Divisor de águas? Seriedade das sanções dos EUA contra Israel divide especialistas
06:43 26.04.2024 (atualizado: 10:21 26.04.2024)
© AP Photo / Ariel SchalitJoe Biden, então vice-presidente dos EUA, entrega uma caneta a Benjamin Netanyahu, após reunião na residência do primeiro-ministro em Jerusalém, em 9 de março de 2010
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EUA quebram o tabu e defendem a aplicação de sanções contra unidades militares das Forças de Defesa de Israel. A Sputnik Brasil investiga como Washington sanciona seus aliados e se as ações contra grupos militares em Israel terão efeito sobre as operações na Faixa de Gaza.
Nesta sexta-feira (26), o presidente da França, Emmanuel Macron, considerou a aplicação de sanções contra líderes de assentamentos israelenses na Cisjordânia, em função do aumento da violência contra palestinos.
Durante conversa com o rei da Jordânia Abdullah II, os líderes "condenaram de maneira firme as recentes declarações de Israel sobre os assentamentos", que são "contrários à lei internacional", reportou a AFP.
A iniciativa francesa ecoa a aplicação de sanções pelos EUA contra colonos considerados extremistas por Washington. Na semana passada, os Estados Unidos sancionaram o líder do grupo de assentados Levaha, Bentzi Gopstein, próximo do ministro da Segurança Pública de Israel, Itamar Ben-Gvir.
© AP Photo / Atef SafadiItamar Ben-Gvir, ministro da segurança nacional do novo governo de Benjamin Netanyahu, participa de uma reunião semanal de gabinete em 3 de janeiro de 2023
Itamar Ben-Gvir, ministro da segurança nacional do novo governo de Benjamin Netanyahu, participa de uma reunião semanal de gabinete em 3 de janeiro de 2023
© AP Photo / Atef Safadi
Nesta semana, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, avalia a aplicação de sanções contra a unidade das Forças de Defesa de Israel, Netzach Yehuda, reportou o portal Axios. Autoridades norte-americanas estudam aplicar a Lei Leahy, que proíbe os EUA a enviar ajuda militar e financeira para unidades militares que estejam implicadas em violações aos direitos humanos.
Caso aplicada, essa seria a primeira vez que os EUA imporiam sanções contra forças militares de Israel, com consequências abrangentes para a aliança entre os dois países.
"Com certeza será um divisor de águas. Os EUA são o maior aliado de Israel no cenário internacional, é uma aliança especial", disse a professora de Relações Internacionais e assessora do Instituto Brasil-Israel, Karina Calandrin, à Sputnik Brasil. "A aplicação de sanções pelos EUA contra Israel coloca em xeque o futuro dessa relação."
Segundo ela, a unidade Netzach Yehuda "atua como uma milícia nos assentamentos na Cisjordânia", com o objetivo "de ocupar mais territórios e estender a ocupação israelense", até que "os palestinos percam o direito" às terras.
© AP Photo / Majdi MohammedFumaça sobe após explosão perpetrada pelas Forças de Defesa de Israel (FDI) no campo de refugiados Nur Shams, na Cisjordânia, em 20 de abril de 2024
Fumaça sobe após explosão perpetrada pelas Forças de Defesa de Israel (FDI) no campo de refugiados Nur Shams, na Cisjordânia, em 20 de abril de 2024
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O governo israelense respondeu de forma dura à intenção norte-americana de aplicar sanções à unidade militar Netzach Yehuda. De acordo com postagem do ministro da Defesa, Benny Gantz, na plataforma X, a decisão "abriria precedente perigoso e passaria a mensagem errada aos nossos inimigos comuns em tempos de guerra".
"Se alguém acha que pode impor sanções contra uma unidade das Forças de Defesa de Israel – eu lutarei contra isso com todas as minhas forças", declarou o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, na plataforma X.
De acordo com Calandrin, as sanções dos EUA têm como alvo a política de assentamentos e sua ligação intrínseca com a extrema direita do país. As sanções acirrariam as disputas entre a extrema direita e demais frações do governo israelense sobre o financiamento dos assentamentos, que poderia levar a um racha no governo, explica a assessora do Instituto Brasil-Israel.
© AP Photo / Ohad ZwigenbergO primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, ao centro, sorri enquanto Itamar Ben-Gvir, ministro da Segurança Nacional, e o ministro da Educação, Yoav Kisch, à esquerda, olham para o parlamento de Israel, o Knesset, em Jerusalém, 22 de fevereiro de 2023
O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, ao centro, sorri enquanto Itamar Ben-Gvir, ministro da Segurança Nacional, e o ministro da Educação, Yoav Kisch, à esquerda, olham para o parlamento de Israel, o Knesset, em Jerusalém, 22 de fevereiro de 2023
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"Os partidos da extrema direita foram eleitos prioritariamente com votos de colonos, então é interessante para esse partido que o financiamento [aos assentamentos] continue", disse Calandrin. "Será uma queda de braço, que pode levar um grupo a sair da coalisão, o governo a perder a maioria e novas eleições serem convocadas."
Morde e assopra
Apesar da retórica inflamada, os EUA ameaçam a aplicação de sanções alguns dias após terem aprovado pacote de ajuda de US$ 26 bilhões (R$ 133 bilhões) para Israel. O financiamento é essencial para que Israel continue a sua operação militar em Gaza, que já vitimou cerca de 34 mil pessoas e coloca os moradores do enclave em situação de fome e extrema carestia.
Para o professor de Relações Internacionais da PUC-SP e pesquisador do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais, Bruno Huberman, os EUA acenam com sanções contra Israel para aplacar as crescentes críticas a Tel Aviv por sua condução violenta da operação em Gaza.
"Essas seriam ações que não teriam efetividade verdadeira. São medidas mínimas de mitigação", disse Huberman à Sputnik Brasil. "Mas para o público interno [norte-americano] e para seus parceiros internacionais, mostra que os EUA supostamente estariam tentando conter Israel."
O contexto eleitoral nos EUA e aumento dos protestos contrários à guerra em universidades de elite do país pressionam o governo Biden a fornecer respostas, ainda que limitadas.
© AP Photo / Mike StewartPolicial detém um manifestante no campus de universidade em Atlanta, nos Estados Unidos, 25 de abril de 2024
Policial detém um manifestante no campus de universidade em Atlanta, nos Estados Unidos, 25 de abril de 2024
© AP Photo / Mike Stewart
"Biden está colocando sua reeleição em risco por causa de Israel. Uma boa parte do seu eleitorado mais progressista, de ascendência árabe, os muçulmanos, estão abandonando a candidatura Biden", considerou Huberman. "Essas ações contra Israel podem garantir votos para Biden entre os grupos mais à esquerda do Partido Democrata."
As eventuais sanções contra Israel também são um aceno a parceiros internacionais dos EUA, insatisfeitos com o comportamento de Tel Aviv. Com seu principal aliado no Oriente Médio cada vez mais isolado, os EUA procuram controlar qual será o caráter da resposta internacional a Israel.
"Os EUA procuram estar no controle das ações de contenção a Israel. Querem controlar quais sanções são aceitáveis, e quais são inaceitáveis", explicou Huberman. "Sanções a setores militares específicos são toleráveis, mas sanções econômicas não, por exemplo."
Nesse sentido, as sanções propostas por Washington têm como alvo a extrema direita israelense, grupo que nutre relações instáveis com o atual governo na Casa Branca.
© AP Photo / Hatem AliPalestinos inspecionam as ruínas de um prédio residencial após ataque aéreo israelense em Rafah, Faixa de Gaza, em 29 de março de 2024
Palestinos inspecionam as ruínas de um prédio residencial após ataque aéreo israelense em Rafah, Faixa de Gaza, em 29 de março de 2024
© AP Photo / Hatem Ali
"Biden busca conter a extrema direita sem necessariamente se opor ao governo de Israel. O argumento é que haveria uma diferença entre esses atores que atuam de forma violenta contra a Palestina e o governo israelense como um todo. Mas não há", declarou Huberman. "Esses atores são o governo. Representam o Estado, são um braço do Exército."
A estratégia de Washington com as sanções aventadas, portanto, são de aplicar a "tática das 'maçãs podres', indicando que o problema não seria a política contra a Palestina como um todo, mas sim alguns membros que se excedem e propagam ideias de extrema direita".
"De resto, o apoio dos EUA a Israel nas áreas que realmente importam continua inalterado: ajuda militar, apoio na resposta israelense ao Irã. Então, por mais que haja uma crise nas relações, essas sanções não são um divisor de águas", concluiu o especialista.