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Com avanço da Rússia no front, a Ucrânia perdeu em 2022 uma chance de ouro para negociar?

© Sputnik / Sergei Karpukhin / POOL Membro da delegação ucraniana David Arakhamiya (à esquerda) e o chefe da delegação da Rússia Vladimir Medinsky durante conversações na Turquia
Membro da delegação ucraniana David Arakhamiya (à esquerda) e o chefe da delegação da Rússia Vladimir Medinsky durante conversações na Turquia - Sputnik Brasil, 1920, 22.05.2024
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A revista Foreign Affairs publicou recentemente um artigo afirmando que a Rússia e a Ucrânia estiveram perto de chegar a uma resolução pacífica de suas divergências ainda em 2022. Estariam na realidade os países perto de assinar um acordo sobre uma resolução pacífica em 2022?
Em conversa com a Sputnik Brasil, Aleksei Gromyko, membro-correspondente da Academia de Ciências da Rússia e diretor do Instituto da Europa da Academia de Ciências da Rússia, debateu os detalhes do acordo que chegou a ser avalizado pela Rússia e Ucrânia ainda em 2022, mas foi boicotado pela influência das potências ocidentais sobre Kiev.
"Para a revista americana, talvez isso possa ter sido uma novidade, embora agora estejamos em 2024. Mas este tópico tem sido discutido de maneira ativa e aberta por especialistas desde o segundo semestre de 2022", disse Gromyko à Sputnik Brasil.
O especialista observou ainda que em quatro rodadas de negociações russo-ucranianas em fevereiro-março de 2022 foram realizadas conversações que levaram a um acordo relativo à chamada Declaração de Istambul, cujo resumo foi destacado em um documento separado e rubricado pelos chefes de delegações dos dois países. Após a reunião de Istambul, começaram negociações ainda mais intensas, principalmente em formato remoto, para elaborar um projeto de acordo de paz.
"Sua maior parte foi acordada até maio de 2022, incluindo o mais importante em que a Rússia insistia: o status de neutralidade da Ucrânia em termos militares", aponta Aleksei Gromyko.
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As entrelinhas da entrevista de Arakhamiya

Mesmo depois das falsas acusações feitas contra a Rússia por supostos crimes de guerra na cidade de Bucha, em março de 2022, e após a famosa visita do então premiê britânico Boris Johnson a Kiev em abril do mesmo ano, quando ele apelou aos ucranianos para continuar o conflito, o trabalho sobre o projeto de acordo prosseguiu. O processo terminou apenas na primeira quinzena de maio, quando o lado ucraniano se retirou das negociações, apontou o especialista.
Em novembro de 2023, David Arakhamiya, ex-líder da delegação ucraniana nas negociações, citou duas razões pelas quais elas foram interrompidas: as alterações no texto da Constituição ucraniana em 2019, incluindo o rumo do país para adesão à União Europeia e à OTAN, e a visita de Boris Johnson a Kiev em abril de 2022.
Quanto ao primeiro pretexto, comenta o especialista, "é sabido que as emendas a qualquer Constituição podem tanto ser aceitas, quanto revogadas ou alteradas, especialmente quando se trata da resolução de conflitos internacionais". Por isso, de acordo com o especialista, a primeira referência parece francamente exagerada.

"A referência à visita de Johnson fala de pelo menos duas coisas: em primeiro lugar, que muitos políticos ocidentais, não apenas de modo confidencial, mas também abertamente, apelavam a Kiev para usar qualquer pretexto para não firmar um acordo de paz com Moscou. Em segundo lugar, ao culpar de fato Johnson pelo colapso das negociações de paz, o representante da elite política ucraniana Arakhamiya retira a responsabilidade de Kiev pelo futuro desenvolvimento dos acontecimentos", explica Gromyko.

© AP Photo / Gabinete presidencial da UcrâniaO primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson (à esquerda), caminha ao lado do presidente ucraniano, Vladimir Zelensky (à direita), em Kiev, Ucrânia, 9 de abril de 2022
O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson (à esquerda), caminha ao lado do presidente ucraniano, Vladimir Zelensky (à direita), em Kiev, Ucrânia, 9 de abril de 2022  - Sputnik Brasil, 1920, 22.05.2024
O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson (à esquerda), caminha ao lado do presidente ucraniano, Vladimir Zelensky (à direita), em Kiev, Ucrânia, 9 de abril de 2022

É possível voltar ao projeto de acordo de paz?

"Hoje é claro que não será possível voltar literalmente ao projeto de acordo de paz elaborado até o início de maio de 2022, uma vez que, desde então, a situação na zona de combate mudou a favor da Rússia", ressalta o acadêmico.
Vale destacar que, mesmo assim, o presidente Vladimir Putin e outros altos funcionários russos têm repetidamente afirmado que Moscou está pronta para regressar às negociações com base na iniciativa de Istambul, mas tendo em conta as "novas realidades no terreno".
Aleksei Gromyko ressalta que a justificativa da posição da Rússia nas negociações reside no fato de que Kiev teve uma grande oportunidade em março-maio de 2022 de resolver o conflito em termos mutuamente aceitos e com perdas territoriais mínimas.
"Mas foi Kiev quem se retirou do processo de negociações. Portanto, é dela a responsabilidade de que futuros acordos lhe serão muito menos vantajosos", explica Gromyko.
Quando perguntado se as mesmas condições do acordo de paz propostas em 2022 poderiam ser viáveis atualmente, o membro da Academia de Ciências russa enfatizou:
"A Ucrânia terá que fazer concessões muito maiores do que teria feito na primavera [europeia] de 2022. Quanto à Rússia, ela ganhará muito mais com uma futura resolução do que se ela tivesse sido alcançada em 2022, já que a Rússia agora tem a plena iniciativa no campo de batalha e está avançando."
Ele acrescentou ainda que a Ucrânia corre o risco de perder não apenas territórios que se tornaram parte da Rússia, mas também os que podem se transformar em "zonas tampão", como a região de Carcóvia.
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Relativamente às perspectivas de resolução pacífica da crise ucraniana e se o Ocidente está atualmente inclinado a conduzir negociações, o interlocutor da Sputnik Brasil opina:
"Pode-se supor que [...] a cessação das hostilidades possa ocorrer em 2025. O Ocidente segue tentando encher a Ucrânia com armas, mas, de fato, é óbvio que as Forças Armadas da Ucrânia não serão capazes de executar uma nova contraofensiva, nem neste ano, nem no ano que vem. Podemos falar apenas sobre quantos territórios mais serão libertados ou tomados sob controle russo."

"Outra questão é que muitos no Ocidente podem partir não da lógica da derrota ou vitória de Kiev, mas da lógica do prolongamento do conflito entre Rússia e Ucrânia pelo maior tempo possível a fim de colocar a Rússia na posição mais desconfortável possível, atrasar ao máximo o seu desenvolvimento", notou o especialista.

"Ao mesmo tempo, [o prolongamento do conflito permitiria] obter uma nova alavanca de pressão sobre a China, para maximizar as suas vantagens econômicas nas relações com a União Europeia, para saturar com o máximo de dinheiro possível o complexo militar-industrial dos EUA."
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Quanto às perspectivas de retomada das negociações, Gromyko notou que se fala e se escreve mais no Ocidente sobre a retomada do diálogo do que seis meses atrás. Segundo ele, a percepção de que Kiev não teria capacidade de obter êxitos militares também se tornou mais recorrente nos meios de comunicação ocidentais.
Por fim, observa ele, não se trata de apenas do que o Ocidente estaria inclinado ou não a fazer. Além dele, é necessário considerar países e organizações como a China, Índia, Brasil, União Africana, Turquia, Arábia Saudita, Vaticano, que também apelam a um acordo.
"A influência da opinião desta parte do mundo sobre as posições do Ocidente e Kiev é significativa, e penso que só vai aumentar", concluiu.
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