuniões de decisão, e como as decisões tinham de ser tomadas por unanimidade [entre os então seis membros da comunidade], durante vários meses, a França simplesmente deixou de comparecer às reuniões e com isso nenhuma decisão pôde ser tomada."
Martins ainda acrescenta que a política da cadeira vazia perdurou de 1º de julho de 1965 até 30 de janeiro de 1966, quando ocorreu uma reunião de conciliação, na qual a França obteve duas vitórias notáveis.
"[…] o processo de deliberação permaneceria por unanimidade enquanto os assuntos fossem considerados de primordial interesse nacional, embora essa expressão seja razoavelmente vaga, e a França disse que um dos interesses nacionais primordiais do país é a agropecuária. E, por conseguinte, a Política Agrícola Comum, nesse momento, ficou carimbada com uma marca francesa que, de lá para cá, não mudou muito."
Por conta disso, complementa Martins, países que entraram posteriormente na UE, como Portugal, Espanha e Grécia, e mesmo a Itália, que já constava como membro desde o início, "tiveram que se submeter a cláusulas razoavelmente duras para se ajustar ao princípio que estava determinado por esses acordos".
"E isso está no fundo, uma espécie de nevoeiro que vem do tempo e que está por trás das exigências de que muitas dessas coisas complicam o trabalho da negociação para gerar uma convergência que se agravou com o surgimento [adesão à UE] de outros países que têm forte presença agropecuária, como a Polônia, a Hungria, a Romênia e a Bulgária."
Martins aponta que existe uma disputa interna na UE entre o custo de produção agrícola e pecuária entre Portugal, Espanha, Itália, Grécia, Bélgica, França e Alemanha, o que explica por que, durante a última rodada de protestos de agricultoras franceses, "caminhões de produtos agrícolas espanhóis, que estão dentro da União Europeia e que têm todo o direito de ir e vir porque o mercado comum não proíbe, foram atacados".
"Os caminhões foram esvaziados. Derrubaram, queimaram a carga e muitas vezes queimaram também os caminhões dos agricultores e dos transportadores de produtos agrícolas."
Qual o papel do Mercosul no imbróglio francês?
Somado às disputas internas de longa data na UE, estão as negociações para o acordo entre o bloco e o Mercosul. Embora tenham sido iniciadas há 25 anos, a ascensão de novas questões, como a agenda verde da Europa, que, entre outras coisas, proíbe o uso de determinados fertilizantes ou de pesticidas, como efeito colateral, acabou por minar a capacidade do setor agrícola francês de competir com países que usam esses produtos para impulsionar suas produções,
como o Brasil, por exemplo.
Nesse contexto, Martins afirma que o acordo se tornou uma espécie de válvula de escape que permite aos agricultores extravasar as frustações vivenciadas pela crise econômica que afeta a economia europeia como um todo, e que tem como base um conjunto de fatores.
"Às vezes, há um pouco de jogo político também interno para agricultores e pecuaristas, no caso desse protesto francês recente, de obterem do governo local vantagens, brandindo esse fantasma ameaçador que seria o acordo do Mercosul, no qual eles encontraram uma espécie de bode expiatório para soltar a raiva, a tensão, a frustração com o problema da crise econômica, que atingiu todas as áreas de trabalho e de produção agrícola na Europa, não só na França, mas também na Itália, na Espanha, em Portugal, na Grécia, na Alemanha, cuja recessão econômica está despontando no horizonte", explica Martins.
"Então, todos esses elementos embaralham o jogo e fazem com que muitas razões internas acabem sendo projetadas para o espaço externo e comprometem o andamento das sucessivas negociações [do acordo Mercosul-UE]", complementa.
Há hipocrisia na retórica ambiental francesa?
Questionado se diante de todos esses fatores é possível afirmar que a raiz dos protestos do setor agrícola francês é o protecionismo, o que tornaria a retórica ambiental francesa uma bandeira hipócrita, Martins destaca que isso de fato existe, mas não apenas com relação à França.
"Há uma dose de protecionismo na hora que aperta o calo. Cada um cuida do seu próprio pé e larga o pé dos outros para lá. Isso, internacionalmente, sempre foi chamado de defesa radical do interesse nacional soberano, que é uma expressão eufemística que também pode ser qualificada como cinismo ou hipocrisia."
Segundo ele, essa "atitude maquiavélica da política internacional não é nova e permanece vigorando para as gerações atuais que decidem nos processos políticos dos muitos países e das organizações multilaterais existentes, das quais a Organização das Nações Unidas [ONU] é uma das mais fracassadas dos últimos 50 anos".
"Uma organização que foi pensada para desatar nós e resolver problemas foi razoável, mecânica, constante e persistentemente esvaziada para que os interesses nacionais soberanos prevalecessem, de um jeito ou de outro, o que se reflete no funcionamento e nos poderes dos membros permanentes do Conselho de Segurança, que foram escolhidos e designados numa época em que a lógica tinha sido a do fim da Segunda Guerra Mundial."
15 de dezembro 2023, 13:51
Ele acrescenta que "essas coisas, de certa maneira, com outras roupagens e outras peças, não mudaram, ou seja, vale para metas climáticas, para metas de emissão de carbono, para metas de transição da matriz energética".
Qual a possibilidade de o acordo Mercosul-UE ser concretizado?
Para Rodrigo Barros de Albuquerque, professor de relações internacionais da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no cenário atual, a probabilidade de o acordo ser efetivado está distante no horizonte.
"É razoável supor que o acordo não será celebrado. A França é um país notoriamente conhecido por mudanças políticas decorrentes de grande instabilidade social. Protestos são comuns, o uso de violência nesses protestos é recorrente e a sociedade francesa é muito politizada. Tamanha comoção social deverá ser ouvida pelas autoridades francesas, ainda mais agora que a popularidade do governo Macron está em decadência e ele planeja eleger um sucessor, evidentemente", explica Albuquerque.
"Quanto aos outros países, os protestos de agricultores acontecem em quase uma dezena de países-membros da União Europeia, e o acordo exige unanimidade de votos favoráveis. Com um número tão grande de países onde há grande insatisfação popular, em um ano com tantas eleições acontecendo simultaneamente, a probabilidade de que o Brasil — e o Mercosul — consiga contornar a situação e fazer com que todos os países europeus assinem o acordo é baixíssima", complementa.
No que tange o chamado protecionismo verde, Albuquerque ressalta que "a agenda ambiental tem grande peso no cenário internacional atualmente, o que leva à sua utilização sempre que possível para respaldar decisões de governantes".
"No entanto, há uma distância considerável entre a questão ambiental ser uma justificativa real ou simplesmente a melhor disponível para subsidiar uma decisão."
Alemanha luta para manter relevância
Questionado sobre qual o papel da Alemanha, que é considerada uma das principais vozes europeias em prol do acordo Mercosul-UE, na busca pelo consenso, Albuquerque lembra a alta quantia empregada nas negociações do acordo, bem como o grande número de pessoas que ele afeta, tanto do lado europeu quanto sul-americano.
"O mercado alcançado pelo acordo, se celebrado, afeta mais de 30 países, quase 800 milhões de pessoas, mais de 120 bilhões de euros [R$ 645 bilhões] ao ano. É muita coisa para ser desprezada com tanta facilidade, seja pela Alemanha, seja pelos outros países que se beneficiariam com o acordo."
Ele argumenta, no entanto, que a posição alemã precisa ser contextualizada e destaca que, "historicamente, França e Alemanha são os motores da integração europeia, os países que assumem a maior parte dos custos para fazê-la funcionar". Porém, Berlim perdeu seu protagonismo no continente nos últimos anos.
"Desde que Angela Merkel deixou o governo alemão, o país luta para manter a relevância que tinha durante o seu mandato. Olaf Scholz não tem a mesma habilidade política que Merkel, não tem a mesma capacidade de estabelecer consensos internamente e tem visto a Alemanha perder cada vez mais capital político na União Europeia, enquanto a França assume um papel cada vez mais proeminente. Então, convencer os demais países de que uma opção pragmática — observando os potenciais ganhos para a comunidade europeia — seria o melhor caminho, certamente alavancaria a popularidade de Scholz e seu capital político como um todo. Mas é algo muito difícil de se conseguir a essa altura dos acontecimentos, e Scholz tem uma difícil missão pela frente se quiser investir nisso como prioridade da sua agenda de governo", destaca o especialista.
4 de dezembro 2023, 14:49
No ano passado, após anos de negociações e com a possibilidade de fechamento do acordo tomando forma, a UE enviou ao Mercosul uma carta adicional estabelecendo cobranças adicionais como exigências para a assinatura do pacto. Na carta, constavam medidas que os próprios países europeus descumpriram no Acordo de Paris, o que foi apontado por alguns analistas como uma hipocrisia.