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'Impossível de replicar': Milei flerta com modelo Bukele, mas é travado pela realidade argentina

© AP Photo / Natacha PisarenkoJavier Milei, presidente da Argentina, deixa o Museu do Holocausto após participar de evento que marca o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto em Buenos Aires, Argentina, 26 de janeiro de 2024
Javier Milei, presidente da Argentina, deixa o Museu do Holocausto após participar de evento que marca o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto em Buenos Aires, Argentina, 26 de janeiro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 30.04.2024
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Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas explicam por que o método radical de combate à violência implementado por Nayib Bukele em El Salvador não seria viável na prática na Argentina.
Quando Nayib Bukele foi reeleito presidente de El Salvador, em 4 de fevereiro, dedicou alguns minutos de seu discurso de vitória para exaltar o presidente argentino, Javier Milei, e colocar-se a sua disposição para colaborar em matérias de segurança pública.
Ele revelou que sua gestão dialogou com a ministra de segurança interna da Argentina, Patricia Bullrich, derrotada nas eleições presidenciais e alçada ao comando da pasta após a vitória de Milei, que se disse interessada em adaptar o chamado modelo de Bukele para combater o crime organizado em seu país. "Nos interessa adaptar o modelo de Bukele. A insegurança na Argentina está complicada", declarou a ministra.
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O modelo Bukele de combate à criminalidade foi implementado em El Salvador em 27 de março de 2022, três anos após Bukele ser eleito presidente pela primeira vez, e consiste em um estado de exceção que suspende garantias constitucionais, como o período máximo de 72h para prisão administrativa, a inviolabilidade de correspondência e o direito de defesa perante a lei. Ademais, prisões podem ser feitas tendo apenas denúncias anônimas como base, sem necessidade de provas. Mais de 70 mil pessoas já foram presas desde então.
O estado de exceção, que passou por aprovação no Congresso, foi implementado após as duas maiores gangues do país, Mara Salvatrucha (MS-13) e Barrio 18, desencadearem uma onda de violência que causou a morte de 87 pessoas em um fim de semana em 2022. A medida fez a taxa de assassinatos em El Salvador despencar de 106 para 2,4 assassinatos a cada 100 mil pessoas, a mais baixa do hemisfério.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas analisam quais as probabilidades de o modelo Bukele ser bem-sucedido na Argentina e se Milei conseguiria acomodar a retomada econômica e o combate à violência em sua agenda de governo.

Um modelo, duas realidades distintas

Para Marcela Franzoni, professora de relações internacionais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo e do IBMEC, o tema da segurança pública se tornou uma plataforma política no continente latino-americano, impulsionado por um discurso conservador radical, o que deu protagonismo a Bukele. No entanto, ela tem ressalvas quanto à possibilidade de o modelo ter aderência em outros países, no caso, a Argentina.

"A primeira característica claramente é o tamanho da Argentina. A Argentina é muito maior em termos de densidade populacional do que El Salvador e isso configuraria uma dificuldade muito maior de implementar essas políticas, principalmente a política de encarceramento em massa. Bukele encarcerou em torno de 2% da população. A Argentina não teria condições de fazer isso pelo contingente populacional que possui", explica a professora.

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Ela acrescenta que há diferenças na modalidade de criminalidade combatida nos dois países: El Salvador lida com gangues que promovem extorsão a serviços públicos nas grandes cidades; a Argentina lida com uma criminalidade calcada no narcotráfico, que tem tentáculos internacionais.
"Acho importante fazer essa diferenciação porque não é simplesmente aplicar o que foi usado em El Salvador. A gente precisa pensar que os contextos dos países são bastante diferentes."
Franzoni aponta ainda que a população argentina é bastante politizada, com forte tradição de ir às ruas, o que poderia frear Milei, caso ele tentasse emular as ações de Bukele, e destaca que o presidente argentino também não tem apoio da maioria do Congresso, o que tornaria improvável alcançar a aprovação de um estado de exceção, como fez Bukele.

"Só para ter um parâmetro, teve a votação da lei ônibus, aquele megapacote que Milei tentou aprovar nos últimos meses, e o que a gente viu foi que ele teve que voltar atrás em vários tópicos. Ele não conseguiu negociar esse grande pacote, o que nos dá um indicativo dessa dificuldade que ele vai ter na negociação com o Congresso. Então, me parece que por mais que haja o interesse por parte de Milei e também da ministra Patrícia Bullrich em implementar essas políticas, a articulação com o Congresso seria muito difícil de ser feita pelo fato de o partido de Milei ter minoria no parlamento."

Aproximação entre os líderes traz ganhos políticos estratégicos

Para Matheus de Oliveira, professor de relações internacionais no Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, a aproximação com Bukele beneficia Milei, sobretudo porque as políticas do presidente salvadorenho estão alinhadas com o perfil conservador dos seus eleitores. Em paralelo, o respaldo de Milei ao modelo Bukele confere legitimidade à agenda do líder salvadorenho.
"Esse respaldo de Milei não deixa de ser uma forma também de mostrar para o país [El Salvador] que existem pontos de concordância com essa abordagem e acredito que dá uma certa inflada, digamos assim, no ego de Bukele, no sentido de que ele pode virar para a população e dizer 'Olha, é nosso governo que está aqui à frente de um país que há alguns anos era um dos que tinha a pior situação de segurança pública no mundo, agora é até consultado por outros países maiores, mais ricos, que vêm querer apreender conosco o que nós fizemos'. Então acho que dá um ganho de imagem importante para o Bukele e para o Milei", explica o professor.
"É também uma forma de [Milei] lucrar um pouco em cima da reputação de Bukele, que é muito expressiva junto aos setores da base de apoio de Milei. Uma forma de sinalizar muito positivamente para a base dele", destaca.
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Oliveira também acredita que a diferença no número de habitantes entre os dois países inviabiliza a implementação do modelo Bukele na Argentina.

"São lógicas muito diferentes, são países muito diferentes. El Salvador é um país de 6 milhões e poucos mil habitantes, a Argentina é um país de mais de 50 milhões de habitantes. É uma realidade muito maior, muito mais complexa. O sistema político argentino tem muitas diferenças em relação ao salvadorenho, então eu acredito que é mais do que difícil, é impossível de replicar, de fato, a estratégia de Bukele [na Argentina]."

Crise econômica alimenta a violência na Argentina

O especialista sublinha ainda que seria difícil para Milei obter apoio para a construção de presídios em um momento que a Argentina atravessa uma forte crise econômica. Ele destaca que Milei apresentou números que indicam uma melhora na economia argentina, mas diz se tratar de um "superávit para inglês ver".
"Na verdade, o que tem aí é uma grande manobra contábil que passa pelo congelamento de despesas num contexto ainda de inflação muito elevada e de aumento da arrecadação via imposto inflacionário. Então é um superávit meio maquiado. Não é um superávit que reflete uma melhora da situação econômica do país."
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Outro ponto abordado pelo professor é o fato de que a crise econômica argentina alimenta a violência, uma vez que "o nexo entre pobreza e sobretudo desigualdade econômica e criminalidade é bastante forte".
"É fato que a precariedade de serviços públicos, a precariedade de condições de vida alimenta essas redes criminosas, esses grupos criminosos altamente organizados que, muitas vezes, preenchem um espaço dentro de comunidades mais pobres que deveria ser preenchido pelo Estado."

Modelo de Bukele poderia ser implementado no Brasil?

Questionado se o método Bukele de combate à criminalidade poderia ser copiado pelo governo brasileiro, Oliveira descarta essa possibilidade, afirmando que o contexto do Brasil é ainda mais complexo.
"Você tem que multiplicar por muitas vezes para chegar ao que é a situação brasileira. O cenário de segurança pública no Brasil é muito diferente e muito mais complexo do que o de El Salvador. Aliás, o Brasil é uma prova de que encarceramento em massa e más condições prisionais não resolvem o problema de segurança pública", argumenta.

"Nós já temos uma população carcerária que está entre as maiores do mundo e os nossos presídios são, em sua maioria, presídios que oferecem condições abaixo de precárias às pessoas que estão ali. Então, se cadeia dura resolvesse problema de segurança pública, o Brasil a essa altura já podia estar muito mais perto de uma situação escandinava, e não é esse o quadro que a gente tem", complementa.

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