EUA abusam do poder do dólar de maneira bestial e colocam em risco sua hegemonia, diz analista
11:57 08.05.2024 (atualizado: 14:19 08.05.2024)
© AP Photo / Manuel Balce CenetaJoe Biden, presidente dos EUA, discursa em ato de campanha presidencial em Atlanta, em 9 de março de 2024
© AP Photo / Manuel Balce Ceneta
Nos siga no
Especiais
Uso de sanções econômicas pelos EUA tem forte aumento na última década, gerando insatisfação entre aliados e contra sanções no Sul Global. Economistas explicam para a Sputnik Brasil como os EUA se apoderaram do sistema SWIFT e por que suas sanções estão perdendo eficácia.
Na última semana, o Irã impôs sanções contra pessoas físicas e jurídicas dos EUA e do Reino Unido por fornecer apoio ao esforço de guerra israelense na Faixa de Gaza. A medida foi anunciada após aprovação de novo pacote de sanções contra Teerã por Washington e Londres, em função dos ataques retaliatórios realizados contra Israel, no início de abril.
Entre os norte-americanos sancionados pelo Irã estão o general Bryan P. Fenton, chefe do comando de operações especiais dos EUA, e o vice-almirante Brad Cooper, ex-comandante da 5ª Frota da Marinha norte-americana.
Grandes empresas do complexo industrial militar dos EUA também estão na mira dos iranianos, com destaque para a Lockheed Martin. Suas parceiras britânicas, Elbit Systems e Parker Meggit, também estão na lista de sanções. Além disso, a empresa Chevron foi sancionada por participar de empreendimentos israelenses para extração de petróleo no Mediterrâneo.
© Foto / Força Aérea dos EUATrabalhadores destroem aeronaves de ataque furtivo Lockheed F-117 Nighthawk
Trabalhadores destroem aeronaves de ataque furtivo Lockheed F-117 Nighthawk
© Foto / Força Aérea dos EUA
As empresas sancionadas estão sujeitas ao "bloqueio de contas bancárias e transações no sistema financeiro e bancário iraniano, bloqueio de ativos dentro da jurisdição da República Islâmica do Irã e proibição da emissão de visto para entrada no território iraniano", anunciou o Ministério das Relações Exteriores.
A adoção de sanções por países não ocidentais, como o Irã, não é regra nas relações internacionais contemporâneas. De acordo com o professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Andrés Ferrari Haines, os EUA são o país que mais aplica sanções econômicas internacionais atualmente.
"A imposição de sanções econômicas não é uma prática generalizada. Ela está bastante concentrada em um grande sancionador: os EUA", disse Haines à Sputnik Brasil. "Apesar do aumento do poder econômico de países do Sul Global, Índia, China ou Rússia não demonstram interesse em adotar políticas de sanções econômicas contra outros países."
A economista e mestranda no Programa de Governança Global e Formulação de Políticas Internacionais da PUC-SP, Aline Gonelli, concorda, e lembra que sanções aplicadas pelo Sul Global são sobretudo retaliatórias.
"O Sul Global impõe sanções principalmente como resposta a medidas adotadas pelo Ocidente. Principalmente pelos EUA, que têm a capacidade de impedir o acesso ao sistema financeiro internacional", disse Gonelli à Sputnik Brasil. "Nesse caso concreto, não acredito que os iranianos esperem que essas sanções tenham efeitos similares às sanções impostas pelos países ocidentais."
A China também adota sanções retaliatórias regularmente, conforme lei de combate às sanções estrangeiras aprovada pelo país em 2021. A legislação prevê punição para empresas que colaborem com a aplicação de sanções impostas contra a China.
Após os ataques de 11 de Setembro, os EUA obtiveram meios para aumentar o controle sobre o sistema financeiro global, viabilizando a imposição generalizada de sanções econômicas. Segundo Gonelli, os EUA exerceram pressão para que empresas privadas centrais para o sistema financeiro, como a belga SWIFT, compartilhassem informações com Washington.
"Nesse contexto, os EUA conseguiram acesso aos dados das transações financeiras internacionais e da rede SWIFT, aumentando a sua capacidade de identificar e desconectar bancos que tivessem relações com organizações que eles consideravam terroristas", explicou Gonelli.
A nova vantagem informacional, aliada à velha centralidade do dólar, garante que "os EUA realmente sejam capazes de aplicar sanções unilaterais como ninguém, não somente na sua jurisdição, mas também extra territorialmente".
Como resultado, Washington recorre cada vez mais ao uso de sanções econômicas como instrumento de política externa. De acordo com o Project Syndicate, em 2022 cerca de 30% das principais matérias-primas mundiais estavam sujeitas a algum tipo de sanção, comparadas a somente 5% em 2019.
"O aumento na aplicação das sanções unilaterais pelos EUA gera preocupação, inclusive em países da União Europeia, que não apoiam todas as estratégias de política externa norte-americanas", considerou Gonelli.
Segundo ela, "os países que impõem sanções também sofrem seus efeitos", como o aumento da pressão inflacionária em função da restrição da oferta de bens essenciais, como o petróleo.
© AP Photo / Czarek SokolowskiAgricultores poloneses durante protesto contra as políticas da União Europeia e a importação de grãos da Ucrânia fecha ruas e estradas, Varsóvia, 27 de fevereiro de 2024
Agricultores poloneses durante protesto contra as políticas da União Europeia e a importação de grãos da Ucrânia fecha ruas e estradas, Varsóvia, 27 de fevereiro de 2024
© AP Photo / Czarek Sokolowski
O professor de Economia e Relações Internacionais da UFRGS Heines alerta para os efeitos bumerangue das sanções econômicas para os próprios norte-americanos. Para ele, o uso reiterado de sanções econômicas como arma política gera incentivo para que países se engajem na formação de sistemas financeiros paralelos.
"Os EUA vêm abusando do poder do dólar no sistema internacional de maneira bestial, e isso não tem trazido vantagens para seus aliados, nem para sua população, mas somente para uma pequena elite", argumentou Heines. "Isso coloca em risco a confiança internacional no dólar, que é o fator fundamental para manutenção do poderio americano."
Eficiência em queda?
Outro efeito bumerangue das sanções aplicadas pelos EUA é a diminuição gradual de sua eficiência. A maior frequência do uso das sanções econômicas poderá ser diretamente proporcional a sua menor eficácia.
"As sanções contra a Rússia, por exemplo, tiveram efeito bastante limitado, principalmente se compararmos às sanções aplicadas anteriormente contra o Irã e a Venezuela", disse Gonelli. "Um dos fatores [que explica a baixa eficácia] é o tamanho da economia russa e o seu alto nível de integração à economia global."
A menor adesão de países do Sul Global às sanções unilaterais norte-americanas também diminui o seu efeito. No caso da Rússia, parte significativa dos países da Ásia, América Latina e África não aderiram às sanções impostas por Washington.
"Atualmente, os países do BRICS têm um peso econômico crescente em relação ao G7. Portanto, caso não haja adesão de países como China, Índia e Brasil, os efeitos das sanções são severamente limitados", explicou o economista.
© AP Photo / Gianluigi GuerciaLula, Xi Jinping, Cyril Ramaphosa, Narendra Modi, e Sergei Lavrov posam para uma foto do grupo BRICS durante a Cúpula do BRICS de 2023, no Centro de Convenções de Sandton em Joanesburgo. África do Sul, 23 de agosto de 2023
Lula, Xi Jinping, Cyril Ramaphosa, Narendra Modi, e Sergei Lavrov posam para uma foto do grupo BRICS durante a Cúpula do BRICS de 2023, no Centro de Convenções de Sandton em Joanesburgo. África do Sul, 23 de agosto de 2023
© AP Photo / Gianluigi Guercia
Por outro lado, sanções impostas contra países com economias menores ou mais dependentes, como Venezuela, Irã, Zimbábue, Iraque e Afeganistão, geraram graves consequências, sobretudo para a sua população civil.
"Existe uma visão equivocada de que as sanções econômicas não gerariam prejuízos humanitários, ou que seriam uma maneira civilizada de pressionar o país alvo a mudar de comportamento", notou Heines. "As sanções soam como algo técnico, mas têm efeitos para a população civil similares aos de uma guerra."
O caso mais emblemático é das sanções impostas contra o Iraque durante a década de 1990. De acordo com relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), cerca de 500 mil crianças morreram como consequência do amplo regime de sanções impostas pela comunidade internacional sob a liderança dos EUA. Quando perguntada sobre as vítimas, a então secretária de Estado dos EUA, Madeline Albright, considerou ser um "preço que achamos que vale pena [ser pago]".
Refugiados da zona de guerra no Afeganistão
© Sputnik / Sayed Zakeria
/ Em um futuro próximo, a parte a pagar o preço poderá ser os próprios EUA. A crescente insatisfação de aliados, a baixa adesão às sanções e sua decrescente eficácia mostra que Washington "dá um tiro no pé e coloca em risco a sua fonte de financiamento mais acessível e barata: o dólar", concluiu Heines.