Marinha brasileira poderá atuar em 'autodefesa' durante operação no mar Vermelho, diz força
10:29 08.02.2024 (atualizado: 10:29 09.02.2024)
© Foto / Reprodução/MarinhaAF- 1 Skyhawk 3, da Marinha do Brasil
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Liderança da Marinha Brasileira em operação naval no mar Vermelho desperta preocupação, em função das hostilidades abertas entre forças ocidentais e o grupo iemenita houthi na região. A Sputnik Brasil conversou com a força e analistas para saber quais os riscos que os brasileiros correm ao navegar nessas águas turbulentas.
A Marinha do Brasil assumiu o comando de operação naval multinacional no mar Vermelho, em meio a conflito aberto entre forças dos EUA e do Reino Unido contra o grupo iemenita houthi.
A área do golfo de Áden e do mar Vermelho encontra-se desestabilizada, em função da ofensiva militar israelense na Faixa de Gaza. Em resposta ao que considera uma agressão contra o povo palestino, o grupo houthi ataca navios militares e mercantes de EUA, Israel e aliados na região.
A eclosão de conflito naval aberto prejudica a economia global, uma vez que a região responde por cerca de 15% do tráfego marítimo comercial internacional. Desde o início das hostilidades, houve redução do tráfego de contêineres na região, aumentando o custo e, consequentemente, o preço dos bens no bolso do consumidor.
Nesse contexto complicado, a Marinha do Brasil assume a liderança da operação naval chamada CTF-151 no mar Vermelho, no âmbito das Forças Marítimas Combinadas (FMC). O contra-almirante Antonio Braz de Souza representará a Marinha do Brasil durante o mandato e ficará a cargo das operações.
"As Forças Marítimas Combinadas é uma parceria marítima multinacional [...], que visa combater a ação de atores não estatais ilícitos em alto mar e promover segurança e estabilidade em milhões de milhas quadradas de águas internacionais", disse a analista de Defesa pela UFRJ e pesquisadora de Oriente Médio e Norte da África da Escola de Guerra Naval, Vitória França, à Sputnik Brasil.
O mar Vermelho não é o único foco das FMC, que também conduz operações no golfo Pérsico, estreito de Bab el-Mandeb, golfo da Somália e oceano Índico.
© AP Photo / Marinha dos EUAO navio de assalto anfíbio USS Bataan (em primeiro plano) e o navio de desembarque USS Carter Hall viajam pelo mar Vermelho, em 8 de agosto de 2023
O navio de assalto anfíbio USS Bataan (em primeiro plano) e o navio de desembarque USS Carter Hall viajam pelo mar Vermelho, em 8 de agosto de 2023
© AP Photo / Marinha dos EUA
"A força-tarefa tem como pilar o combate ao narcotráfico, do contrabando de pessoas, da pirataria, além de buscar incentivar a cooperação regional segura e promover um ambiente marítimo livre de atividades ilícitas", relatou França. "Quando solicitado, os meios das FMC no mar também respondem a crises ambientais e humanitárias."
A força-tarefa conta com cerca de 41 países-membros, dos quais não fazem parte potências como China e Rússia. Apesar das boas intenções, a liderança da Marinha do Brasil em um contexto de altas tensões no Oriente Médio preocupa.
Como a força-tarefa é liderada por almirante norte-americano e tem boa parte de suas necessidades operacionais supridas pela base naval dos EUA no Bahrein, não fica claro se o Brasil poderia ser visto como tomando um dos lados do conflito entre houthis e forças ocidentais.
"A CMF é comandada por um vice-almirante da Marinha dos EUA, que também atua como comandante do Comando Central da Marinha dos EUA [NAVCENT] e da 5ª Frota da Marinha dos EUA [todos os três comandos localizados na Atividade de Apoio Naval dos EUA no Bahrein]", explicou França.
Além disso, as rotineiras altercações entre coalisão chefiada pelos EUA e o grupo houthi colocam em xeque a segurança do pessoal brasileiro envolvido na CTF-151. Para França, no entanto, as tarefas da Marinha nesta força-tarefa são "mais de inteligência do que de campo, propriamente dito".
© AFP 2023 / Mohamed DahirPirata no mar da Somália (imagem de arquivo)
Pirata no mar da Somália (imagem de arquivo)
© AFP 2023 / Mohamed Dahir
"A missão atua através do recolhimento e partilha de informações; fornecendo para efeitos da informação e das comunicações estratégicas e conduzindo atividades a fim de contribuir para a dissuasão de atores não estatais", disse a especialista da Escola de Guerra Naval.
Segundo ela, o "comando brasileiro fica alocado na base das FMC no Bahrein e por isso, fica responsável pelo teor estratégico da missão". Portanto, o "risco de combate é baixo".
"O contingente brasileiro na CFT-151 fica em terra, na base do Bahrein. Isto implica que, a Marinha do Brasil não está diretamente na faixa dos ataques houthis no mar Vermelho", ressaltou França. "Entretanto, o Bahrein é considerado um grande aliado dos Estados Unidos no Oriente Médio e, devido a isso, os membros da Marinha devem estar sempre em alerta."
Por outro lado, de acordo com normas do Conselho de Segurança da ONU, que regem a operação, os navios da CTF-151 podem engajar em operações de autodefesa, e mesmo reagir para proteger embarcações de seus país.
© AFP 2023 / ADAM JANNavios americanos da Quinta Frota Militar perto da capital do Bahrein Manama
Navios americanos da Quinta Frota Militar perto da capital do Bahrein Manama
© AFP 2023 / ADAM JAN
Em comunicação à Sputnik Brasil, a Marinha Brasileira lembra que "os elementos subordinados às FMC, como a CTF-151, não podem participar em conflitos armados", amainando temores de que militares brasileiros sejam pegos no fogo cruzado.
O Brasil, no entanto, não mobilizará embarcações próprias para a operação, uma vez que sua frota não está em condições de empreender essa tarefa.
"Vemos que o Brasil tem sérios problemas de projeção de poder, devido a diversos desinvestimentos no setor de defesa", disse o professor de Ciências Políticas da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Antonio Henrique Lucena Silva, à Sputnik Brasil. "O Brasil tem um gasto alto com defesa, se olharmos para o orçamento do Ministério da Defesa, mas em grande medida é para pagamento de pessoal."
E é justamente com pessoal que a Marinha contribuirá para a operação multinacional, já que o orçamento "para compra de material bélico é muito baixo, assim como para investimentos", lamentou o especialista.
© Tânia Rêgo/Agência BrasilFragata Independência durante retorno a Base Naval do Rio de Janeiro após concluir missão de paz no Líbano. Brasil, 26 de dezembro de 2020
Fragata Independência durante retorno a Base Naval do Rio de Janeiro após concluir missão de paz no Líbano. Brasil, 26 de dezembro de 2020
Por outro lado, a participação na operação garante experiência às tropas brasileiras, que podem ser adestradas em um cenário bélico real.
"O Brasil ganha experiência. É um investimento, porque estamos adestrando tropas, marinheiros e podemos ter algum ganho de capacidade operacional", disse Lucena Silva.
O baixo engajamento da Marinha do Brasil em guerras interestatais é compensado pela participação em missões multinacionais e missões de paz, como destaque para a Força-Tarefa Marítima da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL), que ficou anos sobre o comando brasileiro.
"Esse tipo de operação faz com que o Brasil se mantenha antenado com as práticas de ações internacionais no combate à pirataria, terrorismo e ver o que os outros países estão fazendo", considerou Lucena Silva.
Para o especialista, a ação brasileira na CFC-151 garante que o país "passe a imagem de país responsável, preocupado com problemáticas relevantes", como a manutenção da segurança das rotas comerciais.
A especialista da Escola de Guerra Naval, Vitória França, concorda, e acrescenta que a missão "pode demonstrar a importância naval brasileira e colocar o país em uma posição de força no cenário internacional".
© Foto / Agência Brasil / José Dias / PRMarinha do Brasil batiza e lança seu mais novo submarino Humaitá em 11 de dezembro
Marinha do Brasil batiza e lança seu mais novo submarino Humaitá em 11 de dezembro
© Foto / Agência Brasil / José Dias / PR
A Marinha Brasileira ainda considerou que uma boa performance dos brasileiros na força-tarefa pode ter efeito dissuasório contra potenciais adversários.
"Um bom desempenho dos militares da Marinha do Brasil integrantes da CTF 151, evidenciando seus elevados níveis de profissionalismo, formação e capacidade, pode contribuir para a dissuasão de iniciativas hostis contra o Brasil", considerou a força-tarefa em comunicação à Sputnik Brasil.
No entanto, as águas do mar Vermelho seguem bastante turbulentas. Na terça-feira (6), o grupo houthi afirmou ter realizado ataque com mísseis contra dois navios mercantes na região, de posse norte-americana e britânica, conforme reportou a Al Jazeera.
As operações contra "navios israelenses ou que se dirigem aos portos da Palestina ocupada" devem continuar, "até que o cerco seja levantado e a agressão contra o povo palestino na Faixa de Gaza seja interrompida", alertou o porta-voz militar do grupo houthi, general de brigada Yahya Saree.