- Sputnik Brasil, 1920
Panorama internacional
Notícias sobre eventos de todo o mundo. Siga informado sobre tudo o que se passa em diferentes regiões do planeta.

Ofensiva em Gaza une Oriente Médio e enfraquece posição dos EUA na região, diz analista

© AP Photo / Leo CorreaUm manifestante veste uma camisa que retrata e critica o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, durante uma manifestação que exigia a libertação dos reféns levados por militantes do Hamas para a Faixa de Gaza, em 20 de janeiro de 2024
Um manifestante veste uma camisa que retrata e critica o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, durante uma manifestação que exigia a libertação dos reféns levados por militantes do Hamas para a Faixa de Gaza, em 20 de janeiro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 15.02.2024
Nos siga no
Especiais
Ofensiva de Israel contra Gaza une países antes adversários no Oriente Médio e coloca posição dos EUA na região em xeque. A Sputnik Brasil conversou com especialistas na região para saber como um Oriente Médio unido mudará a geopolítica mundial.
Nesta semana, as Forças de Defesa de Israel anunciaram a intenção de realizar mais uma ofensiva terrestre na Faixa de Gaza, desta vez na cidade de Rafah, que abriga 1,3 milhão de pessoas, inclusive milhares de desabrigados.
A cidade já é alvo de ataques aéreos há semanas, mas deve presenciar uma ofensiva terrestre nos próximos dias, apesar de ampla condenação internacional aos planos de Tel Aviv.
O governo brasileiro expressou "grande preocupação" com as perspectivas de uma ofensiva em Rafah, que "terá como graves consequências, além de novas vítimas civis, um novo movimento de deslocamento forçado de centenas de milhares de palestinos, como vem ocorrendo desde o início do conflito".
© AP Photo / Hatem AliPalestinos passam por prédio residencial destruído em um ataque israelense em Rafah. Faixa de Gaza, 11 de fevereiro de 2024
Palestinos passam por prédio residencial destruído em um ataque israelense em Rafah. Faixa de Gaza, 11 de fevereiro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 15.02.2024
Palestinos passam por prédio residencial destruído em um ataque israelense em Rafah. Faixa de Gaza, 11 de fevereiro de 2024
Brasília lembrou que mais de 80% dos habitantes de Gaza foram obrigados a deixar as suas casas, e a maioria se dirigiu justamente para a região de Rafah, "indicada inicialmente como área segura pelas autoridades israelenses".
O governo da África do Sul alertou que Rafah é "o último refúgio para as pessoas sobreviventes em Gaza" e lembrou que uma ofensiva israelense na região violaria a ordem judicial da Corte Internacional de Justiça, que exigiu que Tel Aviv tome todas as medidas para evitar um genocídio em Gaza.
Os líderes de Austrália, Nova Zelândia e Canadá urgiram Israel a "ouvir seus amigos e a comunidade internacional" e impedir que civis "paguem o preço" da operação para "derrotar o Hamas".
© AFP 2023 / Jacquelyn MartinO primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu (R), dirige-se à mídia com o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, dentro do Kirya, que abriga o Ministério da Defesa de Israel, após sua reunião em Tel Aviv em 12 de outubro de 2023
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu (R), dirige-se à mídia com o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, dentro do Kirya, que abriga o Ministério da Defesa de Israel, após sua reunião em Tel Aviv em 12 de outubro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 15.02.2024
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu (R), dirige-se à mídia com o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, dentro do Kirya, que abriga o Ministério da Defesa de Israel, após sua reunião em Tel Aviv em 12 de outubro de 2023
Já o secretário da ONU para assuntos humanitários, Martin Griffiths, declarou que uma ofensiva em Rafah poderia levar a "um massacre" e inviabilizar qualquer tipo de auxílio humanitário em Gaza.
Mas se Israel está crescentemente isolado na esfera global, seu isolamento regional é extremo, disseram especialistas em relações internacionais do Oriente Médio ouvidos pela Sputnik Brasil.

União do Oriente Médio

"O processo de reaproximação dos países da região já está em curso", disse Jonuel Gonçalves, pesquisador em Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF), à Sputnik Brasil. "E o conflito [em Gaza] é mais um forte ponto em comum."
O especialista nota que a forte pressão da opinião pública faz com que os países da região "não possam nem mais criticar o Hamas – ainda que tenham diferenças sérias com o grupo".
"No início do conflito, as resoluções da Liga Árabe eram bastante moderadas, mas a partir do momento em que Israel conduz uma operação com caráter de vingança, de captação de apoio da extrema direita doméstica, ao invés de uma operação que busque a resolução do problema, isso muda completamente", explicou Gonçalves.
O sociólogo e escritor Lejeune Mirhan também acredita que há mais união entre os países do Oriente Médio, e nota que países antes adversários atualmente compartilham a mesa de negociações em diversos fóruns multilaterais.
"O processo de convergência realmente está em curso. Podemos lembrar, por exemplo, a entrada nos BRICS de quatro países da região: Arábia Saudita, Irã, Egito e Emirados Árabes Unidos", disse Mirhan à Sputnik Brasil.
O conflito em Gaza, no entanto, não é o único motivo para a convergência da região. O aumento da influência de China e Rússia no Oriente Médio já gerava mudanças na correlação de forças locais, acredita Mirhan.
© AP Photo / Natalia KolesnikovaSergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, posa para foto com representantes dos países-membros do Conselho de Cooperação do Golfo: Kuwait, Catar, Omã, Arábia Saudita, Bahrein e Emirados Árabes Unidos, em 10 de julho de 2023
Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, posa para foto com representantes dos países-membros do Conselho de Cooperação do Golfo: Kuwait, Catar, Omã, Arábia Saudita, Bahrein e Emirados Árabes Unidos, em 10 de julho de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 15.02.2024
Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, posa para foto com representantes dos países-membros do Conselho de Cooperação do Golfo: Kuwait, Catar, Omã, Arábia Saudita, Bahrein e Emirados Árabes Unidos, em 10 de julho de 2023
"Gaza é só mais um episódio. Essa reaproximação dos países da região vem desde cerca de 2010, com a volta do papel de Rússia e China na região", disse Mirhan. "O marco, na minha opinião, é a derrota do Ocidente na Síria. Isso mudou o cenário."
O analista nota a "deterioração da posição dos EUA na região", que "já perdeu a sua posição no Afeganistão, tem cada vez mais dificuldade em se manter no Iraque, e pode precisar se retirar da Síria, onde mantém bases militares engajadas no contrabando de petróleo".

Arábia Saudita e Irã

Para Jonuel Gonçalves, uma das chaves para a reaproximação da região, que poderá colocar fim a décadas de violência sectária, é a reconciliação entre Arábia Saudita e Irã.
"A aproximação entre Arábia Saudita e Irã foi mediada pela China e atende aos interesses de países influentes da região, como o Catar", notou Gonçalves. "A superação do sectarismo entre xiitas e sunitas garante maior margem de manobra a países como o Catar, que querem manter relações com Teerã e com Riad."
A mudança de postura da Arábia Saudita, no entanto, pode ser vagarosa, uma vez que o país ainda está sujeito a forte influência dos EUA.
© AFP 2023 / Pedro PardoO ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi (R), aperta a mão do ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, príncipe Faisal bin Farhan Al-Saud, antes de uma foto de família para os participantes de uma reunião de ministros das Relações Exteriores de países de maioria árabe e muçulmana na Casa de Hóspedes do Estado de Diaoyutai, em Pequim em 20 de novembro de 2023
O ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi (R), aperta a mão do ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, príncipe Faisal bin Farhan Al-Saud, antes de uma foto de família para os participantes de uma reunião de ministros das Relações Exteriores de países de maioria árabe e muçulmana na Casa de Hóspedes do Estado de Diaoyutai, em Pequim em 20 de novembro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 15.02.2024
O ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi (R), aperta a mão do ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, príncipe Faisal bin Farhan Al-Saud, antes de uma foto de família para os participantes de uma reunião de ministros das Relações Exteriores de países de maioria árabe e muçulmana na Casa de Hóspedes do Estado de Diaoyutai, em Pequim em 20 de novembro de 2023
"Caso a Arábia Saudita se afaste dos EUA, isso gerará uma mudança profunda no Oriente Médio", considerou Mirhan. "Mas esse é um processo que toma tempo, afinal os EUA têm muitas bases na Arábia Saudita, que pode ser considerado um país militarmente ocupado."
O Irã, por outro lado, tem mais margem de manobra e apoia grupos que estão fornecendo apoio significativo à causa palestina. A reação do Hezbollah e dos houthis às hostilidades israelenses garante popularidade a esses grupos junto à opinião pública regional.
"Os houthis estão sendo o grupo com atuação mais proeminente, gerando obstáculos para a manutenção da logística internacional e gerando resposta por parte do Ocidente", notou Gonçalves. "Mas será importante observar até que ponto os houthis conseguirão manter a sua relevância regional, uma vez terminado o conflito em Gaza."
O grupo iemenita houthi se comprometeu a atacar navios mercantes e militares que apoiem o esforço de guerra israelense na região do mar Vermelho. Em resposta, os EUA realizam ataques frequentes na área.
© Foto / Ansar Allah MediaDesfile de drones houthis
Desfile de drones houthis - Sputnik Brasil, 1920, 15.02.2024
Desfile de drones houthis
O fato de grupos xiitas como o Hezbollah e o grupo houthi terem reagido de forma mais enérgica às ofensivas israelenses contra o sunita Hamas não surpreende o analista Mirhan.

"De fato, os xiitas se engajam em lutas anti-imperialistas de maneira mais proeminente. E levaram os EUA a atacar o Iêmen sem a autorização do Conselho de Segurança da ONU", acredita Mirhan. "Os EUA agora estão envolvidos em três guerras: Ucrânia, na Palestina e no Iêmen."

A maior aproximação dos países do Oriente Médio também dependerá da postura do Egito, que já liderou movimentos de união regional no passado. O papel do líder egípcio Gamal Abdel Nasser na promoção do pan-arabismo na segunda metade do século XX coloca o Cairo como potencial líder da reconciliação regional.
"O Egito tem o maior Exército do mundo árabe e uma posição de estar em contato direto tanto com os EUA, tanto com Israel, tanto com a Faixa de Gaza", disse Gonçalves. "Ele tem potencial para ser o negociador de uma saída para esse conflito e uma expectativa de que outros países da região sigam a sua posição."
© Foto / Ricardo Stuckert/Presidência da RepúblicaO presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, desembarca no Cairo, Egito, 14 de fevereiro de 2024
O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, desembarca no Cairo, Egito, 14 de fevereiro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 15.02.2024
O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, desembarca no Cairo, Egito, 14 de fevereiro de 2024
No entanto, a formação de uma ideologia regional comum, que consolide um processo de união diplomática, pode ainda estar longe.
Para Gonçalves, não será necessário forjar uma ideologia comum para o Oriente Médio, que pode "muito bem se unir em torno de interesses comuns e pela correlação entre objetivos nacionais".
"Mas se existe uma base ideológica que poderia unir esses países seria o anti-imperialismo. O anti-imperialismo abarca ideologias muito diferentes, e poderia, sim, aproximar países dispares, como Irã e Arábia Saudita", concluiu Mirhan.
Nesta quinta-feira (15), o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, realiza uma visita oficial à capital do Egito, Cairo. Durante seu encontro com o presidente do país, Abdel Fattah al-Sisi, Lula defendeu a criação de um Estado palestino e pediu um cessar-fogo imediato para garantir a entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza.
Feed de notícias
0
Para participar da discussão
inicie sessão ou cadastre-se
loader
Bate-papos
Заголовок открываемого материала