Produção dos caças Gripen no Brasil seguirá após entrada da Suécia na OTAN? Analistas debatem
10:54 17.05.2024 (atualizado: 16:06 11.10.2024)
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Embraer comemora um ano da inauguração da produção de caças supersônicos Gripen no Brasil, em parceria com a empresa sueca Saab. Saiba como andam a entrega dos caças e o treinamento de pilotos e se a entrada da Suécia na OTAN pode emperrar o projeto.
Neste mês, a fabricante de aeronaves brasileira Embraer comemora o primeiro aniversário da sua linha de produção de caças Gripen E, na unidade da empresa em Gavião Peixoto (SP). A linha de produção é resultado do projeto firmado entre Brasil e Suécia para renovação da frota de caças supersônicos da Força Aérea Brasileira.
Em suas redes sociais, a empresa sueca Saab divulgou imagem do primeiro caça Gripen sendo montado no Brasil, lembrando que a linha de montagem da Embraer "é a única do Gripen E fora da Suécia e a primeira a produzir caças supersônicos na América Latina".
© Palácio do Planalto / Ricardo StuckertPresidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (o quinto da esquerda para a direita), durante cerimônia de inauguração da linha de produção do caça Gripen e visita à linha de produção, São Paulo, 9 de maio de 2023
Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (o quinto da esquerda para a direita), durante cerimônia de inauguração da linha de produção do caça Gripen e visita à linha de produção, São Paulo, 9 de maio de 2023
© Palácio do Planalto / Ricardo Stuckert
A linha de montagem será responsável pela fabricação de pelo menos 15 unidades do caça para a Força Aérea Brasileira e, no futuro, poderá atender a novas demandas nacionais e estrangeiras, destacou a Saab.
A parceria entre a sueca Saab e a brasileira Embraer é fruto do projeto FX-2 de modernização da frota de aeronaves militares supersônicas capitaneado pela Força Aérea Brasileira (FAB). Após quase dez anos de debates e licitação, em 2013 foi selado acordo para a compra de 36 unidades, a um preço à época estimado em US$ 5 bilhões (cerca de R$ 25 bilhões).
Até o momento, a Força Aérea Brasileira já recebeu da Suécia sete unidades do caça, denominados F-39E, locados na base de Anápolis, em Goiás. As unidades produzidas no Brasil pela Embraer têm a entrega estimada para 2025.
"O Gripen é um avião supersônico, que garante à Força Aérea Brasileira a capacidade de estar rapidamente em qualquer ponto do território de um país com dimensões continentais, como o Brasil", disse o apresentador do canal Aero por trás da Aviação, Fernando de Borthole, à Sputnik Brasil. "A base de Anápolis é estratégica porque está no centro do país, a menos de uma hora de voo de qualquer ponto do território nacional para um caça supersônico."
Segundo ele, o projeto é bastante positivo para a Embraer, "que pode utilizar o conhecimento sobre fabricação de caças em outros projetos, tanto civis, quanto militares". Para o piloto formado em aviação civil Borthole, os diferenciais do projeto são a troca de tecnologia e finalização dos caças em território brasileiro.
"O programa garante intensa troca de tecnologia entre a Saab e a Embraer, o que é essencial para o Brasil", disse Borthole à Sputnik Brasil. "Não tínhamos o interesse em simplesmente comprar um avião ou o modelo de um caça: temos demanda por troca de tecnologia e capacitação de pessoal brasileiro para a produção do caça."
Essa não é a primeira vez que o Brasil trabalha nesses moldes: os hoje aposentados caças ANX foram fruto de um projeto de cooperação tecnológica com a Itália. Segundo Borthole, a demanda por troca tecnológica inviabilizou a compra brasileira de caças norte-americanos como o F-16 ou F-18.
"Os norte-americanos não têm costume de transferir tecnologia. Washington mantém uma lista de aliados com quem podem partilhar", disse o professor da UFSC e consultor na Intelligence Consultancy and Training, Gustavo Fornari Dall'Agnol, à Sputnik Brasil. "Os aliados prioritários são Israel e Reino Unido, seguidos pelos aliados da OTAN. Portanto, o Brasil dificilmente teria acesso a tecnologias essenciais norte-americanas para produção de caças."
Gripen à brasileira
A troca de tecnologia garante a integração de tecnologia e sistemas brasileiros ao Gripen sueco, gerando um produto único para a Força Aérea Brasileira. O uso de tecnologia nacional garante a segurança e soberania brasileira sobre a operação desses caças em caso de conflito interestatal, explica Borthole.
"O Gripen que está sendo produzido no Brasil não é o mesmo que opera na Suécia. Ele já tem tecnologia brasileira na parte de sistema e de painéis, por exemplo", disse Borthole. "A casca do avião, sua aerodinâmica e motor são suecos, mas o mais importante do ponto de vista de soberania são os sistemas, radares, armamentos e a garantia de não detecção do avião por radares inimigos. E esses elementos serão providos pelo Brasil."
A incorporação de tecnologia brasileira também garante a participação de empresas e engenheiros nacionais no processo de produção dos caças, gerando não só emprego e renda, mas ainda fixando quadros altamente qualificados no Brasil.
"Os engenheiros brasileiros são muito bem cotados no mercado internacional. Precisamos valorizá-los para manter esses quadros aqui dentro, e a única forma de fazer isso é promovendo esse tipo de programa de aviação", considerou Borthole.
Vantagem sueca
Segundo ele, a Saab sai ganhando ao acessar tecnologia brasileira e aprender com o processo de integração da produção do Gripen à estrutura da Embraer. A empresa sueca também ganha uma janela para o mercado consumidor latino-americano, com potencial de expansão de vendas para Colômbia e Peru, conforme reportou o portal UOL.
"A Saab tem realmente muito a ganhar em termos de mercado consumidor, uma vez que suas vendas na Europa são dificultadas pelo espaço que outros caças têm no mercado, como o norte-americano F-35 e o Eurofighter Typhoon", ponderou o professor Dall'Agnol.
A avaliação dos especialistas é que, apesar dos atrasos no cronograma e contingenciamentos de recursos por parte da FAB, o projeto dos caças Gripen é bem avaliado entre os engenheiros e militares brasileiros.
© Foto / Sargento Bianca / Força Aérea BrasileiraF-39E Gripen sobrevoando o Rio de Janeiro (RJ) em 19 de abril de 2021
F-39E Gripen sobrevoando o Rio de Janeiro (RJ) em 19 de abril de 2021
© Foto / Sargento Bianca / Força Aérea Brasileira
"Para futuros projetos com a Saab, porém, teremos um novo elemento a considerar: a entrada da Suécia na OTAN", lembrou Dall'Agnol. "Afinal, dentro de uma aliança tudo muda e a Suécia precisará priorizar a aliança em termos de exportação e transferência de tecnologia."
No entanto, ambos os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil não acreditam que o atual projeto entre a Saab e a Embraer será afetado pela decisão sueca de entrar na OTAN. Para Borthole, "a entrada na OTAN não deve impactar o contrato atual com o Brasil, que é antigo e já está em pleno processo de implementação".
Demanda brasileira
Apesar de o Brasil ser um país avesso a conflitos interestatais, a Força Aérea Brasileira argumenta que a modernização de sua frota de caças hipersônicos é imperativa para garantir a soberania territorial do país.
"O Brasil precisa dessas aeronaves e está muito defasado na área de caças hipersônicos", disse Borthole. "Temos, claro, o cargueiro multimissão KC-390 e o Super Tucano, que realiza patrulha de fronteiras. Mas, em termos de caças, o que temos em operação hoje é o F-5, que é um avião muito antigo."
O especialista ainda lembrou que os caças podem cumprir missões de caráter civil e humanitário, inclusive em cenários de desastres naturais. Os Gripen também poderão ser utilizados para realizar patrulhas, prestar apoio e escoltar outras aeronaves, como o cargueiro KC-390.
© Foto / Sargento Müller Marin / Força Aérea BrasileiraKC-390 (à direita) e Gripen F-39E em 19 de julho de 2023
KC-390 (à direita) e Gripen F-39E em 19 de julho de 2023
© Foto / Sargento Müller Marin / Força Aérea Brasileira
"No final das contas, as Forças Armadas têm como objetivo defender a população, seja em caso de conflito bélico, seja em desastres naturais. Mas, para isso, precisam de estrutura", argumentou Borthole.
O treinamento de pilotos para a operação dos caças Gripen no Brasil também já está em andamento. Os primeiros pilotos foram treinados na Suécia, em aeronaves biposto, e serão instrutores de seus pares no Brasil.
© ©Divulgação SAABMajor aviador Cristiano de Oliveira Peres, piloto de provas da Força Aérea Brasileira (FAB), se prepara para realizar, na Suécia, primeiro voo de um piloto brasileiro no novo caça F-39 Gripen E
Major aviador Cristiano de Oliveira Peres, piloto de provas da Força Aérea Brasileira (FAB), se prepara para realizar, na Suécia, primeiro voo de um piloto brasileiro no novo caça F-39 Gripen E
© ©Divulgação SAAB
"Os pilotos já têm acesso a simuladores de voos para treinamento, até que modelos biposto cheguem ao Brasil para a instrução em voo", revelou Borthole. "A FAB também tem a infraestrutura necessária para operar os caças, como bases com pistas de tamanho adequado e hangares."
Defesa antiaérea
Uma vez modernizada a frota de caças brasileiros, as Forças Armadas precisarão dar um passo adiante e considerar o desenvolvimento de sistemas de defesa antiaérea, alertou Dall'Agnol. Segundo ele, os investimentos de países emergentes como Índia, Turquia e Argentina, em capacidades aéreas impõe um desafio para o Brasil.
"Mesmo com uma frota de caças novas, seguiremos defasados em relação à defesa antiaérea", considerou o consultor. "Apesar de os Gripen serem capazes de engajar em combate ar-ar, a melhor estratégia é a defesa antiaérea com baterias em solo."
Segundo ele, as Forças Armadas poderão acessar recursos através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do possível aumento dos gastos de defesa para atingir 2% do PIB nacional. "Claro que ainda demandaria a otimização dos gastos de defesa, que atualmente são 80% despendidos em pessoal e somente 10% em investimentos", considerou Dall'Agnol.
© AP Photo / Andre PennerJosé Múcio Monteiro, ministro da Defesa, conversa com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 9 de maio de 2023
José Múcio Monteiro, ministro da Defesa, conversa com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 9 de maio de 2023
© AP Photo / Andre Penner
"Precisamos de reformas internas para garantir o financiamento não só do projeto dos Gripen, mas também do programa aeroespacial e de defesa antiaérea. Se não, continuaremos muito vulneráveis", concluiu o especialista.