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Ex-embaixador do Brasil que poderia ter evitado EUA de invadir Iraque relembra pressão que o demitiu

© Pedro Rossi / DivulgaçãoJosé Maurício Bustani em trecho do documentário "Sinfonia de um homem comum" (2022). Ele atuou como diretor-geral da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ) entre 1997 e 2002, quando foi demitido do cargo após sofrer pressões estadunidenses devido aos planos de invasão do Iraque
José Maurício Bustani em trecho do documentário Sinfonia de um homem comum (2022). Ele atuou como diretor-geral da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ) entre 1997 e 2002, quando foi demitido do cargo após sofrer pressões estadunidenses devido aos planos de invasão do Iraque - Sputnik Brasil, 1920, 20.03.2024
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Em entrevista à Sputnik Brasil, o ex-embaixador brasileiro José Maurício Bustani, destituído do cargo de diretor-geral da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ) em 2002 por pressão americana, revelou como a atuação dos EUA culminou em sua demissão, já que ele defendia a não invasão do Iraque, iniciada em 20 de março de 2003.
Após exatos 21 anos da guerra, nesta quarta-feira (20), Bustani relata como o 11 de Setembro foi instrumentalizado para justificar agendas políticas americanas de guerra.
O ex-embaixador estava no comando da OPAQ desde 1997 e foi reeleito de forma unânime para um segundo mandato em 2000.
Segundo ele, a narrativa foi fabricada pelos EUA para justificar a invasão ao Iraque, alegando a presença de armas de destruição em massa. "Saddam Hussein estava totalmente desarmado", afirma.
Em janeiro de 2002, o então presidente americano, George W. Bush, referiu-se ao Irã, ao Iraque e à Coreia do Norte como um "eixo do mal" e acusou o regime de Saddam de conspirar para desenvolver armas químicas e nucleares.
"Essa classificação, cunhada pelo então presidente dos EUA, influenciou diretamente a política externa e as ações militares da nação americana. A invasão do Iraque foi, portanto, vista como uma resposta a essa percepção de ameaça."

Ameaça nuclear

O ex-embaixador falou com os jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, do podcast Mundioka, e descreveu a irritação estadunidense quando o Iraque e a Líbia decidiram aderir ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), contrariando o complexo militar-industrial americano, que possui amplo financiamento privado e, àquela altura, já considerava uma futura invasão dos EUA ao Iraque.
Ele havia atuado para convencer países árabes a aderir à convenção, destacando os benefícios econômicos e de segurança que a adesão proporcionaria. No entanto, Bustani ressalta que, a partir daí, enfrentou uma grande oposição dos EUA, que tinham como objetivo final a mudança de regime no Iraque e já construíam uma narrativa para usar o suposto desenvolvimento de armas de destruição em massa pelo governo de Saddam Hussein como justificativa.
Segundo ele, a OPAQ tinha apurado que as armas químicas do Iraque haviam sido destruídas após a Guerra do Golfo e que não havia capacidade para retomar os estoques. Foi aí que a campanha para a sua demissão teve início.
"O Iraque tinha armas químicas antes, e elas foram destruídas pelo pai de Bush [George H. W. Bush] na Primeira Guerra. O Iraque tinha armas químicas que foram desenvolvidas graças à tecnologia fornecida pelos americanos e pelos franceses."
De acordo com o diplomata brasileiro, antes mesmo da invasão do Iraque, o próprio serviço de inteligência do Reino Unido já tinha admitido que o país não possuía as tais armas de destruição em massa.
"E, de repente, você vê o Reino Unido com o [então premiê Tony] Blair se juntar com o Bush para fazer essa guerra absurda. Obviamente eu fiquei meio perplexo. Por que como é que o próprio serviço de inteligência que sempre me informou agora faz com que o primeiro-ministro do Reino Unido apoie, e não só apoie, mas estimule o Bush a fazer a guerra no Iraque?", questiona.

Ascensão e queda

Apesar de elogios iniciais do então secretário de Estado, Colin Powell, sobre seu trabalho, sua posição começou a ser minada ainda nos primeiros meses do governo de George W. Bush, relata, com críticas do governo americano à sua gestão. "A posição dos americanos começou a mudar."
Ele destacou como a ascensão do governo Bush trouxe consigo uma nova mentalidade na política externa americana, centrada na guerra contra o terror e que, naquele momento, já tinha escolhido o Irã, o Iraque e a Coreia do Norte como seus grandes inimigos.
"Eles tinham que encontrar um inimigo responsável por aquilo", afirmou, mencionando a rápida mudança de foco em direção ao Iraque, mesmo sem ligação com os ataques do 11 de Setembro.
Ele, que chefiou o Departamento de Organismos Internacionais do Ministério das Relações Exteriores durante os governos Itamar Franco (então PMDB) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), viu-se alvo de uma intensa pressão dos EUA para endossar a narrativa das armas de destruição em massa no Iraque, uma justificativa que possuía "falta de evidências substanciais" e "informações contraditórias".
Os EUA eram os maiores contribuintes do orçamento da OPAQ e, mediante suas ações para evitar o conflito, ameaçaram retirar seu apoio financeiro à entidade.
Em abril de 2002, a pedido de Washington, uma votação especial foi realizada e teve 48 países a favor de seu afastamento, com 7 contra e 43 abstenções.

"A minha grande decepção naquele momento foi a falta de apoio do país que me indicou, que foi o Brasil", lamentou. "Não me deu apoio, combinou com os americanos de me derrubarem. E eu tinha que negar isso, porque todos os países tinham percebido isso."

Segundo Bustani, a origem do ataque do 11 de Setembro deve ser compreendida através de uma lente histórica, remontando às relações conturbadas entre os EUA e os países muçulmanos do Oriente Médio. O ex-embaixador argumenta que a frustração e o ressentimento resultantes dessas políticas foram combustíveis para a ascensão de grupos contrários ao Ocidente.
"Se você pensar por que aconteceu o Bin Laden, você tem que voltar para trás para perceber o que criou a necessidade de um grupo terrorista de origem muçulmana", exemplifica.
O diplomata destaca que a imposição da visão de mundo americana, a tentativa de impor um modelo único e a falta de aceitação da diversidade cultural contribuem para alimentar o sentimento antiocidental.

Nova ordem mundial

Bustani também abordou a necessidade de uma reforma internacional, destacando o papel do BRICS como um contrapeso ao poder ocidental. Ele entende que é preciso uma nova ordem mundial baseada em negociações e diálogo, em oposição à imposição unilateral de valores e interesses.
"Eu acho que a ordem mundial deve ser modificada. Ela tem que ser negociada em novas bases."
Ele enfatiza a necessidade urgente de diálogo e cooperação global para prevenir futuros conflitos. Além disso, que é preciso evitar perpetuar inimigos imaginários, como o comunismo, em detrimento do progresso e da estabilidade internacional.
"Os Estados Unidos destroem, mas não constroem", afirma Bustani, comparando com a abordagem chinesa, que busca estabilidade e desenvolvimento por meio de cooperação e investimentos.
Bustani também expressou preocupação com o estado atual do Brasil, destacando a "influência negativa da ignorância e da desinformação" na sociedade.
Ele lamenta a falta de coragem da imprensa em desafiar narrativas dominantes e alerta contra a polarização e o obscurantismo — exemplificados, segundo ele, pela nomeação controversa de líderes desqualificados para cargos importantes.
Por fim, ele sugere a criação de um conselho de segurança ampliado e o estabelecimento de vetos compartilhados como medidas para promover uma governança global mais inclusiva e eficiente, e afirma que vê um futuro em que a diversidade cultural e política seja respeitada, permitindo convivência pacífica e próspera entre as nações.
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