Analista: expansão da OTAN em 1999 foi um 'sinal claro à Rússia' de que a Guerra Fria nunca acabou
07:39 13.03.2024 (atualizado: 10:45 13.03.2024)
© AFP 2023 / John RuthroffO ministro das Relações Exteriores da República Tcheca, Jan Kavan (sentado), assina o documento de adesão que inscreve a República Tcheca na OTAN, em 12 de março de 1999, na biblioteca Harry Truman em Independence, no Missouri, EUA. Em pé estão a secretária de Estado dos EUA, Madeleine Albright (à esquerda), o ministro das Relações Exteriores da Hungria, Janos Martonyi (no centro), e o ministro das Relações Exteriores da Polônia, Bronislaw Geremek (à direita)
© AFP 2023 / John Ruthroff
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O dia 12 de março marca o 25º aniversário do início da expansão da OTAN para o Leste Europeu em 1999. A historiadora e veterana sérvio-americana Srdja Trifkovic disse à Sputnik como o "erro fatídico" cometido há um quarto de século preparou o terreno para a atual crise entre a Rússia e o Ocidente.
O período de três semanas entre 12 de março e 4 de abril assinala três marcos importantes para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN):
1.
Em 12 de março de 1999, a aliança iniciou a incorporação dos países do Leste Europeu ao bloco, engolindo a República Tcheca, a Hungria e a Polônia; 2.
Em 24 de março de 1999, a OTAN deu início a uma brutal campanha de bombardeios de 78 dias contra a Iugoslávia; 3.
E em 4 de abril de 1949, foi fundado o bloco. A expansão do bloco "foi um bom investimento" para o antigo presidente Bill Clinton (1993-2001), cuja administração definiu um rumo para o alargamento da OTAN quase imediatamente após assumir o cargo, disse ele aos participantes em uma conferência da OTAN em Praga, na terça-feira (12).
"Foi um risco bom e sensato e fortaleceu imensamente a OTAN. E o lema desta conferência é tão verdadeiro hoje como era então, talvez mais verdadeiro: nunca podemos considerar a nossa segurança garantida. Sabemos que precisaremos de mais redes de cooperação", disse Clinton.
25 anos cutucando o urso
"A história verá a adesão da República Tcheca, da Hungria e da Polônia como um passo fundamental para uma cooperação e integração europeias, para uma Europa sem linhas divisórias", disse o ex-secretário-geral da OTAN, Javier Solana, em 1999.
Vinte e cinco anos depois, as palavras de Solana soam como uma zombaria, com a Europa se encontrando no meio de sua pior crise econômica e de segurança desde a Segunda Guerra Mundial, e a guerra por procuração alimentada pela OTAN contra a Rússia na Ucrânia ameaçando transformar a região, e talvez o mundo, em uma pilha de cinzas fumegantes.
A primeira rodada de expansão da OTAN no Leste Europeu marcou uma "mudança estratégica" na política dos EUA, com a administração Clinton enviando "um sinal claro [...] de que pretendia usar a OTAN como um meio de projetar o poder dos EUA no Leste Europeu e ampliá-lo, embora a URSS [a razão de ser da aliança] tenha deixado de existir", diz a doutora Srdja Trifkovic.
"Em outras palavras, foi uma decisão que refletiu a intenção do governo dos EUA de tratar a OTAN como uma característica permanente, como um fator permanente da cena internacional, e não mais como uma aliança 'defensiva', que foi criada em 1949, pelo menos teoricamente, para defender a Europa Ocidental contra uma possível agressão soviética", disse Trifkovic à Sputnik.
Em termos estratégicos, o alargamento de 1999 "representou uma grande mudança" na grande estratégia dos EUA e enviou um "sinal claro à Rússia [...] que na época atravessava um período de extrema fraqueza sob Boris Yeltsin, de que o jogo não acabou", acrescentou a observadora. "O que parecia ser o fim da Guerra Fria não foi o fim da aliança ocidental."
"Para os russos, penso que também foi um momento preocupante quando perceberam que a promessa feita por James Baker, então secretário de Estado dos EUA, de que não haveria alargamento, já não era válida", disse Trifkovic, referindo-se à declaração de Baker de fevereiro de 1990 ao líder soviético Mikhail Gorbachev de que a OTAN não se moveria "uma polegada para o leste" da Alemanha enquanto se aguarda a aprovação soviética para a anexação da Alemanha Oriental pela República Federal.
Novo curso agressivo
Em uma reviravolta do destino, simbolizando o rumo geopolítico agressivo renovado da OTAN, a aliança iniciou uma campanha de bombardeio massivo sobre a Iugoslávia em 24 de março de 1999, menos de duas semanas após a adesão da República Tcheca, da Hungria e da Polônia ao bloco.
"Nenhuma tropa desses países foi usada contra a Iugoslávia – apenas território húngaro para sobrevoos de aeronaves da OTAN. A principal base de ataque foi Aviano, na Itália", lembrou Trifkovic. "No entanto, o fato de a OTAN estar começando a cercar a Sérvia por todos os lados teve um efeito psicológico profundo." Além disso, "Vladimir Putin afirmou oficialmente que a ação da OTAN contra a Iugoslávia ajudou, na verdade, os russos a terem uma avaliação mais clara e mais sóbria das intenções ocidentais".
O cerco continuou desde então, com 13 membros adicionais entrando na OTAN nos 25 anos desde 1999, seis deles vizinhos da Sérvia.
Em última análise, a decisão da administração Clinton de expandir a OTAN foi um "erro fatídico" estratégico, arruinando uma relação incipiente entre Washington e Moscou, preparando o terreno para a crise ucraniana e servindo para aproximar a Rússia e a China muito mais do que tinham sido desde a década de 1950.
George Kennan, "um dos arquitetos da estratégia dos EUA na Guerra Fria [...] disse quando esta onda de expansão ocorreu que foi o maior erro da política externa dos EUA no período pós-Guerra Fria", lembrou Trifkovic. Kennan, "como estrategista do mais alto nível, era extremamente cético quanto à sabedoria de expandir a OTAN. Agora, passados todos estes anos, vemos que de fato ele tinha razão", resumiu a observadora.