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Analistas: com 'espiral de destruição que partiu de fora', Haiti pode virar um 'narcoestado'
Analistas: com 'espiral de destruição que partiu de fora', Haiti pode virar um 'narcoestado'
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A violência que assola o Haiti há pelos menos duas décadas e chegou ao seu auge nas últimas semanas é fruto de intervenções sistemáticas de outros países... 12.03.2024, Sputnik Brasil
2024-03-12T18:28-0300
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O governo haitiano, que desde ontem é liderado interinamente pelo primeiro-ministro Patrick Michel Boivert, prorrogou estado de emergência até 3 de abril.Voos foram suspensos, escolas e edifícios governamentais estão sitiados e a economia local está virtualmente paralisada pelo crime. Vários países retiraram seus diplomatas da capital.Ontem (11), o ex-primeiro-ministro haitiano Ariel Henry renunciou, após três anos seu cargo, devido ao assassinato de seu antecessor, Jovenel Moïse, em 2021.O ex-policial e líder de gangue Jimmy Barbecue Chérizier exigiu a renúncia de Henry ameaçando incitar uma guerra civil e genocídio.Em 3 de março, gangues armadas invadiram duas prisões em Porto Príncipe e libertaram mais de 4 mil presos. Henry estava nos EUA quando a violência eclodiu e, após retornar ao território caribenho em 5 de março, seu avião não conseguiu aterrisar, pousando em Porto Rico.Autor do livro "Haiti: dois séculos de história", Andrade argumenta que Henry usou a insegurança do Haiti como um instrumento para se prolongar no governo sem legitimidade e abriu brecha para que chefes de gangues questionem diretamente o governo e se coloquem como alternativa.O professor de relações internacionais do Centro Universitário de Brasília Danilo Porfírio chama a atenção para o fato de o Haiti ser um ponto de contato para rotas de tráfico de drogas. Para ele, o Haiti representa "uma grande chaga" dentro da América Latina.Segundo Porfírio, a renúncia de Henry abre margem para uma situação extremamente perigosa em que organizações criminosas se autoatribuirão como força que gerou a retirada, a condução dessa liderança.EUA, Brasil e o fracasso das missões da ONUEsse contexto foi gerado, segundo os analistas, por décadas de interferências diretas e indiretas de atores externos liderados pelos Estados Unidos.A intervenção norte-americana, não só no Haiti, mas na região do Caribe e América Central, é uma constante, pontua Porfírio."Desde a Guerra Hispano-Americana, em fins de 1890, os americanos se veem legítimos em agir, em intervir naquela região, sempre justificado por uma ideia de segurança regional e segurança pátria".Porfírio frisa que a intervenção americana já ocorreu em vários países da região, como Panamá, Nicarágua, Honduras, Granada, parte da política externa expansionista e imperialista norte-americana.O fracasso da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH), liderada pelo Brasil de 2004 a 2017, deveu-se em grande parte porque foi articulada pelos EUA, após invadirem o Haiti e provocarem a deposição do então presidente Jean-Bertrand Aristide, em 2004:"A histórica intervenção da ONU [Organização das Nações Unidas] no Haiti não deixa boas lembranças [...] A Minustah [Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti] foi liderada por tropas brasileiras, por generais militares brasileiros, que deixaram um rastro não só no Haiti, mas no Brasil, de intervenção autoritária. Esses generais brasileiros que comandaram tropas no Haiti, a maior parte deles estão envolvidos na tentativa de golpe no Brasil", comenta o professor da USP.Ele lembra que na última reunião da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), em 1º de março, uma das posições mais importantes aprovadas pelos países latino-americanos presentes foi a de reafirmar apoio ao Haiti. "Acho que essa é uma resposta indireta a muitas das posições intervencionistas que os Estados Unidos historicamente impuseram ao Haiti", opina.A procura por Caricom e CELAC é uma tentativa do governo haitiano de encontrar outra via, construir uma alternativa que não a da ONU."O que acontece com o Haiti e com a Palestina são parte também de uma tragédia mundial, porque existe uma crise econômica e existe uma tentativa sempre de criar um tipo de política de intervenção contra os povos que buscam a sua liberdade, a sua autonomia, a sua soberania", defende Andrade.'Solução deve vir de baixo para cima'A resposta para o problema é primordialmente política, e não militar, alertam os entrevistados, que deve incluir instrumentos de políticas públicas emancipatórias e com participação popular.Um pouco de históriaAntiga colônia francesa, o Haiti foi o primeiro território da América Latina a declarar independência, em 1791, com liderança de ex-escravos.Os estudiosos comentam que o novo país chegou a criar uma organização estatal baseada na igualdade e liberdade para todos sem distinção de cor ou etnia, e foi reprimido fortemente pelo Estado francês, na época governado por Napoleão Bonaparte."O medo negro" se espalhou pelas colônias da região, que endureceram leis para evitar possíveis levantes entre escravos.Atualmente, a maioria da população é de origem africana, em função do uso de mão de obra africana e escravizada pelos franceses naquela região para exploração, entre outros produtos, da cana-de-açúcar.
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Analistas: com 'espiral de destruição que partiu de fora', Haiti pode virar um 'narcoestado'
18:28 12.03.2024 (atualizado: 17:01 13.03.2024) Especiais
A violência que assola o Haiti há pelos menos duas décadas e chegou ao seu auge nas últimas semanas é fruto de intervenções sistemáticas de outros países, entre eles o Brasil, afirmam estudiosos ouvidos pela Sputnik Brasil nesta terça-feira (12). A saída para a crise deve partir de dentro da sociedade haitiana e não de fora, opinam.
"Há um histórico de invasões, de desrespeito ao povo haitiano que foi levando essa nação a uma situação limite, como outros países do mundo", comenta o professor de história contemporânea da Universidade de São Paulo (USP) Everaldo de Oliveira Andrade. "É uma espiral de destruição que partiu de fora. Não é justo nem correto culpar o povo haitiano por isso, que precisa ser apoiado com solidariedade, mas com respeito à sua soberania."
O governo haitiano, que desde ontem é liderado interinamente pelo
primeiro-ministro Patrick Michel Boivert, prorrogou
estado de emergência até 3 de abril.
Voos foram suspensos, escolas e edifícios governamentais estão sitiados e a economia local está virtualmente paralisada pelo crime. Vários países
retiraram seus diplomatas da capital.
Ontem (11), o ex-primeiro-ministro haitiano Ariel Henry
renunciou, após três anos seu cargo, devido ao
assassinato de seu antecessor, Jovenel Moïse, em 2021.
O ex-policial e
líder de gangue Jimmy Barbecue Chérizier exigiu a renúncia de Henry ameaçando incitar uma
guerra civil e genocídio.
Em
3 de março, gangues armadas invadiram duas prisões em Porto Príncipe e libertaram mais de 4 mil presos. Henry estava nos EUA quando a violência eclodiu e,
após retornar ao território caribenho em 5 de março,
seu avião não conseguiu aterrisar, pousando em Porto Rico.
Autor do livro "Haiti: dois séculos de história", Andrade argumenta que Henry usou a insegurança do Haiti como um instrumento para se prolongar no governo sem legitimidade e abriu brecha para que chefes de gangues questionem diretamente o governo e se coloquem como alternativa.
"Esses grupos, eles não são qualquer bandido. São setores que provêm também do Estado. Ex-policiais, ex-militares que têm experiência, inclusive, de ação militar organizada. São organizações criminosas que têm relação internacional, inclusive. Eles têm capacidade de articulação até maior que o Estado. Estado criminoso. Esse é um perigo que está colocado no futuro do Haiti", pondera o catedrático da USP.
O professor de relações internacionais do Centro Universitário de Brasília Danilo Porfírio chama a atenção para o fato de o Haiti ser um ponto de contato para rotas de tráfico de drogas. Para ele, o Haiti representa "uma grande chaga" dentro da América Latina.
"Estamos vendo que Estados fracos estão sendo controlados por via direta ou indireta por organizações criminosas internacionais vinculadas ao narcotráfico. Há crescimento da influência dos cartéis colombianos, mexicanos em ações de tomada do Estado, de acossamento do Estado em certas regiões da América Latina", cita ele.
Segundo Porfírio, a renúncia de Henry abre margem para uma situação extremamente perigosa em que organizações criminosas se autoatribuirão como força que gerou a retirada, a condução dessa liderança.
"O grande medo é que o Estado haitiano se torne um Estado vinculado ao crime. Nós chamamos, em linhas gerais, aqueles Estados que são entregues às organizações criminosas vinculadas ao narcotráfico de Narcoestados".
EUA, Brasil e o fracasso das missões da ONU
Esse contexto foi gerado, segundo os analistas, por décadas de interferências diretas e indiretas de atores externos liderados pelos Estados Unidos.
A intervenção norte-americana, não só no Haiti, mas na região do Caribe e América Central, é uma constante, pontua Porfírio.
"Desde a Guerra Hispano-Americana, em fins de 1890, os americanos se veem legítimos em agir, em intervir naquela região, sempre justificado por uma ideia de segurança regional e segurança pátria".
Porfírio frisa que a intervenção americana já ocorreu em vários países da região, como Panamá, Nicarágua, Honduras, Granada, parte da política externa expansionista e imperialista norte-americana.
O fracasso da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH), liderada pelo Brasil de 2004 a 2017, deveu-se em grande parte porque foi articulada pelos EUA, após invadirem o Haiti e provocarem a deposição do então presidente Jean-Bertrand Aristide, em 2004:
"Eles utilizaram o Brasil como instrumento de intervenção direta. E tem um péssimo histórico, não só de ataques a populações, a cólera, estupros de mulheres haitianas por soldados. É uma série de situações que marcaram, de maneira negativa, essa intervenção", narra Andrade.
"A histórica intervenção da ONU [Organização das Nações Unidas] no Haiti não deixa boas lembranças [...] A Minustah [Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti] foi liderada por tropas brasileiras, por generais militares brasileiros, que
deixaram um rastro não só no Haiti, mas no Brasil, de
intervenção autoritária. Esses generais brasileiros que comandaram tropas no Haiti, a maior parte deles estão envolvidos
na tentativa de golpe no Brasil", comenta o professor da USP.
Ele lembra que na
última reunião da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), em 1º de março, uma das posições mais importantes aprovadas pelos países latino-americanos presentes foi a de reafirmar apoio ao Haiti. "Acho que essa é uma resposta indireta a muitas das posições intervencionistas que os Estados Unidos historicamente impuseram ao Haiti", opina.
16 de outubro 2019, 08:28
A procura por Caricom e CELAC é uma tentativa do governo haitiano de
encontrar outra via, construir uma alternativa que não a da ONU.
"O que acontece com o Haiti e com a Palestina são parte também de uma tragédia mundial, porque existe uma crise econômica e existe uma tentativa sempre de criar um tipo de
política de intervenção contra os povos que buscam a sua liberdade, a sua autonomia, a sua soberania", defende Andrade.
'Solução deve vir de baixo para cima'
A resposta para o problema é primordialmente política, e não militar, alertam os entrevistados, que deve incluir instrumentos de políticas públicas emancipatórias e com participação popular.
"Para que haja solução estrutural, que respeite a soberania e restabeleça a democracia no país, essa solução tem que partir de baixo para cima, do povo organizado, se defendendo, se organizando nas regiões, nas comunidades", conclui o pesquisador da USP.
Antiga colônia francesa, o Haiti foi o primeiro território da América Latina a declarar independência, em 1791, com liderança de ex-escravos.
Os estudiosos comentam que o novo país chegou a criar uma organização estatal baseada na igualdade e liberdade para todos sem distinção de cor ou etnia, e foi reprimido fortemente pelo Estado francês, na época governado por Napoleão Bonaparte.
"O medo negro" se espalhou pelas colônias da região, que endureceram leis para evitar possíveis levantes entre escravos.
Atualmente, a maioria da população é de origem africana, em função do uso de mão de obra africana e escravizada pelos franceses naquela região para exploração, entre outros produtos, da cana-de-açúcar.