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Não há dinheiro em Portugal para indenizar o Brasil por crimes do período colonial, dizem analistas

© AP Photo / Armando FrancaBandeira nacional de Portugal
Bandeira nacional de Portugal - Sputnik Brasil, 1920, 23.05.2024
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Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas analisam a fala do presidente português sobre reparação às ex-colônias e afirmam que o ouro retirado do Brasil paradoxalmente se converteu em uma maldição para Portugal, impedindo a industrialização do país.
Em abril, o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou que seu país "assume total responsabilidade" pelos erros cometidos no período colonial, incluindo massacres, e sugeriu reparação às ex-colônias.

"Temos que pagar os custos. Há ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos reparar isso", disse Rebelo em um evento com jornalistas estrangeiros.

A fala teve forte repercussão em Portugal e no Brasil. Já no dia 15 deste mês, o Parlamento português se posicionou sobre a declaração, contrariando o presidente e descartando qualquer possibilidade de indenização às ex-colônias.
"Não haverá um processo ou programa de ações específicas para indenizar outros países pelo passado colonial português. Mas quando for justo pedir desculpas, o faremos como no caso do Massacre de Wiriyamu", disse Paulo Rangel, ministro das Relações Exteriores de Portugal, em referência ao massacre perpetrado pelo exército colonialista português em Moçambique, no qual cerca de 400 civis foram mortos em 1972, durante a guerra de independência do país.
No Brasil, sobretudo nas redes sociais, a fala de Rebelo levou internautas a cobrar a devolução do ouro retirado do Brasil. Porém, essa possibilidade é nula, segundo aponta em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, Arminda Ludmila Deveza, portuguesa, escritora, mestre e doutoranda em direito público e evolução social na linha de direitos fundamentais e novos direitos pela Universidade Estácio de Sá, advogada e pós-graduada em direito do trabalho e processo do trabalho.
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Ela destaca que ainda há certa dificuldade em Portugal de reconhecer os crimes cometidos durante a colonização, e essa dificuldade se dá por conta do orgulho português em relação ao passado do país como potência global.

"A gente tem que lembrar da história das Américas e da colonização. Durante mais de quatro séculos, pelo menos mais de 12 milhões de africanos foram sequestrados, transportados à força da África, principalmente por navios e comerciantes europeus, e foram vendidos como escravos. E Portugal traficou quase 6 milhões de africanos, mais do que qualquer outra nação europeia. Então, até agora, Portugal não conseguiu confrontar seu passado", afirma Deveza.

Ela explica que esse impasse ao confrontar o passado é fruto de dois fatores: primeiro, o orgulho que os portugueses têm de seu período como potência marítima; segundo, por falta de adaptação nas escolas, de forma a apresentar esse passado com a devida contextualização.
"Portugal tem uma história riquíssima de honra e glórias. Então o mundo, há muitos séculos, era praticamente português, já que Portugal foi pioneiro na expansão marítima, ampliou a influência e o poder político no mundo inteiro. Os portugueses foram os grandes navegadores e os grandes desbravadores dos mares. As grandes navegações e a era colonial portuguesa em Portugal ainda são vistas como fonte de orgulho. […] nós, portugueses, temos muito orgulho disso, do nosso passado", explica.

"O ensino em Portugal tem que ser revisto — a história, com relação aos fatos como eles realmente aconteceram. Então, a época da colonização tem que ser abordada de outra maneira. Não como algo heroico, mas tem que ser abordada com a contextualização da sua época, com uma leitura e interpretação do que, de fato, ocorreu."

Ela enfatiza que a fala de Marcelo Rebelo de Sousa sobre reparação, no entanto, é reflexo de uma tendência europeia de responsabilização pelos erros e crimes cometidos no passado, e que, por ser acadêmico e professor, o presidente está acompanhando essa tendência por ser um tema relevante e contemporâneo.
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"Está acompanhando o que, recentemente, alguns países europeus já discutem. Eles fazem isso [reparação] […]. A França devolveu 26 objetos que tinham sido levados dentro de um contexto colonial de violência e dominação. Então, com essa investigação, a Alemanha também já devolveu objetos e artefatos que também foram furtados de Benin em 2022. Então existe, sim, um movimento dos líderes mundiais em buscar reparações, buscar responsabilizações. […] acredito que [a fala de Rebelo] tenha sido nesse contexto atual e contemporâneo."

Há dinheiro em Portugal para indenização?

Deveza afirma que não há dinheiro em Portugal para fazer a reparação ao Brasil e destaca que o produto interno bruto (PIB) português em 2023 foi de US$ 230 bilhões (cerca de R$ 1,1 trilhão). Ademais, ela sublinha que o ouro levado do Brasil Colônia para Portugal acabou se convertendo em "maldição".

"O que eu ouvi logo depois dessa fala dele [Rebelo], de algumas pessoas: Cadê o dinheiro? Cadê o ouro do Brasil? Vai devolver o nosso ouro? Então a gente também passou por uma outra questão. A reparação, a gente já pensa logo no dinheiro […], mas não tem ouro. Porque o ouro brasileiro acabou sendo utilizado para cobrir a dívida externa que Portugal tinha com o Reino Unido, porque firmou o famoso Tratado de Methuen em 1703, ou Tratado dos Panos", afirma.

"Portugal não cuidou da indústria, porque acabou cedendo o seu ouro de forma abundante em troca de mercadorias de luxo, que eram continuamente substituídas por outras. Então a abundância de ouro para alguns pesquisadores era uma maldição, porque impediu o processo de industrialização e modernização da economia portuguesa. Então, se não tem dinheiro, como seria feita essa reparação?", questiona.
Ao perguntar à Deveza se nesse contexto a fala do presidente acabou sendo um equívoco, já que não há dinheiro para ressarcimento, a pesquisadora discorda. Ela afirma que o objetivo do presidente português, ao reconhecer os erros do passado, é contribuir para que eles não se repitam.
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"O reconhecimento desses erros do passado ajuda, e acaba contribuindo para que esse tipo de erro não se repita. Porque ele acaba dando exemplo para outros países que continuam a colonizar os outros. A gente ainda vê que alguns países europeus colonizam outros. Então ainda é uma coisa atual."

A escritora afirma que após a etapa do reconhecimento, vem a etapa da reconciliação, e destaca que ambas "são etapas muito fortes e muito difíceis, mas que precisam ser enfrentadas". "Até mesmo para termos uma sociedade mais justa, mais humana, mais igualitária."

Qual o valor do montante que Portugal levou do Brasil durante o período colonial?

Estimativas apontam que, ao longo de séculos, Portugal levou do Brasil riquezas estimadas em US$ 100 trilhões (cerca de R$ 515 trilhões). Porém, para o analista internacional Paulo Martires dos Santos, a quantia é muito maior.

"A quantificação de um valor para tamanha barbárie que decorreu durante 400 anos, no caso do Brasil, é inquantificável em termos de roubo, que foi feito de riquezas naturais, de gentes, assassinatos em massa, extermínio em massa, liquidação do território e tudo mais. […] a realidade é que nunca ninguém, ao meu ver, conseguirá ter uma mínima ideia daquilo que é devido."

Ele afirma ainda que essa conta se refere apenas ao Brasil, mas que há várias outras ex-colônias portuguesas que também teriam cifras altíssimas em caso de reparação financeira. Nesse contexto, uma eventual indenização se torna ainda mais improvável.
"Não adianta monetizarmos as coisas. Não adianta nós dizermos que bem em valor, em pecúnia, em valor de dinheiro, vale XYZ", explica.
Questionado sobre o posicionamento do partido radical de direita Chega, que classificou a declaração de Rebelo como "traição", Santos afirma que a legenda faria de tudo para polemizar qualquer assunto.

"O Chega vai se servir de qualquer coisa para obter protagonismo, seja dizendo isso do Marcelo Rebelo de Sousa, seja dizendo isso da esquerda, da direita, de cima ou de baixo. Eles pegam aquilo que no momento surge como luz da ribalta para explorar o filão", explica.

"A mesma coisa com o [partido] Bloco de Esquerda. Tanto o Bloco de Esquerda como eles [Chega] têm uma coisa em comum: gostam de mídia. Gostam tanto que saltam, rejubilam quando há qualquer coisa que os faça brilhar, ainda que sem fundamento. De qualquer das formas, vozes de burro não chegam ao céu", afirma.
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Sobre a forma que a declaração de Rebelo foi transmitida na mídia, Santos diz que, assim como todas as falas do presidente, foi recebida com impacto.
"Talvez a imprensa portuguesa não tenha conseguido tirar o positivo dessa observação, que era, sem dúvida alguma, puxar para a centralidade da discussão política algo que é devido, algo que é justo, algo que tem que ser discutido. Porque essa observação […] deve trazer a toda a gente a memória daquilo que se fez. Porque nessas escolas [portuguesas], na escola onde eu estudei, na escola onde todos os outros estudaram, apresentam-se os descobrimentos como uma aventura daqueles portugueses que saíram daqui, que pararam nas terras e descobriram o mundo por aí afora, dando ao mundo outros mundos. É uma coisa completamente insípida, desprovida daquilo que é o seu caráter criminoso, o seu caráter de completa degradação humana que aquilo tudo foi."
Entretanto, o especialista afirma que a discussão em torno da reparação deve ser pautada não pelo dinheiro, mas pela ajuda social que Portugal poderia prover ao Brasil e, também, pela reconciliação entre os países, de forma a superar o passado.
"Nós não podemos passar nenhuma borracha [no passado], nem podemos agarrar um saco de dinheiro e entregar para as ex-colônias e dizer: 'Pronto, está aqui tudo aquilo que nós tiramos e a partir daqui estamos arrumados [acertados].' Isso é impossível de se fazer. Isso não apaga nada. Porque aquilo que principalmente urge corrigir foram os atos danosos, sociais, culturais, econômicos que nós infligimos a essas colônias", explica.

"Isso não se recompõe apenas com dinheiro. Também se recompõe com dinheiro, mas com investimento. Com investimento em ajudá-los [ex-colônias], com investimento em financiá-los também, naquilo que se puder, com ajuda social, cultural. O desenvolvimento crítico do ser humano e a cooperação. A solidariedade entre esses povos é fundamental para conseguir […] minimizar aquilo que foi uma decisão e um erro histórico", conclui.

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