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Experiência do Rio com reconhecimento facial indica que o Brasil está apto a sediar grandes eventos?

© Foto / Fernando Frazão/Agência BrasilDemonstração de software que o Disque Denúncia passa a usar em parceria com The Staff of Security, em que compartilha seu banco de dados de foragidos da Justiça com câmeras de segurança que usam sistema de reconhecimento facial
Demonstração de software que o Disque Denúncia passa a usar em parceria com The Staff of Security, em que compartilha seu banco de dados de foragidos da Justiça com câmeras de segurança que usam sistema de reconhecimento facial - Sputnik Brasil, 1920, 14.02.2024
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Em entrevista à Sputnik Brasil, especialista analisa os resultados positivos do uso de reconhecimento facial no combate à criminalidade no Rio de Janeiro durante o Carnaval, e como isso reflete na capacidade do Brasil de sediar grandes eventos.
A tecnologia se tornou uma aliada da segurança pública no Brasil. No recorte do Rio de Janeiro, a mais recente tecnologia adotada no combate à criminalidade foi o sistema de reconhecimento facial.
Segundo o mais recente balanço divulgado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, mais de 150 câmeras de videomonitoramento foram instaladas em locais de grande circulação e concentração de pessoas, como em estações das Barcas, Metrô e Supervia, na orla, em blocos e no entorno da Marquês de Sapucaí.
O sistema permitiu a identificação e prisão de sete pessoas foragidas, no período entre o dia 9 e a madrugada do dia 13 de fevereiro. Com isso, já são 20 pessoas presas com o uso de reconhecimento facial desde o Réveillon, quando a tecnologia passou a ser adotada no estado. Ademais, foram mobilizados para reforçar a segurança no Carnaval 12 mil agentes da Polícia Militar, com um balanço de 326 prisões e 60 apreensões de adolescentes durante o período de folia. Do total de pessoas presas, 41 já tinham mandado de prisão em aberto.
A discussão relativa a novas formas de combater a criminalidade não é nova, mas ganhou novo impulso com a intenção do atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de colocar o Brasil novamente no circuito dos grandes eventos mundiais. Nessa lista, está a Cúpula do G20, em novembro, no Rio de Janeiro, e a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), marcada para o final de 2025, em Belém, no Pará.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o professor José Ricardo Bandeira, perito em criminalística e criminologia, comentarista de segurança pública, presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina (Inscrim) e membro ativo da Associação Internacional de Polícia (IPA, na sigla em inglês), analisa o recorte da experiência do Carnaval do Rio no quesito segurança pública para responder à seguinte questão: o Brasil está preparado para sediar grandes eventos?
Bandeira explica que a insegurança no Rio de Janeiro e outras capitais é fruto de uma soma de fatores, sendo um deles a violência armada e o tráfico de drogas.
"A presença de grupos criminosos armados, envolvidos no tráfico de drogas e outras atividades ilícitas, é uma fonte significativa de violência e instabilidade em muitas áreas urbanas do Brasil", explica o especialista.
Ele acrescenta que outro desafio para o aprimoramento da segurança pública é o combate à corrupção e à má gestão. Isso porque "a corrupção em instituições públicas, incluindo forças policiais, pode minar os esforços de combate ao crime e a confiança da população nas autoridades".
Outro fator apontado é a desigualdade econômica e social, que "pode alimentar a criminalidade, criando condições que tornam certas comunidades mais propensas à marginalização e à violência".
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Segundo Bandeira, esses fatores contribuem para a insegurança, que, por sua vez, afeta profundamente o potencial turístico e a qualidade de vida das cidades.

"O turismo muitas vezes é prejudicado pela percepção de insegurança, afastando visitantes em potencial e impactando negativamente a economia local. Além disso, a violência urbana cria um clima de medo e ansiedade entre os residentes, afetando sua qualidade de vida e seu bem-estar emocional. A falta de segurança também tem efeitos diretos na economia local, com empresas relutantes em investir em áreas consideradas de alto risco, o que pode levar ao desemprego e à falta de oportunidades de desenvolvimento econômico para os residentes", explica Bandeira.

"Para lidar com esses desafios, são necessárias abordagens abrangentes que incluam investimentos em segurança pública, políticas de inclusão social e econômica, medidas de prevenção ao crime e combate à corrupção. Além disso, é importante promover o fortalecimento das instituições de Justiça e a construção de uma relação de confiança entre a polícia e as comunidades locais. Essas medidas podem ajudar a melhorar a segurança pública e criar um ambiente mais propício ao turismo e ao desenvolvimento sustentável das cidades", complementa.

Por que o uso do reconhecimento facial na segurança é controverso?

Questionado sobre os dados divulgados pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, relativos às prisões com reconhecimento facial, Bandeira afirma que os números são positivos, "especialmente considerando o desafio de lidar com grandes multidões em eventos de massa e o baixo número de foragidos presos em operações policiais de rotina".

"A identificação e prisão de foragidos representam uma vitória para as autoridades de segurança pública, demonstrando a eficácia da tecnologia de reconhecimento facial ao identificar indivíduos procurados pela Justiça em meio a grandes concentrações de pessoas."

Porém, ele alerta que "é importante continuar avaliando criticamente o uso da tecnologia de reconhecimento facial e garantir que seus benefícios sejam equilibrados com a proteção dos direitos individuais e a preservação da privacidade".
Isso porque, apesar dos benefícios que o sistema de reconhecimento facial proporciona na prevenção e no combate à criminalidade, existem riscos significativos associados ao uso dessa tecnologia.
Segundo Bandeira, os principais riscos incluem:
Violações de privacidade: o reconhecimento facial pode ser usado para rastrear os movimentos das pessoas em espaços públicos, levantando preocupações sobre vigilância em massa e violações de privacidade;
Erro e viés: os sistemas de reconhecimento facial não são infalíveis e podem cometer erros, identificando erroneamente pessoas inocentes como suspeitas. Além disso, esses sistemas podem apresentar viés racial ou étnico, levando a uma maior probabilidade de erro ao identificar pessoas de certas comunidades;
Segurança de dados: o armazenamento e o uso de dados biométricos apresentam riscos de segurança, incluindo acesso não autorizado, roubo de identidade e uso indevido de informações pessoais.

"Portanto, ao avaliar se os benefícios do reconhecimento facial superam os riscos, é essencial fazer uma análise cuidadosa dos impactos potenciais em termos de direitos individuais, privacidade e justiça. Isso requer um equilíbrio entre a necessidade de segurança pública e a proteção dos direitos e das liberdades individuais. Regulamentações claras, supervisão independente e salvaguardas robustas são fundamentais para mitigar os riscos associados ao uso dessa tecnologia e garantir que seus benefícios sejam maximizados de forma ética e responsável."

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Ele afirma ainda que outro fator a ser levado em consideração é a segurança dos dados coletados. Segundo ele, a preocupação em torno dessa questão "é totalmente justificada, dada a sensibilidade das informações biométricas e o potencial de uso indevido desses dados".

"Garantir a segurança dos dados é fundamental para proteger a privacidade e os direitos individuais das pessoas", explica Bandeira, acrescentando que "embora não exista uma solução única e infalível para garantir a segurança dos dados, existem várias medidas que podem ser implementadas para mitigar os riscos."

Entre as medidas capazes de reduzir os riscos estão: a implementação de criptografia robusta para proteger de acesso não autorizado dados biométricos armazenados e transmitidos; a implementação de controles de acesso rigorosos para garantir que apenas pessoas autorizadas tenham permissão para acessar e manipular os dados biométricos; o estabelecimento de políticas claras de retenção de dados para determinar por quanto tempo os dados biométricos serão armazenados e quando devem ser permanentemente excluídos; a realização de auditorias regulares para monitorar o acesso a dados biométricos e detectar atividades suspeitas ou não autorizadas; e a implementação de medidas de segurança cibernética robustas, como firewalls, detecção de intrusões e sistemas de prevenção de malware, para proteger os dados contra ataques cibernéticos.

"Além disso, é fundamental que as organizações que coletam e armazenam dados biométricos estejam em conformidade com regulamentações de privacidade de dados, como a Lei Geral de Proteção de Dados [LGPD]. Essa regulamentação estabelece requisitos específicos para o tratamento de dados pessoais, incluindo dados biométricos, e impõem penalidades por violações", afirma Bandeira.

Como lidar com a segurança no dia a dia?

Uma das principais queixas das populações de grandes cidades é o fato de a segurança ser aprimorada apenas em épocas que ocorrem grandes eventos, criando uma segurança sazonal que não se espelha no dia a dia da população local.
Bandeira argumenta que essa crítica "reflete uma preocupação válida com a disparidade entre as medidas extraordinárias implementadas durante eventos especiais e a falta de investimento e atenção contínuos na segurança pública em situações normais".

"Na realidade carioca e brasileira, manter a segurança de forma permanente é um desafio complexo e multifacetado. Isso requer não apenas recursos adequados, incluindo financiamento para as forças de segurança, mas também políticas eficazes de prevenção ao crime, investimento em infraestrutura, serviços sociais e uma abordagem holística para lidar com as causas subjacentes da criminalidade."

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O criminologista destaca que é importante reconhecer que eventos de grande escala, como o Carnaval, muitas vezes recebem uma atenção especial das autoridades devido ao potencial de impacto na segurança pública e na imagem internacional do país. Porém, afirma que "a segurança pública não deve ser vista como uma preocupação sazonal, mas sim como uma prioridade contínua".
"Para manter a segurança de forma permanente, é essencial adotar uma abordagem integrada que envolva a comunidade, fortaleça as instituições de segurança pública, promova a transparência e a responsabilização e aborde as raízes profundas da criminalidade, como desigualdade socioeconômica, acesso limitado à educação, oportunidades de emprego e tráfico de drogas. Além disso, é crucial que os esforços de segurança sejam sustentados ao longo do tempo, independentemente de eventos específicos, e que haja um compromisso contínuo das autoridades e da sociedade civil em garantir um ambiente seguro e inclusivo para todos os cidadãos", explica o especialista.
"Em resumo, embora seja desafiador, é possível manter a segurança de forma permanente na realidade carioca e brasileira, desde que haja um compromisso sério e contínuo com a implementação de políticas e medidas eficazes de segurança pública em todos os níveis", acrescenta.

Qual é a relação entre a impunidade e o aumento da criminalidade no Brasil?

Bandeira afirma que a impunidade também está profundamente ligada à criminalidade, e afirma que a falta de responsabilização pelos crimes cometidos é um fator significativo que contribui para a violência de várias maneiras. Entre elas estão:
Incentivo ao crime: quando os criminosos percebem que podem cometer crimes sem enfrentar consequências legais, isso pode encorajá-los a continuar suas atividades criminosas. A impunidade cria um ambiente em que a criminalidade é vista como uma escolha de baixo risco e alta recompensa;
Desconfiança na Justiça: a falta de punição para os crimes pode minar a confiança da população no sistema de Justiça. Quando as pessoas não acreditam que os criminosos serão responsabilizados por seus atos, elas podem ser menos propensas a relatar crimes ou cooperar com as autoridades, o que dificulta a aplicação da lei;
Ciclo de violência: a impunidade pode alimentar um ciclo de violência, em que as vítimas ou suas comunidades buscam vingança de forma privada, uma vez que não confiam no sistema de Justiça para garantir a justiça. Isso pode levar a um aumento da violência e da escalada de conflitos;
Desestabilização social: a impunidade pode contribuir para a desestabilização social, minando a ordem pública e a coesão comunitária. Quando as pessoas percebem que não há consequências para o comportamento criminoso, isso pode criar um clima de medo e incerteza que afeta negativamente a qualidade de vida e o bem-estar emocional das comunidades.
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"Para combater eficazmente a violência, é essencial abordar a impunidade e garantir que os responsáveis pelos crimes sejam responsabilizados de acordo com a lei. Isso requer um sistema de Justiça eficaz e transparente, investimentos em investigações policiais, capacitação para garantir a coleta adequada de evidências e medidas para fortalecer a confiança da população no sistema de Justiça", destaca o especialista.

Além do reconhecimento facial, que outras tecnologias podem ser aplicadas contra o crime?

O reconhecimento facial não é a única tecnologia capaz de reduzir a criminalidade. Bandeira lista outras tecnologias com bons resultados nesse contexto. Uma delas é a videovigilância inteligente, "com sistemas de câmeras de vigilância equipados com análise de vídeo inteligente, que pode ajudar a detectar comportamentos suspeitos, identificar padrões de atividade criminosa e fornecer evidências forenses para investigações criminais".
Outra tecnologia é a análise avançada de dados e o uso de algoritmos de inteligência artificial para ajudar as forças de segurança a identificar tendências criminais, prever áreas de risco e direcionar recursos de forma mais eficiente para a prevenção e o combate ao crime.
Ele também afirma que o uso de sistemas de reconhecimento de placas de veículos pode ajudar a rastrear veículos roubados, identificar carros associados a atividades criminosas e monitorar o tráfego em tempo real para detectar violações de trânsito e outras infrações, e que aplicativos móveis podem permitir que os cidadãos relatem crimes, solicitem assistência de emergência e recebam alertas de segurança em tempo real, melhorando a comunicação entre a população e as autoridades.
Ademais, ele aponta que ferramentas de mapeamento e visualização de dados podem ajudar a monitorar a distribuição geográfica da criminalidade, identificar áreas de alta incidência de crimes e avaliar a eficácia das estratégias de segurança.
"Essas são apenas algumas das tecnologias disponíveis que têm o potencial de melhorar a segurança pública. No entanto, é importante notar que o sucesso dessas tecnologias depende não apenas de sua implementação técnica, mas também de considerações éticas, legais e de privacidade, bem como da necessidade de envolver a comunidade e garantir a transparência no uso dessas ferramentas."

O Brasil está pronto para sediar grandes eventos?

Questionado se a experiência do Rio de Janeiro pode sinalizar que o Brasil está pronto para ser a sede de grandes eventos mundiais como a Cúpula do G20 e a COP30, Bandeira cita quatro fatores que influenciam nessa capacidade, sendo o primeiro a infraestrutura.
"A capacidade do Brasil de sediar grandes eventos está intrinsecamente ligada à sua infraestrutura, incluindo instalações de conferência, transporte público, acomodações e serviços de segurança. O país precisará garantir que tenha infraestrutura adequada para acomodar os participantes e garantir um evento bem-sucedido", explica o especialista.
O segundo fator é a segurança, "uma consideração fundamental para eventos de grande escala, especialmente aqueles que reúnem líderes mundiais e figuras importantes".
"O Brasil precisará implementar medidas robustas de segurança para proteger os participantes e garantir o bom funcionamento dos eventos, incluindo monitoramento, controle de multidões e resposta a possíveis ameaças."
Outros fatores apontados pelo especialista são a preparação logística e o compromisso político de autoridades.
"A preparação logística é essencial para garantir que os eventos sejam executados sem problemas. Isso inclui planejamento de transporte, alojamento, alimentação e outras necessidades básicas dos participantes, bem como a coordenação eficaz entre as diferentes partes envolvidas na organização dos eventos. O sucesso na organização de grandes eventos também depende do compromisso político do governo e das autoridades locais em garantir que todas as necessidades sejam atendidas e que o país seja capaz de cumprir seus compromissos como anfitrião."
Bandeira afirma que a experiência que o Brasil possui na realização de grandes eventos, como as Olimpíadas de 2016, a Copa do Mundo de 2014, os Jogos Pan-Americanos de 2007 e fóruns internacionais habilita o país a sediar a Cúpula do G20 e a COP30, embora seja necessário observar especialmente e considerar os desafios e as incertezas que podem surgir ao longo do tempo.
"No entanto, é importante que o Brasil comece a se preparar com antecedência, identificando áreas de necessidade e trabalhando para garantir que tenha os recursos e a capacidade necessários para realizar com sucesso esses eventos de importância global", conclui o especialista.
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